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"STJD": O direito do torcedor contra a aplicação literal da lei

Sergio Américo Bellangero

O País do futebol amanheceu no sábado, dia 24 de outubro de 2005, sob a grave, infeliz e verídica denúncia da existência de corrupção, manipulação de resultados e apostas com cartas marcadas em vitórias de determinadas equipes em jogos da primeira divisão do atual campeonato brasileiro.

quinta-feira, 6 de outubro de 2005

Atualizado em 5 de outubro de 2005 07:27


"STJD": O direito do torcedor contra a aplicação literal da lei


Sergio Américo Bellangero1*


O País do futebol amanheceu no sábado, dia 24 de outubro de 2005, sob a grave, infeliz e verídica denúncia da existência de corrupção, manipulação de resultados e apostas com cartas marcadas em vitórias de determinadas equipes em jogos da primeira divisão do atual campeonato brasileiro. A fraude ocorria através de apostas efetuadas em "sites internacionais" e se dava quando da escalação do árbitro de futebol, Edílson Pereira de Carvalho, que ao ser escalado para apitar uma determinada partida, comunicava a um grupo de empresários qual seria o jogo que apitaria. A partir daí, obedecia à ordem que lhe era passada para favorecimento deste ou daquele clube no jogo. Desde o momento das denúncias e depois das respectivas confissões, o posicionamento inicial da entidade jurídica máxima do futebol brasileiro, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva - STJD, representada pela pessoa do seu Presidente, o Dr. Luiz Sveiter, foi no sentido de deixar clara a indignação deste sobre o tema, revelando, a toda a comunidade que, a malfadada prática vinha de "fora para dentro do futebol"; tornando cristalino que medidas drásticas seriam tomadas para o afastamento do árbitro em questão. Já, nestas primeiras declarações, parecia-nos faltar comentar-se algo: O prejuízo do Torcedor!!


Presos provisoriamente os envolvidos, no decorrer daquela semana, a imprensa discutia o assunto, entrevistando os Presidentes da CBF, da FPF e, principalmente, o Presidente do STJD, Dr. Luiz Sveiter. O discurso do mencionado Magistrado era no sentido de que, não obstante o ocorrido, o campeonato brasileiro não pararia, não haveria a conhecida e vergonhosa "virada de mesa" e o "bem" do futebol seria preservado a todo custo sendo que o STJD analisaria a forma de reparar os prejuízos causados ao "futebol", deixando claro que, se fosse necessário, anular-se-iam as 11 (onze) partidas apitadas pelo Sr. Edílson Pereira de Carvalho, tomando-se, como base, o artigo 275 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva2om a sua "autonomia", o referido Magistrado do STJD deixou claro que não admitiria que quaisquer clubes se aproveitassem dessa situação para tentarem se livrar do eventual rebaixamento, buscando a Justiça Comum contra a CBF, mencionando, ainda, que quem se sentisse prejudicado com toda esta pilantragem, fosse buscar seus direitos contra o árbitro, Sr. Edílson Pereira de Carvalho e "o grupo de apostadores"; mais uma vez, imaginando que somente os clubes teriam tido prejuízos nesta história toda, não se importando com os principais lesados: Os Torcedores!!


Pois bem, iniciou-se a 29ª. rodada do campeonato brasileiro no sábado, dia 1o. de outubro de 2005 que seria complementada no domingo à tarde. Neste dia, pela manhã, ou seja, antes da complementação da rodada, o Dr. Sveiter veio à imprensa e comunicou oficialmente a sua decisão de que o STJD havia realmente, anulado as 11 (onze) partidas apitadas pelo árbitro Edílson Pereira de Carvalho, cabendo à CBF remarcá-las em datas a serem definidas. Não se pretende aqui, avaliar a maneira e a competência, "aparentemente absoluta" do mencionado Tribunal para tomar a mencionada medida. No entanto, a nosso ver, com todo o respeito que o Douto Magistrado nos merece, não agiu de forma escorreita o E. Tribunal em questão!!


Dois são os aspectos jurídicos da situação que se apresenta:


Em primeiro lugar, há que se relevar que os árbitros de futebol são escolhidos em razão das aptidões que apresentam, devendo cumprir uma série de requisitos para integrarem os quadros de arbitragem das Confederações Estaduais de Futebol, seguindo carreira, vindo a se tornar árbitros da CBF e após, e se reunirem qualidades para tanto, do órgão máximo mundial do futebol; a FIFA; "status" este, por incrível que pareça; ostentado pelo árbitro envolvido na vergonhosa fraude! É de se mencionar que, a Comissão de Arbitragem da CBF, até o dia 30 de setembro, era comandada pelo ex-árbitro, Sr. Armando Marques; destituído de tal cargo naquele dia em razão do comentado escândalo. Ora, se o responsável pela Comissão de Arbitragem foi afastado por tal fato, claro é que, a própria entidade, CBF, está a assumir sua "culpa" no presente caso.


Portanto, compete sim à CBF e à sua comissão de arbitragem responsabilizar-se pelos atos dos profissionais aos quais ela confia a arbitragem do futebol nacional. Assim, ao contrário do que transpareceu pela manifestação do Dr. Luiz Sveiter, TODAS as entidades, que aprovaram e guindaram o corrupto árbitro à posição de juiz de futebol sem terem tomado as devidas precauções de averiguar a idoneidade e caráter do mesmo, devem ser responsabilizadas civilmente pelos danos causados a todos os prejudicados.


No direito é o que se chama de ocorrência de ato ilícito por "culpa in eligendo". Este ato ilícito3 ocorre quando determinada pessoa, física ou jurídica, "elege" como operador de certa tarefa, alguém que não reúne os atributos necessários para tanto. No presente caso, a CBF nomeou, manteve em seus quadros e guindou à posição de árbitro brasileiro da FIFA, o Sr. Edílson Pereira de Carvalho, pessoa que hoje, sabe-se, não poderia exercer o cargo que ocupava. Aliás, como agravante de tal culpa das confederações que organizam o nosso futebol; é sabido que o mesmo árbitro, para ter acesso e aprovação à Comissão de Arbitragem da Federação Paulista de Futebol, "falsificou" um diploma de segundo grau, fato divulgado exaustivamente pela imprensa e estranhamente "esquecido" pelas mencionadas entidades.


Poder-se-ia perguntar: quais seriam os danos aqui tão mencionados aos Torcedores?


Ora, aqueles que acompanham o esporte mais popular do Mundo sabem da esperança e da comoção pública que este esporte traz ao povo deste país. Devem ser considerados, no caso; desde os menores detalhes até os prejuízos mais vultosos, tanto materiais como morais. Quantos são os torcedores brasileiros, que antes mesmo de começar o campeonato, já têm em mãos o regulamento, a tabela e as datas certas dos jogos de suas equipes. Quantos são aqueles que na hora do almoço no dia-a-dia do seu trabalho, perdem parte do horário de sua refeição para ler, nas bancas de jornal espalhadas pelo país, ao menos, as manchetes dos seus times. Não é menor o número de torcedores que saem do interior de seus Estados para assistir aos jogos dos seus times realizados na capital, tendo despesas com alimentação, combustível, pedágio, e, muitas vezes, chegando às praças desportivas, não conseguindo ingressos, ou tendo que comprá-los das mãos de cambistas, sujeitando-se a más acomodações, enfrentando chuva e sol, filas intermináveis, tudo por falta de organização das entidades competentes.Estamos falando do torcedor comum; aquele que passa a paixão de pai para filho, aquele que guarda algumas economias para poder acompanhar o seu time de coração no Estádio. Não podemos esquecer, no entanto, do torcedor que dá altíssimos índices de audiência às emissoras de rádio e televisão.Os contratos, principalmente com as emissoras televisivas alcançam cifras astronômicas, mas os mesmos só existem porque espectadores em todo o país se interessam pelo assunto. Há, ainda, aqueles que pagam para ver os jogos nas suas casas, mesmo os que são disputados na sua cidade: o chamado sistema "pay per view".


Ou seja, por onde quer que se olhe, fica claro que o maior prejudicado com a fraude e, ainda mais, com o desfecho e "solução" dada pelo STJD no último domingo, dia 02 de outubro de 2005, está sendo o Torcedor.


O mencionado dano, diga-se, já existiria, pura e simplesmente com a falcatrua realizada por um árbitro de confiança da CBF.No entanto, a mencionada decisão do STJD só fez aumentar o prejuízo de uma nação, pois antes da realização da segunda parte da 29ª. rodada do atual campeonato brasileiro se iniciar, o então líder do campeonato, que, em princípio, nenhum envolvimento teve no caso, deixou de sê-lo!! Outro clube, que também, a princípio, nada fez para que fosse beneficiado com tal esquema, o está sendo; passando da segunda para a primeira posição sem sequer jogar!! E na zona de rebaixamento?? Times que se encontram naquela zona cinzenta começaram a segunda parte da rodada, rebaixados, sendo que lá não se encontravam até a fatídica decisão. Isso tudo sem mencionar que os jogos que serão repetidos, não vão contar com os mesmos atletas das equipes à época da realização dos mesmos, os clubes não tinham naquela oportunidade as mesmas necessidades de pontos que hoje sabem ter, ou seja, ainda que não fosse de DIREITO, a decisão ora abordada, seria no mínimo injusta e impopular!! Em que pese não ser afeta a esta matéria, na opinião deste autor, o correto e de Direito, seria; ou anular-se todo o campeonato ou NÃO se anular nenhuma partida, indenizando-se, os prejudicados de maneira exemplar!!


Contudo, a questão aqui não é a de indagar se a "solução" dada pelo STJD em anular todos os 11 (onze) jogos apitados pelo árbitro malfeitor é justa ou não. No direito comparado e no histórico similar de corrupção existente no resto do Mundo, jamais se teve notícias de anulação de partidas "viciadas".Naqueles casos, decidiu-se pela manutenção dos resultados; "mesmo os que foram forjados", com o rebaixamento, ou não, até, das equipes prejudicadas, que apesar de sofrerem os efeitos dos resultados negativos em campo, foram devidamente indenizadas, estendo-se estas indenizações aos torcedores prejudicados. No Brasil, o fato não poderia, data vênia, ser tratado de forma diferente, sob pena de se levantarem novas dúvidas e suspeitas desta própria decisão do STJD e macular-se o título do campeão deste ano no futuro.O direito de indenização moral, aliás, talvez o maior dano sofrido pelos torcedores e por toda a coletividade, concedido em outros países, é previsto na nossa Constituição Federal em seu artigo 5o, inciso X4, e deve ser aplicado no caso, também em nosso território.


Assim, em segundo lugar, na esfera do Direito, deve ficar claro que está consagrado em nossa doutrina e jurisprudência que se o indivíduo pode ser vítima de dano moral, a coletividade, por óbvio, também poderá sê-lo!!Como mencionado, estamos diante de uma decisão monocrática emanada pelo Presidente do E. STJD e de uma injusta lesão na esfera material e moral a UMA COLETIVIDADE; ou seja, os clubes de futebol que não podem se socorrer da Justiça Comum e os Torcedores de todos estes clubes brasileiros. Para o direito, portanto, não haveria que se cogitar nem na mencionada "culpa in eligendo", existente, sim, no caso, mas bastaria já, o simples fato de ter havido uma violação juridicamente injustificada dos direitos de uma coletividade, no caso: a "falcatrua" que foi agravada, agora, por uma decisão do STJD; devendo, por isso, serem responsabilizados os agentes de tais atos. É o que se chama de "damnum in re ipsa".


No caso, portanto, não há se falar em JUSTIÇA no sentido amplo da palavra e sim em DIREITO. Isso porque, apesar de haver um dispositivo legal previsto no CBJD, o já mencionado artigo 275, sua interpretação literal e aplicação, "in casu", é descabida e imprópria. Existem interesses maiores, interesses difusos e COLETIVOS, que se sobrepõem aos interesses individuais deste ou daquele clube que, eventualmente, tenham sido prejudicados pelo corrupto juiz.Anular as 11 (onze) partidas disputadas apitadas pelo mesmo, será punir, ainda mais todos os clubes participantes, até aqueles momentaneamente beneficiados na tabela, pois o futebol estará, a partir deste momento, por óbvio, sob grave suspeita!! O precedente ora criado, e, jamais visto no Mundo, poderá trazer prejuízos irreparáveis a toda uma coletividade e talvez, decisão como esta, jamais tenha sido tomada em qualquer lugar do Mundo, por ser amplamente impopular, além de não sanar o problema já causado, muito pelo contrário.


Enfim, seja como for, independentemente do que foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva, que, esperamos, seja revertido a qualquer tempo, é muito importante que fique claro ao torcedor que Ele tem direitos a serem perseguidos, que Ele pode ser indenizado por todos os danos materiais e morais pelos quais está passando com a frustração que a mencionada fraude que seguida da R. Decisão do Tribunal está a lhe trazer, que até poderia aqui, ser chamada de ; "o erro do erro" e, através da qual, pune-se, mais uma vez, os maiores inocentes no caso.


Os direitos individuais ou coletivos que os Torcedores em geral têm perante a Justiça Comum, devem ser exercidos não contra o Sr. Edílson Pereira de Carvalho e "sua" quadrilha como assim gostaria que fosse o Dr. Luiz Sveiter, mas contra toda e qualquer entidade e confederação de futebol que avalizaram o trabalho do inescrupuloso árbitro, ao confiarem, ao apito "vendido" deste cidadão, as partidas dos seus times de coração.

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O Dr. Sergio Américo Bellangero é sócio da Bellangero, Silva, Ewel e Jorge Advogados Associados, Professor Assistente da Cadeira de Processo Civil da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e especialista em Direito Empresarial e Direito Processual Civil pela mesma Universidade.

2Art. 275. Proceder de forma atentatória à dignidade do desporto, com o fim de alterar resultado de competição. PENA: eliminação. Parágrafo único. Se do procedimento resultar a alteração pretendida, o Órgão Judicante anulará a partida, prova ou equivalente.
3"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

4"Art.5º ....................................................................................

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

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*Advogado do escritório Bellangero, Silva, Ewel e Jorge Advogados Associados







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