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O novo critério para a aplicação do princípio da insignificância nos crimes tributários

Felipe Machado Caldeira e Therezinha Souza Costa de Castro

Em março, o Ministério da Fazenda editou portaria que prevê o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda cujo valor seja igual ou inferior a R$ 20 mil.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Atualizado em 5 de dezembro de 2012 15:06

Partindo-se do estudo do Direito Penal democrático e racional, observou-se que o direito penal estava sobrecarregado pela criminalização de questões que poderiam e deveriam ser tuteladas por outras áreas do direito, contrariando princípios como da fragmentariedade, da subsidiariedade e, ao final, da intervenção mínima. A partir de tais colocações, a concepção desenvolvida é a de que não se pode esperar do direito penal senão o exercício razoável do controle da criminalidade1. Somando-se este cenário, em meados do século XX a Europa sofria profundas dificuldades econômico-financeiras com o pós-Segunda Guerra Mundial, o que incrementou a prática dos crimes bagatelares (Bagatelledelikte), constituindo-se o âmbito ideal para o resgate ao princípio da insignificância2.

O direito penal, como a ultima ratio, deve se preocupar com as condutas que possuam, efetivamente, potencial lesivo ou perigo de lesão a um bem jurídico-penal. Em relação aos crimes tributários, trata-se do o erário público: caso a conduta do agente não seja capaz de atingir, de forma significativa, os cofres públicos, não deve ser considerada como criminosa. Em que pese formalmente se tratar de uma conduta típica, lhe faltará materialmente o resultado jurídico relevante que, no caso, o interesse fiscal da Administração Pública. Neste sentido, formulou-se o entendimento de que só devem ser considerados como potencialmente lesivos os danos que a Administração Pública considerar como suficientes para justificar o ajuizamento da execução fiscal, pois se o real prejudicado pela supressão ou redução no pagamento dos tributos considera que até determinado valor não está sendo efetivamente lesionado, não será o direito penal competente para assim afirmar.

De modo geral, o princípio da insignificância é aplicado aos casos em que a conduta do agente atinge somente de modo ínfimo o bem jurídico tutelado pela norma penal, em síntese, a conduta não possui potencial lesivo. Levando em consideração que os tipos penais tutelam diferentes bens jurídicos, não é permitida a transferência dos conceitos de lesividade atribuídos a um determinado tipo legal para o outro. Por isso, o valor considerado sem importância para o ajuizamento da execução fiscal, e logo, sem sentido para impor uma sanção penal, não é o mesmo utilizado, por exemplo, no crime de furto. Isto porque, o valor capaz de ofender os cofres públicos não pode ser comparado com o valor capaz de ofender o patrimônio de uma pessoa física.

Ao longo dos últimos quinze anos, houve uma grande evolução jurisprudencial quanto à aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários, especialmente no que tange ao valor monetário a ser considerado como sem capacidade lesiva. Por questões de preservação da segurança jurídica e da legalidade, procurou-se adotar sempre um critério legal.

Na síntese necessária, de 1997 a 2001, de acordo com o disposto no art. 1º da lei 9.469 de 10 de julho de 1997, era permitido o requerimento de extinção das ações em curso ou de desistência dos respectivos recursos judiciais para a cobrança de créditos de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais). Este foi o critério adotado até a edição da lei 10.522 de 19 de julho de 2002 que, por meio do disposto em seu art. 20, previa que deveriam ser arquivados os autos de execuções fiscais de débitos de valor igual ou inferior a R$ 2.000,00 (dois mil reais), critério adotado entre os anos de 2002 e 2003. Com o advento da lei 11.033/2004, a redação do art. 20 da lei 10.522 de 2002, foi alterada a fim de serem arquivados os autos de execuções fiscais de débitos de valor igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Este é o critério utilizado atualmente pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal3 e pelo Superior Tribunal de Justiça4.

Uma importante mudança está para acontecer. No último dia 22 de março foi editada a Portaria nº 75, do Ministério da Fazenda, que prevê logo em seu art. 1º, inciso II, "o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais)". Levando-se em consideração toda a evolução da disciplina legislativa e jurisprudencial sobre o tema, não seria estranha a edição de uma medida provisória adotando esta orientação em matéria tributária para, posteriormente, ser convertida em lei com a alteração do art. 20 da lei 10.522/2002 em vigência até a presente data.

Com isso, o paradigma positivo adotado pelo Supremo Tribunal Federal, bem como pelo Superior Tribunal de Justiça deverá ser alterado, o que exigirá o seu reposicionamento sobre a matéria com a aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários quando o valor do débito seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

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1 HASSEMER, Winfried e MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción a la Criminologia y al Derecho Penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1989, p. 38-40.

2 VITOR, Enrique Ulises García. La Insignificancia en el Derecho Penal. Buenos Aires: Hammurabi, 2000, p. 20.

3 HC 100942, 1.ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 08/09/2011.

4 AgRg no REsp 1275192, 6ª Turma, Min. Vasco Della Giustina, DJe 30/04/2012.

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* Felipe Machado Caldeira é mestre em Direito Penal pela UERJ. Especialista em Direito Penal Econômico pelas universidades de Coimbra, Milão e Castilla La-Mancha. Professor de Direito Penal, Direito Penal Econômico e Direito Processual Penal da EMERJ, FGV, IBMEC e UCAM. Sócio do escritório Luchione Advogados

** Therezinha Souza Costa de Castro é pós-graduanda em Direito Penal pela UERJ. Advogada do escritório Luchione Advogados

Luchione Advogados

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