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A inaplicabilidade do foro por prerrogativa de função nas ações civis

Frederico Munia Machado

O artigo 84 do CPP, após a redação dada pela Lei n° 10.628, de 24.12.2002, passou a estender o foro de prerrogativa de função, antes incidente apenas sobre as ações penais, também às ações de improbidade administrativa.

terça-feira, 3 de maio de 2005

Atualizado em 26 de abril de 2005 08:41


A inaplicabilidade do foro por prerrogativa de função nas ações civis para ressarcimento ao erário por danos causados por ato de improbidade

Frederico Munia Machado*

O artigo 84 do CPP, após a redação dada pela Lei n° 10.628, de 24.12.2002, passou a estender o foro de prerrogativa de função, antes incidente apenas sobre as ações penais, também às ações de improbidade administrativa.1

Em razão disso, a constitucionalidade da Lei n° 10.628/02 tem gerado muito debate, sendo, inclusive, objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.os 2.797 e 2.860, que atualmente aguardam julgamento do Supremo Tribunal Federal.

Em que pese tal discussão - e, nesse aspecto, filiamo-nos à corrente que defende a inconstitucionalidade da referida lei - fato é que o conteúdo normativo do novo artigo 84 tem sido, ao fundamento da presunção de constitucionalidade das normas, plenamente aplicado pelos tribunais brasileiros.

Assim sendo, observa-se hoje um processo migratório das ações de improbidade administrativa envolvendo funcionário ou autoridade que possui foro por prerrogativa de função da primeira instância para os tribunais.

Entretanto, além das ações de improbidade administrativa, alguns juízes de primeira instância estão também declinando de sua competência nas ações civis que buscam exclusivamente o ressarcimento do erário público pelos danos causados por atos de improbidade administrativa.

Ocorre que, conforme demonstraremos a seguir, tais ações especificamente não se sujeitam ao foro de prerrogativa de função, devendo ser processadas e julgadas pelo juízo de primeira instância.

Inicialmente, deve-se lembrar que as ações de improbidade administrativa não se confundem com as ações civis para exclusivo ressarcimento ao erário. As ações de improbidade administrativa objetivam a aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei n° 8.429/92, tais como perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil calculada com base no valor do acréscimo patrimonial, proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, dentre outras sanções.

Já a ação cível para ressarcimento ao erário busca exclusivamente a reparação do dano que o ato de improbidade administrativa causou ao erário público. Note-se que, apesar de integrar o rol de sanções previstas no art. 12 da Lei n° 8.429/92, o ressarcimento de dano ao erário público constitui obrigação de natureza indenizatória, ao contrário das demais sanções.

Na verdade, as ações civis para ressarcimento ao erário têm existência independentemente da Lei n° 8.429/92. A obrigação de ressarcir prejuízos causados seja a particulares ou ao erário público decorre da legislação civil e está previsto na legislação desde o já revogado Código Civil de 1916 (art. 159). Portanto, ainda que não estivesse prevista na Lei n° 8.429/92, a ação cível para ressarcimento ao erário poderia ser proposta com base na legislação cível.

Tanto é assim que o ressarcimento do dano pode, inclusive, ser buscado em ação ordinária, de iniciativa for da pessoa jurídica lesada, prescindindo do ajuizamento de ação civil pública.

A
lém disso, as sanções por atos de improbidade submetem-se à prescrição estabelecida no art. 23 da Lei n° 8.429/922. Já a pretensão de se pleitear o ressarcimento ao erário é, nos termos do artigo 37, §5º, da CF/88, imprescritível3. Por esse motivo é que se costuma, caso ultrapassado o prazo prescricional da Lei n° 8.429/92, ajuizar-se tão somente a ação cível para exclusivo ressarcimento do prejuízo causado ao erário pelos atos ímprobos.

Dessa forma, a ação de improbidade administrativa não se confunde com a ação cível de ressarcimento. Nesse sentido, não é demais lembrar que, ao contrário do que ocorre com a ação de improbidade administrativa, não há qualquer previsão legal, seja no art. 84 do Código de Processo Penal, seja na legislação extravagante, de competência por prerrogativa de função para a hipótese de ação civil que tenha por objeto, tão somente, a condenação do réu à reparação de danos causados ao erário.

Ainda que se entenda o contrário, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região vem desenvolvendo orientação jurisprudencial segundo a qual a ação de improbidade administrativa deverá se proposta no foro de prerrogativa de função somente se envolver pedido de perda de cargo ou função pública ou, ainda, se houver pedido de suspensão de direitos políticos4. Infere-se, assim, que a ação para reparação dos cofres públicos deve ser ajuizada sempre perante o juízo de primeira instância.

Por todo o exposto, conclui-se que, ao contrário do que ocorre com a ação de improbidade administrativa, a ação cível ajuizada exclusivamente para o ressarcimento ao erário pelos danos causados por atos de improbidade administrativa não se sujeita à competência por prerrogativa de função, devendo ser processada e julgada pelos juízes de primeira instância.
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1"Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

§ 1° A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.

§ 2° A ação de improbidade, de que trata a Lei n° 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1°." (grifamos)

2Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

3Art. 37. (...)

§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

4Nesse sentido: AG 2002.01.00.043226-5/PA, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, Segunda Turma do TRF/1ª Região, DJ de 18/12/2003, p.43; AG 2003.01.00.001757-1/MA, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, Segunda Turma do TRF/1ª Região, DJ de 13/06/2003, p. 49; AG 2003.01.00.005019-9/RO, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, Segunda Turma do TRF/1ª Região, DJ de 28/10/2003, p.80; AG 2003.01.00.005295-0/DF, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, Segunda Turma do TRF/1ª Região, DJ de 7/11/2003, p.26.
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* Servidor do Ministério Público Federal e graduado em Direito pela UNB





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