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Concubinato: será justo clandestinizá-lo?

Quando o STF fez nascer a Súmula 380, a instituição agora entendida como União Estável denominava-se "concubinato" porque era muito mal vista pela sociedade brasileira. No bojo do artigo 226, §3º da CF/88, a relação "longa e duradoura" entre homem e mulher foi jungida à condição de entidade familiar, nascendo daí uma nova versão daquilo que é conhecido como concubinato.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Atualizado em 29 de junho de 2011 15:37

Concubinato: será justo clandestinizá-lo?

Antonio Ivo Aidar*

Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) fez nascer a Súmula 380 (clique aqui), no mês de abril de 1964, a instituição agora entendida como União Estável denominava-se ou alcunhava-se "concubinato" porque era muito mal vista pela sociedade brasileira.

No bojo da disposição insculpida no seio do artigo 226, §3º da Constituição Federal (clique aqui), a relação "longa e duradoura" entre homem e mulher foi jungida à condição de entidade familiar, nascendo daí uma nova versão daquilo que é conhecido como concubinato.

Com o advento do novel Código Civil (clique aqui), vigente desde 11/1/2002, o instituto do concubinato sobrou albergado no artigo 1.727, restando definitivamente estigmatizado como uma união espúria, onde um ou ambos os envolvidos estão impedidos de se casar ou de constituir união estável.

Aprofundando-se um pouco mais na confusão em que o legislador colocou o concubinato, é imperioso deixar claro que, caso um ou ambos sejam casados, porém separados de fato, encontrarão amparo na lição encartada no artigo 1.723 do mesmo Codex supracitado. Passarão, portanto, a ser reconhecidos como conviventes, sendo credores dos direitos conferidos àqueles que coabitam ou não sob o mesmo teto em reconhecida união estável.

No entanto, na hipótese de o texto inserto no artigo 1.727 do Código Civil ser analisado por lentes descomprometidas com conceitos já atropelados pelas mutações que acontecem diariamente no seio social, verificar-se-á que o concubinato não significa um "ficar" esporádico, como se as relações pessoais que acontecem com tais características tenham por escopo apenas o deleite e a satisfação sexual.

Muito pelo contrário. Para que um relacionamento pessoal entre duas pessoas, de sexos diferentes ou não, possa ser tipificado como concubinato, mister se faz a existência de afeto porque o enquadramento somente se consolidará quando se tratar de relações não esporádicas, ou seja, que ocorrem com frequência, mesmo que ambos os parceiros saibam do impedimento civil e fático que os impede de casar ou de serem reconhecidos como conviventes em união estável.

Não se deve confundir concubinato com união estável putativa. Este último instituto vem recebendo o agasalho da nossa jurisprudência, ainda que de forma parcial. Na união estável putativa um dos envolvidos, por força de algum motivo relevante, desconhece que o outro é casado ou convivente, mantendo coabitação com a esposa ou a companheira.

Muito diferente são os desdobramentos para aqueles que mantêm vida concubinária, onde ambos os envolvidos conhecem os impedimentos matrimoniais de um deles ou de ambos.

Este extenso preâmbulo tornou-se necessário para, em rápidas pinceladas, fazer clara e lógica nossa defesa aos direitos que possam advir do concubinato.

Se não é uma relação esporádica e tendo a nossa Carta Magna e o novel Código Civil prestigiado as relações de afeto (adoção, casamento homoafetivo, família mosaico, parentalidade sócio afetiva etc.) nada mais justo e de direito que seja agasalhado o "concubinato" reconhecidamente como uma relação de afeto, com largo tempo de duração.

Por óbvio, existem as relações concubinárias passageiras e interesseiras. Quando assim restar configurado, deverá o magistrado, em face do Princípio da Identidade Física do Juiz e seu Poder discricionário, rechaçar direitos àqueles que fizeram desse tipo de união trampolim para ascensão social. Se um homem e uma mulher provadamente se dedicam vários anos um ao outro mantendo reconhecida fidelidade e, no mais das vezes, dependência financeira, injusto não reconhecer direitos pessoais e patrimoniais entre eles.

São milhares os casamentos que sobrevivem por longos anos somente de fachada. Ora por causa dos filhos, pela nunca confessada participação patrimonial, pela obrigação de pagar pensão alimentícia, por uma amizade fraternal. Por força de uma infindável gama de razões, cônjuges e conviventes permanecem sob o mesmo teto, realizando-se afetivamente em relações amorosas além dos lindes conjugais.

Chega dos nossos legisladores, doutrinadores e grande parcela da sociedade virar as costas aos cidadãos que mantêm relações contínuas e duradouras, no mais das vezes em espaços físicos distantes do chamado "lar conjugal".

São repetidas histórias de famílias que florescem e amadurecerem com o passar dos anos sob o manto da relação concubinária. Nascem filhos, criam-se vínculos, e é profundamente cruel que os frutos dessas relações não abençoadas pelas Cortes pátrias, sejam menos defendidos do que os filhos da união afetivamente falida.

Explica-se: Geralmente o varão forma sozinho o patrimônio, cabendo à sua esposa ou companheira o direito de meação. Quando falece o constituidor da "fortuna", os filhos da união legal e da união espúria herdam em igualdade de condições. Porém, enquanto a esposa/companheira tem garantido metade do patrimônio, que será herdado por seus filhos, à concubina nada cabe. Nessa hipótese, os filhos do mesmo pai serão contemplados com patrimônios diferentes.

O assunto é controvertido e merece ser melhor discutido. No entanto, de acordo com o caso posto sob o crivo do Poder Judiciário, os paradigmas devem ser revistos.

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*Sócio do escritório AIDAR SBZ Advogados. Pós-graduado e especializado em Direito de Família, conta com mais de 20 anos de experiência na área

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