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Inconstitucionalidade da certidão negativa de débito trabalhista

O autor defende a inconstitucionalidade da certidão negativa de débito trabalhista e aponta como falha a exigência da empresa não poder ser inadimplente quanto aos recolhimentos previdenciários.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Atualizado em 13 de outubro de 2011 15:05

José Alberto Couto Maciel

Inconstitucionalidade da certidão negativa de débito trabalhista

Da Academia Nacional de Direito do Trabalho.

No dia 7 de julho de 2011 foi publicada no Diário Oficial da união a lei 12.440/11 (clique aqui), que criou a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT).

Referida lei, em seu artigo 1º, incluiu o artigo 642 - A na CLT (clique aqui), instituindo a CNDT para comprovar a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho.

Antes de apreciar propriamente a constitucionalidade dos artigos da citada lei, é preciso desde logo que se faça uma distinção entre débitos trabalhistas e débitos fiscais, especialmente considerando-se que a lei inclui no artigo 27 da lei 8.666 (clique aqui), de 21 de junho de 1993, a exigência para a habilitação nas licitações, da criada certidão negativa de débitos trabalhistas, ao lado da já exigida certidão negativa de débitos fiscais.

A exigência de certidão negativa de débitos fiscais para se ingressar em uma licitação pública pode ser entendida como válida, em razão de que a dívida existente é com um órgão público, o qual não deveria contratar uma empresa, por licitação, que a ele fosse devedora.

Já o débito trabalhista decorre de uma relação de emprego, ou de trabalho, cujo valor não pertence ao órgão público que efetua a licitação, sendo uma dívida como outra qualquer, de qualquer ramo do Direito, cabendo a discussão judicial de seu valor na forma da lei e da Constituição (clique aqui), como cabe às demais dívidas de outros ramos, sendo inadmissível que uma empresa seja condenada a não participar de uma licitação pública por discutir um débito judicial, que nada tem a ver com as partes da licitação, e com relação ao qual a lei possibilita essa discussão.

Mas vamos examinar o conteúdo da referida lei, cujo texto abaixo está descrito:

lei 12. 440, de 7 de julho de 2011.

Acrescenta Título VII - A à Consolidação das leis do Trabalho (CLT) aprovada pelo Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943, para instituir a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas e altera a lei 8.666, de 21 de junho de 1993.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º - A Consolidação das leis do Trabalho (CLT) aprovada pelo Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescida do seguinte Título VII - A:

"Título VII - A.

DA PROVA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS TRABALHISTAS.

Art. 642-A É instituída a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT, expedida gratuita e eletronicamente, para comprovar a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho.

Parágrafo 1º O interessado não obterá a certidão quando em seu nome constar:

I - O inadimplemento de obrigações estabelecidas em sentença condenatória transitada em julgado proferida pela Justiça do Trabalho ou em acordos judiciais trabalhistas, inclusive no concernente aos recolhimentos previdenciários, a honorários, a custas, a emolumentos ou a recolhimentos determinados em lei; ou

II - O inadimplemento de obrigações decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público ou Comissão de Conciliação Prévia.

Parágrafo 2º - verificada a existência de débitos garantidos por penhora suficiente ou com exigibilidade suspensa, será expedida Certidão Positiva de Débitos trabalhistas em nome do interessado, com os mesmos efeitos da CNDT;

Parágrafo 3º - A CNDT certificará a empresa em relação a todos os seus estabelecimentos, agências e filiais.

Parágrafo 4º - O prazo de validade da CNDT é de 180 dias, contado da data de sua emissão...

Art. 2º - O inciso IV do art. 27 da lei n. 8666, de 21 de junho de 1993, passa a vigorar com a seguinte redação:

"art. 27....................................................................................

IV - regularidade fiscal e trabalhista;

Art. 3º - O artigo 29 da lei n. 8666, de 21 de junho de 1993, passa a vigorar com a seguinte redação:

"art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em :

................................................................................................

V - prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII - A da Consolidação das leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943"

Art. 4º - Esta lei entra em vigor 180 dias após a data de sua publicação..."

1. Dos recolhimentos previdenciários, custas, emolumentos e outros determinados por lei

Destaca-se, inicialmente, uma falha gritante nas exigências dessa certidão. Exige ela que a empresa não seja inadimplente quanto aos recolhimentos previdenciários, custas e emolumentos ou a recolhimentos determinados em lei.

Ora, recolhimentos previdenciários, custas emolumentos e outros recolhimentos determinados por lei não são débitos trabalhistas, e nem podem constar de uma certidão negativa de débitos trabalhistas, pois são objeto de créditos tributários e que, se não pagos, impedem o devedor de obter, perante a Receita Federal, certidão negativa de débitos tributários.

Dessa forma, a lei está duplamente penalizando um eventual devedor: não obtém ele certidão negativa de débitos tributários, como também, pelas mesmas razões, não pode obter a certidão negativa de débitos trabalhistas, como se a natureza jurídica dos débitos tributários fosse a mesma dos débitos trabalhistas.

Aliás, mesmo que seja pago o empregado na execução, ou em acordo judicial, a previdência ou o órgão governamental poderá recorrer da decisão que quita o débito na Justiça do Trabalho e, nessa hipótese, não teremos mais penhora a garantir qualquer débito fiscal, aqui tomado também como se débito trabalhista fosse, nem terá mais a empresa certidão negativa de débito trabalhista, o que é uma incoerência total. E como a Justiça do Trabalho concederá Certidão Negativa de Débito Trabalhista sem observar o débito fiscal que pode existir na continuidade da execução, ou após acordo, mesmo homologado?

E mais ainda, a própria dívida trabalhista, existente entre uma empresa e o trabalhador, ou trabalhadores, é uma dívida decorrente de uma relação de emprego ou de trabalho, nada tendo a ver com débito tributário, a não ser, certamente, que o devedor, como muito acontece, seja o próprio órgão governamental, o qual, aliás, discute sua dívida em todos os trâmites da execução, e é o que mais recorre, usando o processo executório como um direito do Estado.

A lei, assim, está admitindo como débito fiscal uma dívida ainda não concretizada e que não é fiscal, o que poderia então, pelo princípio constitucional da isonomia, se estender, ao meu ver, a todas as sentenças condenatórias na Justiça, em qualquer dos seus ramos, e não só as prolatadas na Justiça do Trabalho.

2. Do art. 642 - a item I

Com relação à não obtenção da certidão negativa quando constar no nome da empresa o inadimplemento de obrigações estabelecidas em sentença condenatória transitada em julgado proferida pela Justiça do Trabalho, ou em acordos judiciais trabalhistas, parece-me ser uma exigência eivada de inconstitucionalidades.

É certo que o parágrafo 2º do referido artigo, admite a expedição de Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas se o débito for garantido por penhora.

Mas existem inúmeras situações, das mais relevantes, em que o processo já transitou em julgado, cujo valor, ainda não homologado, é totalmente contrário à coisa julgada, ou casos em que a execução é de tal forma ilegal que pode a parte ingressar com exceção de pré-executividade à execução, antes de ter qualquer bem penhorado, sendo até mesmo garantido o não pagamento do débito trabalhista na execução, por artigo vigente na Consolidação em determinados casos.

Todos sabem que existem normas processuais a garantir a execução e seus recursos, todas elas em vigor, e que é flagrante e corriqueiro que juízes, na execução, ao defender o hipossuficiente, transformam muitas vezes os valores em liquidação em algo muito diverso do que diz a decisão transitada em julgado.

Também é sabido que a execução até ser liquidada, passa por fases processuais, cálculos do contador, bem como liquidação por artigos e arbitramento, e que, nessas fases, nenhum valor ainda é estabelecido para que se possa garantir o débito com a penhora.

Mais do que isso, há decisões, transitadas em julgado, cujo título executivo é inexigível, tendo a parte o direito de não ser penhorada nessa hipótese, e está declaradamente expresso no artigo 884 da CLT:

"Art. 884.

Parágrafo 5º: Considera-se inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal."

E não é preciso ir longe. Após centenas, ou talvez, milhares de decisões prolatadas pela Justiça do Trabalho, transitadas em julgado contra as empresas, de valores vultosos, com relação aos Planos econômicos, o Supremo Tribunal Federal passou a entender sobre a inconstitucionalidade daquelas decisões, no que concerne aos referidos planos, tendo alterado a coisa julgada em favor dos empregadores os quais, pela atual lei, não poderiam, durante os anos que se defenderam na execução, obter certidão negativa de débito trabalhista.

A própria Súmula 322, do TST, dispõe sobre direito a ser garantido na execução, quando o magistrado não respeita a data-base para pagamento de planos econômicos, assim dispondo:

"Súmula 322.

Os reajustes salariais decorrentes dos chamados "gatilhos", previstos legalmente como antecipação, são devidos tão somente até a data-base de cada categoria."

Na forma que dispõe o artigo 5º, inciso XXXV, "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" sendo inviável que a lei 12.440/11, proíba à parte de que seu processo corra os trâmites legais existente na busca de seu direito, sejam eles na fase de conhecimento ou execução, sob pena de não poder a empresa ser incluída em processo de licitação pública em decorrência de estar se defendendo, na forma da lei.

Pelas mesmas razões, afirma o item LV do artigo 5º da Constituição, que,

"aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e AMPLA DEFESA, com meios e recursos a ela inerentes."

Vejam que os recursos trabalhistas cabíveis legalmente, e até mesmo o recurso extraordinário, disposto na Constituição e na lei, não podem ser objeto de vedação para que uma empresa busque sua ampla defesa na execução e queira ser parte em uma licitação pública.

Mas se aplica a garantia constitucional da ampla defesa também no processo executório?

A doutrina é pacífica nesse sentido, demonstrando Dinamarco (Execução parágrafos 11 e 12, 164, página 161 e seq.) que

"O dogma atua de modo amplo nos processos de conhecimento e nos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa. Nos processos de execução e cautelar, e também nos procedimentos especiais de jurisdição voluntária, incide o princípio com os abrandamentos e limitações naturais desses tipos de processos e procedimentos."

E para que haja a garantia de ampla defesa na execução, determina-se, inclusive, a presença de Curador quando da revelia:

"Muito embora não se possa falar tecnicamente em revelia no processo de execução, ao devedor citado fictamente que não comparece ao processo deve ser nomeado curador especial para defendê-lo, podendo, inclusive, opor embargos do devedor, que são um misto de ação e defesa (RTJ 120/1276; RT 598/137)."

E afirmou o ministro Eros Grau, em acórdão da 2ª turma do STF, no HC 92.657:

"Ampla defesa. Incidência em todas as fases processuais. A ampla defesa não se pode visualizar de modo restrito, Engloba todas as fases processuais, inclusive recursais de natureza extraordinária..."

É de se ver que o artigo 5º da Constituição, engloba em seus incisos XXXV, LIV e LV, o princípio da proteção judiciária, também chamado princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (Kazuo Watanabe- Controle jurisdicional, p. 7), aí juntando-se uma constelação de garantias: de independência e imparcialidade do juiz, a do juiz natural ou constitucional e a do direito de ação e de defesa, sendo que o artigo 5º, inciso XXXV, conforme afirma José Afonso da Silva (Garantias Constitucionais Individuais, p. 431),

"o artigo 5º XXXV da Constituição, consagra o direito de invocar a atividade jurisdicional, como direito público subjetivo. Não se assegura aí apenas o direito de agir, o direito de ação..."

Outra violação flagrante é ao artigo 37, XXI da Constituição.

Diz o referido artigo 37 XXI:

"Art. 37...

Inciso XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações."

O processo de licitação, portanto, constitucionalmente, somente permite exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

As exceções, na forma do citado inciso, são ressalvas especificadas em leis ordinárias, possibilitando a legislação suplementar definir hipóteses específicas de inexigibilidade e de dispensa de licitação, (José Afonso da Silva, obra citada p. 673), mantidas sempre, quando houver licitação obrigatória, exigências de qualificação técnica e econômica, indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações, exigências estas que nada têm a ver com a certidão negativa de débitos trabalhistas.

É de se recordar que, até os dias atuais, todas ou quase todas as empresas que participaram de licitação pública no país sempre concorreram com execuções trabalhistas tramitando na Justiça do Trabalho e não se pode dizer que tenha havido alguma delas, em todo o Brasil, por essa razão, descumprido com os cumprimentos de suas obrigações contratuais.

Ora, uma empresa que se defende na execução, por meios processuais próprios previstos na legislação, não pode ser proibida de integrar a licitação pública mediante uma certidão negativa de débito trabalhista, pois este débito não a coloca como sem qualificação técnica ou econômica, sendo de se lembrar que, dificilmente, alguma empresa no país deixa de ter um processo trabalhista em execução de sentença.

Nesse ponto é interessante lembrar ao legislador, que, se pretendeu ele, dessa forma, reduzir os processos na Justiça do Trabalho, melhor faria se exigisse também do trabalhador o pagamento de custas e honorários advocatícios para ingressar na Justiça, (evidentemente com a gratuidade quando fosse o caso), pois a justiça gratuita transforma essa Justiça do Trabalho em um mundo de pedidos trabalhistas, muitas vezes em uma só reclamação, para desses inúmeros pedidos obter-se uma revelia, ou quem sabe, duas ou três a mais benesses das que têm direito, uma vez que nada pagarão pela tentativa. E o volume de reclamações maior decorre é dos empregados que utilizam de sua justiça especializada e gratuita para obter qualquer vantagem a mais, enquanto as empresas têm a necessidade de contratar advogados para defendê-las, mesmo de absurdos pedidos na ação.

Visto o item I do citado artigo 642-A, vamos apreciar o item II, que me parece mais eivado ainda de inconstitucionalidade, trazendo em seu bojo todas as acima citadas.

3. Do art. 642 - a, item II - absurdo jurídico

Diz o item II:

"O inadimplemento de obrigações decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público do Trabalho, ou Comissão de Conciliação Prévia."

Parece-me inacreditável que o legislador inclua entre as exceções pelas quais a empresa não obtém a certidão negativa, acordos firmados perante o Ministério Público do Trabalho ou Comissão de Conciliação Prévia.

Bastaria para evidenciar o tremendo equívoco, se equívoco é, afirmar que o TAC, firmado com o Ministério Público do Trabalho, não é processo judicial nem transita em julgado, não podendo o que foi lá acordado ser objeto de penhora, como também não o é os termos da Comissão de Conciliação Prévia.

O TAC, Termos de Ajuste de Conduta, tem base legal no art. 5º, parágrafo 6º da lei 7.347/85, que expressa:

"Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial".

Diz o artigo 3º da lei 7.347/85 que:

"As condições de cumprimento previstas no Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, inclusive a multa, poderão ser revistas, a critério do Procurador oficiante, quando isso for necessário para a garantia de cumprimento das obrigações assumidas",

Vê-se que o TAC é um acordo extra-judicial, que o Ministério Público do Trabalho ajusta com a empresa, mediante determinada cominação, que poderá ser uma multa, para cumprir determinadas obrigações, o qual poderá ser inclusive revisto pelas partes, ou , se descumprido, motivo de ação civil pública para sua execução judicial.

Dessa forma, o não cumprimento de um TAC não faz coisa julgada, não confirma por si só uma determinação judicial, nem seus valores são passíveis de penhora, o que jamais poderia dar ensejo a uma negativa de certidão de débito trabalhista, pois o não cumprimento de um TAC não revela, de forma alguma, débito na área do direito do trabalho.

Por outro lado, as Comissões de Conciliação Prévia foram integradas na CLT nos artigos 625-A ao 625 H, mediante lei 9.958/00 (clique aqui), como uma tentativa de reduzir os processos judiciais, através da conciliação entre empregado e empregador antes do ajuizamento de qualquer demanda individual trabalhista.

Trata-se da experiência com a heterocomposição no Direito do Trabalho, em forma de conciliação, que vem desde a lei 1.637 (clique aqui), de 5/11/1907, que previu a criação dos Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem, embora a Constituição de 1824 (clique aqui) já previsse, em seu artigo 161, a necessidade de negociação como uma condição para o ajuizamento de ações.

Mas somente a lei 9.958/00 é que inseriu na nossa legislação a previsão dessas Comissões de Conciliação Prévia, como forma de heterocomposição dos conflitos trabalhistas, de natureza extrajudicial.

As referidas Comissões são facultativas em sua criação, sendo que, pelo princípio da inafastabilidade do Acesso à Justiça, tem entendido a jurisprudência de nossos Tribunais no sentido de que é facultativa também a submissão das partes às referidas Comissões de Conciliação.

Então se pergunta: existe coisa julgada em uma conciliação realizada nas Comissões de Conciliação? Existe a obrigatoriedade das empresas de integrarem como parte nas decisões das Comissões? A decisão de uma Comissão de Conciliação e Julgamento tem força judicial? Pode a Justiça ou os próprios membros da Comissão de Conciliação penhorarem bens da empresa, em caso de acordo não cumprido?

Como, então, negar uma certidão negativa de débito trabalhista baseando-se a Justiça em uma decisão que não é dela, é administrativa e não pode ser passível de penhora, quando então a empresa poderia obter certidão positiva com os mesmos efeitos da negativa?

Como pode uma lei afirmar no artigo 642 A que é instituída a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, expedida PARA COMPROVAR A INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS INADIMPLIDOS PERANTE A JUSTIÇA DO TRABALHO, e no parágrafo 1º, item II, do mesmo artigo, dizer que o inadimplemento de obrigações decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público do trabalho, ou Comissão de Conciliação Prévia também impossibilitam a Certidão Negativa, SE ESSES DÉBITOS NÃO SÃO INADIMPLIDOS PERANTE A JUSTIÇA DO TRABALHO? Viola-se também o artigo 5º, II da Constituição, pois a lei determina o impossível, o que ela mesmo afirma não poder conceder, pois se a certidão negativa é de débitos trabalhistas existentes na Justiça do Trabalho, (caput), como vai encontrar débitos trabalhistas judiciais em acordos e TACs não integrantes da Justiça?

"Data vênia", brinca-se com o empresariado de um país, sem a menor noção do prejuízo que uma lei ilegal e inconstitucional como esta possa vir a trazer.

E não é só prejuízo em decorrência das falhas constitucionais e legais, como também para os próprios empregados, pois se a lei foi feita para acelerar a execução beneficiando os trabalhadores, é claro que esqueceu o legislador que, deixando de fora de licitações inúmeras empresas, podem elas simplesmente quebrar, aumentando, assim a taxa de desemprego, especialmente com relação às micros e pequenas empresas.

Creio que o legislador, quis acelerar as execuções, tendo em vista o volume de reclamações existentes, e, em conseqüência, o número de processos em execução cujo trâmite é certamente prolongado, com prejuízo iminente para os próprios trabalhadores e mesmo para as empresas, pois são elas oneradas com juros, correção monetária e multas pelo não pagamento.

Mas, evidentemente, o caminho não é o da inconstitucionalidade, ou de evitar recursos existentes na lei de forma brutal, como se tudo pudesse ser resolvido no sentido de proibir os recursos, o que, aliás, na prática já vem sendo feito pelos Tribunais, em geral, na ânsia de uma melhor estatística, na fase de conhecimento, quando os recursos, em sua maioria, não são admitidos, ou não conhecidos, ou despachados desfavoravelmente, ou passíveis de multas e cominações outra, como depósitos elevados e custas para que não sejam elaborados.

Mas vejam, o número de reclamações demonstra o volume de empregos, o crescimento do trabalho em nosso país, a evolução para um primeiro mundo que precisa de novas regras, não regras para lesar uma das partes, mas normas bem elaboradas, por quem conhece o direito, e que possam realmente servir para que, sem lesão de nenhuma das partes, possa haver uma redução substancial na tramitação de um processo.

Mas falar é fácil e, ao criticar de forma tão veemente a lei ora em vigor, não gostaria de ficar somente como crítico, mas oferecer uma solução viável e constitucional.

4. Uma solução viável e constitucional

Creio que a solução para acelerar a Justiça trabalhista não é difícil e o que sugiro é, inicialmente, a aplicação do rito sumário para todos os processos, quando empregado e empregador, em audiência única, deveriam se apresentar com documentos e testemunhas, dando o valor concreto do pedido, sendo que, na sentença, o Juiz fixaria o valor real da condenação.

Este é o aspecto mais relevante. Sentenças, acórdãos, todas as decisões com valores fixados, pois o grande problema da Justiça do Trabalho está mesmo na execução.

No recurso ordinário, qualquer alteração da sentença de primeiro grau teria de ter o novo valor reavaliado no acórdão e assim também no Tribunal Superior do Trabalho, o que atualmente, seria possível mediante planilhas e especializações de programas.

É certo que talvez seja necessária a ampliação de serviços especializados em cálculos em todas as instâncias, mas o importante é que o processo baixe para a execução com valores definitivamente fixados.

Citado o devedor da decisão final, já calculada, teria ele de pagar o devido, extinguindo-se o processo quando do pagamento na execução, ou garantida a penhora de imediato, independentemente de outro qualquer recurso naquela fase, recursos esses que, atualmente, podem levar o processo, de forma repetitiva, até o STF, seguindo-se uma nova devolução de teses já apreciadas, e anos de espera para uma decisão final.

Dessa forma, e com a devida prestação jurisdicional, com todos os recursos cabíveis, teria o empregado o direito de receber o valor devido, em prazo reduzido, satisfazendo-se o direito do trabalhador, quase sempre de natureza alimentar.

Com a celeridade já existente na fase de conhecimento, tendo em vista a aplicação de multas para recursos protelatórios, julgamentos por despachos, sustentações orais após o voto do relator e aplicação de enunciados e orientações jurisprudenciais, reduzido ficará o término do processo se extintos forem ilegalmente os recursos na execução.

5. Da regulamentação

Com a finalidade de regulamentar a referida lei 12.440/11, o TST baixou, em 24 de agosto de 2011 a Resolução Administrativa 1.470, certamente com o elevado objetivo de dar ordem a uma lei que, como demonstrado, foi aprovada de forma flagrantemente inconstitucional.

A meu ver, a citada Resolução traz em si alguns aspectos que me parecem prejudiciais, pois torna-se mesmo difícil regulamentar o que não é regular.

Em seu artigo 1º a Resolução institui o Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (BNDT), citando que será ele composto de dados necessários à identificação das pessoas inadimplentes junto à Justiça do Trabalho, citando também as pessoas de Direito Público.

Ora, as pessoas de Direito Público pagam perante precatório e nunca são penhoradas, razão pela qual, se a lei for seguida na forma com que foi elaborada, os devedores públicos, até o final do precatório, nunca conseguirão a CNDT.

No artigo 3º da Resolução não há nenhum dispositivo que regulamente a certidão quanto aos TACS e acordos nas Comissões de Conciliação Prévia, nem mesmo é possível, porque não são decisões judiciais, o que também não está presente no artigo 4º.

E, finalmente, no artigo 10, e de forma inconstitucional e ilegal, porque não consta da lei, a Resolução afirma que a CNDT pode ser exigida para fins de transação imobiliária.

6. Finalmente

Gostaria de ressalvar que no Direito do Trabalho sempre houve a proteção ao empregado, decorrente da própria filosofia desse direito que se originou no equilíbrio do poder econômico, com a defesa do hipossuficiente mediante normas substantivas e processuais.

Mas essa defesa decorre da lei e não da magistratura, sendo que, na atualidade há de se distinguir os processos na Justiça do Trabalho decorrentes de altos empregados, dos que atuam como trabalhadores sem qualquer relação de emprego e dos empregados a quem a Justiça deve maior assistência. É necessário que se faça a nítida distinção entre instrumentos de celeridade do processo, decorrentes da lei, e instrumentos coercitivos, decorrentes de uma jurisprudência favorável a uma das partes em litígio.

É que não trata mais o Direito do Trabalho de um conflito entre empregado e empregador, mas, de acordo com o artigo 114 da Constituição, em sua nova redação, discute-se nessa Justiça especializada as ações oriundas da relação de trabalho, sendo outro o foco desse novo direito, que exige uma nova vivência.

E nós advogados, Ministério Público e magistratura, estamos engatinhando nas trilhas de um direito do trabalho renovador, muito mais amplo, sem deixar, porém, de defender os mais fracos, mediante a lei, repito, e não através da jurisprudência a ser formada nesse sentido.

Assim caminhando, nesse emaranhado de inovações que surgem com a globalização e a eletrônica, transformando o mundo, inclusive o social, em uma velocidade cuja progressão é geométrica, certamente que vamos alcançar a Justiça moderna, rápida, mas de acordo com o direito, pois, ao contrário do que dizem muitos juízes, especialmente nos Tribunais Superiores, não conseguimos ver o direito separado do que é justo.

Concluimos, dessa forma, que a lei 12.440/11, assim como a Resolução que a regulamenta, são normas efetivamente inconstitucionais, passivas de assim serem declaradas pelo STF, em Ação Direta de Inconstitucionalidade.

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*Advogado do escritório Advocacia Maciel

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