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Governança Corporativa

A conjugação de transparência, prestação de constas e equidade, deram origem ao que hoje conhecemos como Governança Corporativa.

sexta-feira, 30 de maio de 2003

Atualizado em 1 de maio de 2003 17:28

Governança Corporativa

Eduardo Carlezzo*

 

O novo ambiente empresarial que vivenciamos, permeado nacionalmente pelas modificações na legislação societária e internacionalmente pela onda de escândalos contábeis, cumulada com doses de instabilidades financeiras e uma guerra, projeta novamente uma série de discussões quanto a gestão das sociedades e o relacionamento entre seus órgãos. Isto porque a concentração de poder, e seu uso abusivo, assim como práticas "secretas" de caráter duvidoso, tem levado um grande número de empresas a terem seu valor de mercado, bem como sua imagem, irremediavelmente arranhadas.

Por tais razões, cada vez mais a classe empresarial brasileira começa a tomar consciência quanto a necessidade de adoção de determinadas práticas que contribuam para melhorar a imagem da empresa junto a sociedade e aos investidores. Tais práticas tem como premissa básica três fatores: transparência, prestação de constas e equidade. A conjugação dos mesmos deu origem ao que hoje conhecemos como Governança Corporativa, que nada mais são do que procedimentos que visam dinamizar a atuação da empresa, profissionalizando o relacionamento entre a diretoria, conselho de administração, conselho fiscal, auditoria independente e cotistas/acionistas.

O conceito de Governança Corporativa teve, sem dúvida, um grande salto após os casos da Enron e World Com, onde verificou-se que as citadas empresas, por intermédio de seus principais administradores, juntamente com a auditoria independente, utilizavam expedientes contábeis obscuros, falseando as informações ao mercado, bem como apresentando resultados econômicos mascarados. Tais fatos originaram uma forte reação por parte da Securites and Exchange Comission (CVM norte-americana), que tem tomado uma série medidas visando punir e prevenir tais práticas, sendo que várias delas tem como premissa regras de Governança Corporativa, como já o fez a própria Lei Sarbanes-Oxley, editada com tal finalidade.

Em termos de Brasil, têm-se percebido que inúmeras empresas, principalmente aquelas de capital aberto, com valores mobiliários negociados no mercado de capitais, tem dado uma atenção especial as práticas de Governança Corporativa, como denota-se das demonstrações financeiras recentemente publicadas. Dentre os mais variados aspectos, as empresas tem estendido, em maior ou menor grau, aos detentores de ações preferenciais o direito ao tag along (art. 254-A da Lei nº 6.404/76); tem primado por um efetivo disclosure, informando ao mercado quaisquer fatos relevantes que influam na cotação de suas ações; os conselhos de administração, timidamente, vem sendo compostos por conselheiros independentes; as sociedades de auditoria externa tem fixado seu trabalho nesta órbita, deixando de prestar serviços de consultoria (algumas empresas já prevêem expressamente em seus estatutos a proibição de uma sociedade de auditoria prestar consultoria), dentre outras situações.

Um dos grandes artífices desta nova concepção, que aos poucos vem arraigando-se à cultura empresarial nacional, é o Novo Mercado criado pela Bovespa, ao qual podem aderir empresas que tenham seus valores mobiliários lá negociados. Este segmento está composto por três camadas, que são o Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado. Para a adesão as mesmas é necessário que as empresas adotem práticas de Governança Corporativa de diferentes intensidades, conforme o nível escolhido. Assim é que no Nível 1 (o mais "light") as empresas obrigam-se basicamente a melhorar sua capacidade de comunicação com o mercado, trazendo ao conhecimento público algumas informações que normalmente ficam restritas ao comando da empresa. No Nível 2, além das obrigações previstas no nível anterior, deve a empresa ter um conselho de administração com no mínimo 5 membros e mandato unificado de 1 ano; apresentar balanço anual e informações trimestrais no idioma inglês ou no padrão US GAAP ou IAS GAAP; conceder direito a voto às ações preferenciais em determinados assuntos específicos, etc. Ao aderir ao Novo Mercado aumentam as exigências quanto as práticas de Governança Corporativa, das quais podemos destacar a adoção da arbitragem (também obrigatória no Nível 2) para a resolução de determinados conflitos societários.

Neste contexto, até mesmo um índice foi criado na Bovespa para a aferição dos preços das ações das empresas: o Índice de Governança Corporativa. Aliás, têm-se percebido paulatinamente que as empresas participantes deste índice começam a apresentar números positivos, o que, por conseguinte, melhora a visualização dos investidores, principalmente institucionais, quanto a aquisição destas ações, aumentado sua liquidez.

Desta forma, temos que a adoção de práticas de governança corporativa vai, aos poucos, tornando-se um imperativo mercadológico. Embora a enorme maioria das empresas nacionais tenha seu cerne na esfera familiar, também a estas são aplicáveis os citados preceitos, já que agregam um valor intangível as mesmas, além de facilitarem as relações entre seus órgãos. Certamente com o passar dos anos, o mercado, em uma concepção darwiniana, tratará selecionar e diferenciar as empresas que adoram práticas de Governança Corporativa.

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*Consultor Jurídico da Maurênio Stortti Consultores Associados. Assessor Jurídico do Sport Club Internacional. Membro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, do IBDD - Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, da International Association of Sports Law e do Instituto Brasileiro de Direito Societário.

 

 

 

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