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Poder Judiciário equatoriano: a caminho da moralidade

Júlio Bernardo do Carmo

Como parte de um programa de reestruturação do sistema judiciário, em escala nacional, o Conselho de Justiça Transitória do Equador introduziu no país um rigoroso processo de avaliação dos integrantes do Poder Judiciário. Tanto funcionários públicos como juízes foram submetidos a avaliações escritas e psicológicas.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Atualizado em 8 de março de 2012 11:42

Júlio Bernardo do Carmo

Poder Judiciário equatoriano: a caminho da moralidade

Os integrantes do Poder Judiciário Equatoriano, funcionários públicos e juízes, estão em situação de extremo desespero.

Até alguns dias atrás, as nomeações para exercer cargos no Poder Judiciário obedeciam ao critério odioso, ultrapassado e antidemocrático do apadrinhamento político.

Os militantes do partido político que chegava ao poder máximo da nação eram agraciados com cargos públicos, eis que mostrava-se desnecessária a realização de concurso público de provas e títulos para que o indivíduo pudesse ocupar um cargo no funcionalismo federal ou mesmo o de juiz.

A situação era extremamente vergonhosa porque, abocanhando de forma gratuita o cargo, seja de funcionário público ou de juiz, os agraciados sentiam-se inatingíveis e pouco se importavam com a coisa pública ou com o rigoroso cumprimento de suas funções porque, tendo respaldo político para continuar no posto, o protecionismo de que desfrutavam não os colocava em situação de lealdade, probidade, dedicação e amor ao serviço público.

O resultado caótico desse processo de escolha dos integrantes do Poder Judiciário indignava a nação, porque afastava dos cargos públicos os verdadeiros vocacionados, a par de impor maltrato a um sistema essencialmente democrático de escolha dos exercentes de funções públicas, formando-se uma elite sossegada e descomprometida com os elevados valores éticos e morais que devem ser exigidos dos integrantes de qualquer Poder da nação, principalmente o Poder Judiciário, porque tem a seu encargo a elevadíssima responsabilidade de solucionar com equidistância e imparcialidade os conflitos de interesses dos cidadãos.

Pois bem.

A farra do boi acabou.

Como parte de um programa de reestruturação do sistema judiciário, em escala nacional, o Conselho de Judicatura Transitório (CJT) introduziu no país um rigoroso processo de avaliação dos integrantes do Poder Judiciário, tanto funcionários públicos como juízes, sendo que todos foram submetidos a exames escritos de avaliação de seus conhecimentos jurídicos e ainda a um exame psicológico.

A fórmula de avaliação de funcionários públicos e juízes levou em conta diversos itens, sendo que a cada um deles se atribuiu uma nota, ou seja: produtividade (de 1 a 30 pontos), expediente (de 1 a 10 pontos), conhecimento (de 1 a 40 pontos), exames psicométricos (de 1 a 10 pontos), estilo de aprendizagem e capacitação (de 1 a 10 pontos), no total de 100 (cem) pontos e ainda um exame psicológico.

Para poder continuar no exercício do cargo, o funcionário ou juiz tinha que obter, no mínimo, 70 (setenta) pontos entre os 100 pontos distribuídos, como acima relacionados.

Os funcionários ou juízes que não lograssem a pontuação mínima, mas desde que tivessem obtido pontuações próximas do mínimo (p. ex., 68,8 de 70) tinham um prazo decadencial de 2 (dois) dias para solicitar requalificação ou revisão de sua avaliação pessoal.

Cada funcionário ou juiz recebia, através de e-mail, a pontuação que lhe foi atribuída na avaliação, tomando assim conhecimento se poderiam continuar no exercício do cargo público ou se seriam automaticamente excluídos do Poder Judiciário.

O exame psicológico mostrou-se o item mais severo da seleção, porque não admitia revisão ou recurso de qualquer natureza, ainda que o funcionário ou juiz lograsse pontuação superior a 70 (setenta).

O resultado da avaliação foi deveras assustador.

Uma coordenadora de um dos juizados encarregados de divulgar a pontuação dos candidatos admitiu que muitos funcionários e juízes não lograram obter a pontuação mínima de (70 pontos) ou foram definitivamente barrados no exame psicológico, de caráter inapelável.

O ambiente nas câmaras e salas judiciais era de choro geral, pois muitos servidores e juízes serão definitivamente excluídos da carreira judiciária.

A avaliação feita pelo Conselho de Judicatura Transitória (CJT) foi, de fato, rigorosa, porque somente os funcionários e juízes altamente qualificados é que mereceram aprovação.

Nem mesmo quem contava com 32 (trinta e dois) anos de função judicial e que até recentemente presidira a Corte de Justiça de Guayaquil se salvou do risco de ser excluído do cargo.

O juiz Zóilo López, que hoje integra a primeira câmara trabalhista e o juizado da infância, declarou à imprensa que obteve 60 pontos e alguns décimos, não tendo assim logrado aprovação na avaliação do Conselho de Justiça Transitória, mas que tinha a intenção de pedir reconsideração, no prazo de 2 (dois) dias, ao Conselho de Justiça, pois alimentava a esperança de chegar à pontuação mínima necessária.

As associações judiciais de Guayaquil e de Pichincha, através de seus representantes, Lenin Pilalot e Jorge Ayala, respectivamente, compartilhavam da idéia de que era preciso formar uma frente comum de análise mais apropriada do processo de avaliação, de resultado tão devastador.

Pilalot subscreveu uma carta dirigida ao Conselho de Justiça Transitória para pedir que no processo de reconsideração de notas, sobretudo no aspecto de produtividade, que se qualifica com 30 (trinta) pontos, se leve

em consideração a carga laboral, o trabalho efetivo e a demanda do serviço de justiça, segundo cada região ou província.

Ao que parece, a proposta da associação de classe tende a ulular no vazio, porque o que Corte de Justiça Transitória deseja é que os quadros do Poder Judiciário equatoriano sejam compostos de funcionários e juízes altamente qualificados e não apenas empenhados em trabalhar, pois o que realmente interessa é a competência dos integrantes da carreira judiciária e a obtenção de resultados de um trabalho que se mostre em plena sintonia com as necessidades dos jurisdicionados, principalmente se se leva em conta o trinômio: tempo , eficiência e resultado.

A indagação que se fazia nos corredores dos Fóruns e Salas de Justiça era uníssona: quem vai substituir os funcionários e juízes excluídos? Como será a forma de contratação do novo pessoal?

A esta pergunta, Fernando Yóvar, vogal do Conselho de Justiça Transitória não descartou que certas funções possam ser preenchidas sob a modalidade de contratação administrativa, sendo certo, todavia, que a substituição de juízes e fiscais, que não logrem aprovação na avaliação, será feita necessariamente por concurso de mérito e oposição.

Para suprir a necessidade de continuidade dos serviços judiciais, a Corte de Justiça Transitória trabalha com a idéia de um mutirão e já está calculando o número de processos pendentes de apreciação.

É este o quadro sombrio do Poder Judiciário equatoriano que procura, a qualquer custo, retomar o caminho da moralidade mediante a exclusão das carreiras judiciárias dos apadrinhados políticos desqualificados para o exercício das altas funções em que foram investidos e sua substituição por servidores e agentes políticos que denotem extrema competência em um processo democrático de realização de concursos públicos de provas e títulos.

A medida do Conselho de Justiça Transitória do Equador é sumamente elogiável porque reconstrói a possibilidade de que, em um processo genuinamente democrático, pessoas altamente qualificadas sejam alçadas aos cargos judiciários, através de uma avaliação pública, séria e transparente, liquidando-se de vez com o abominável reinado da incompetência, imoralidade administrativa e do apadrinhamento político.

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* Júlio Bernardo do Carmo é desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª. Região, Presidente da 4ª. Turma e da 2ª. SDI.






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