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Inaplicabilidade do artigo 739-A do CPC às ações de execução fiscal

"não existe previsão na lei específica das execuções fiscais quanto aos efeitos gerados pela oposição dos embargos, o que requer a aplicação subsidiária do art. 739-A".

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Atualizado em 18 de junho de 2013 14:31

Ao oporem embargos às ações de execução fiscal, os contribuintes têm-se deparado com decisões que os recebem sem efeito suspensivo.

As decisões fundamentam o recebimento dos embargos no § 1º do art. 16 da lei 6.830/80 (lei de Execuções Fiscais), porque os débitos estão garantidos, mas, ao mesmo tempo, sustentam que para a atribuição de efeito suspensivo é necessário o cumprimento dos requisitos dispostos pelo § 1º do art. 739-A do Código de Processo Civil.

Consoante tais decisões, não existe previsão na lei específica das execuções fiscais quanto aos efeitos gerados pela oposição dos embargos, o que requer a aplicação subsidiária do art. 739-A e de seu parágrafo 1º da lei geral.

Há nessas decisões um equívoco, porque o art. 739-A do CPC é aplicável apenas aos embargos à execução cível, que não são precedidos de garantia do débito e o § 1º do art. 16 da lei 6.830/80 exige a garantia do débito para admissão dos embargos. Ademais, nos artigos 18, 19, 21, 24, I, e 32, § 2º da lei 6.830/80 há proibição expressa de prosseguimento do curso da ação de execução fiscal antes de proferida sentença rejeitando os embargos, justamente por ser exigida a garantia do débito.

A lei 6.830/80 estabelece que a execução para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por ela e, subsidiariamente, pelo CPC (art. 1º).

Afirmar que a execução fiscal é regida subsidiariamente pelo CPC corresponde a dizer que as normas gerais desse diploma legal somente serão aplicadas aos fatos não previstos pela lei 6.830/80, que veicula normas especiais, ou, o que é equivalente, as normas do CPC aplicam-se às execuções fiscais sempre que a situação regulada não seja objeto de disposição específica estatuída pela lei 6.830/80.

Um exame do texto integral da lei 6.830/80 demonstra que ela realmente não contém apenas um único dispositivo prescrevendo que os embargos devem ser recebidos com efeito suspensivo, contém vários dispositivos: todos estatuindo que o curso da ação de execução fiscal não pode prosseguir enquanto não rejeitados os embargos opostos.

A proibição de prosseguimento do curso da ação de execução fiscal antes de proferida sentença rejeitando os embargos encontra-se expressa nos arts. 18, 19, 21, 24, I, e 32, §2º.

O art. 18 da lei 6.830/80 preceitua que, caso não sejam oferecidos os embargos, a Fazenda Pública manifestar-se-á sobre a garantia da execução. Em consonância com esse dispositivo, se o executado garantir o débito, mas não se opuser à execução por meio de embargos, a Fazenda será intimada para falar sobre a garantia. Todavia, se o executado garante o débito e opõe embargos, não é dada à Fazenda oportunidade de expressar-se sobre a garantia antes de proferida sentença rejeitando os embargos e isso ocorre porque a execução fica suspensa até a decisão que põe termo aos embargos. Se a execução não ficasse suspensa, a Fazenda poderia expressar-se sobre a garantia mesmo tendo sido opostos embargos.

Do preceito citado, depreende-se que a oposição dos embargos impede a manifestação da Fazenda sobre a garantia. Esse impedimento desaparece, sem dúvida, com a rejeição dos embargos. Se o impedimento só desaparece com a rejeição dos embargos é porque enquanto ele tramita o curso da execução fica suspenso.

Com o mesmo propósito, mas com maior clareza, o art. 19 da lei 6.830/80 estabelece que não sendo embargada a execução ou sendo rejeitados os embargos, no caso de garantia prestada por terceiro, será este intimado, sob pena de contra ele prosseguir a execução nos próprios autos, para, no prazo de 15 (quinze) dias: (I) remir o bem, se a garantia for real; ou (II) pagar o valor da dívida, juros e multa de mora e demais encargos, indicados na certidão de dívida ativa, pelos quais se obrigou, se a garantia for fidejussória.

Por que o terceiro não pode remir o bem ou pagar a dívida antes de rejeitados os embargos? Porque a oposição de embargos depois de garantido o débito paralisa o curso da execução. A rejeição dos embargos fará prosseguir a execução contra o terceiro se ele não remir o bem ou pagar a dívida. É evidente que a execução só prosseguirá contra o terceiro porque estava suspensa, pois se não estivesse suspensa poderia prosseguir, já teria prosseguido. E qual o fato gerador da suspensão da execução? A oposição dos embargos. E qual o fato gerador do prosseguimento da execução, agora em face do terceiro, se não remir o bem ou não pagar a dívida? A rejeição dos embargos.

É cristalino o comando do art. 19: os embargos opostos paralisam o curso da execução. Esse curso só é retomado, e contra o terceiro que garantiu o débito, se os embargos forem rejeitados. Uma simples leitura desse dispositivo, não deixa dúvida de que os embargos à execução fiscal têm efeito suspensivo, a menos que se retire da língua portuguesa, ou nela não se reconheça, a lógica que orienta a formação das palavras e sua articulação em frases, orações, períodos inteligíveis transportadores de mensagens objetivas.

A mensagem do art. 21 da lei 6.830/80 também é transparente quanto à necessidade de aguardar-se a decisão de primeiro grau para que a garantia seja destinada à Fazenda Pública ou ao executado. Esse dispositivo estatui que na hipótese de alienação antecipada dos bens penhorados, o produto será depositado em garantia da execução, nos termos previstos no art. 9º, I.

O que se deduz da prescrição do art. 21 é: (a) antecipado é aquilo que acontece antes do momento devido ou que lhe é próprio. Logo, se a lei considera antecipada a alienação é porque ocorre antes do momento em que deveria ocorrer; e (b) esse caráter antecipatório fica evidenciado quando a lei determina que o produto da alienação dos bens penhorados deve ficar depositado em garantia dos débitos executados até a decisão sobre o pedido formulado nos embargos, ou seja, paralisado o processo de execução enquanto aguarda o desfecho dos embargos que a ela se opõem, de modo que, antes de proferida sentença nos autos dos embargos, o dinheiro não será destinado à Fazenda Pública. Ele será depositado nos autos da execução e seu destino dependerá da decisão de primeiro grau: se os embargos forem rejeitados, o dinheiro irá para os cofres da Fazenda Pública; se os embargos forem acolhidos, após o trânsito em julgado, conforme determina o §2º do art. 32 da lei 6.830/80, o dinheiro será levantado pelo executado.

Se a execução pudesse prosseguir, antes de prolatada a decisão nos embargos, o produto da alienação antecipada dos bens penhorados não ficaria nos autos, como depósito, à ordem do juízo; seria transferido para os cofres da Fazenda Pública. Por que o produto da alienação antecipada dos bens penhorados não pode ser transferido para os cofres da Fazenda Pública? Porque, de acordo com a lei, isso só pode ocorrer após a rejeição dos embargos por sentença, o que equivale a asseverar que a lei impõe a suspensão da execução, de modo que não prossegue enquanto pendente de julgamento os embargos. Ou seja, opostos embargos precedidos de garantia, o curso da ação de execução é suspenso, pois o produto da alienação antecipada de bens penhorados não pertence à Fazenda Pública, fica depositado e sob resguardo do juízo até que decida a sorte dos embargos.

Destaque-se que a alienação antecipada, referenciada no art. 21 da lei 6.830/80, só pode ocorrer nas hipóteses previstas no art. 670 do CPC, como assinalado, logo, permitir que a execução prossiga com a alienação fora das hipóteses previstas equivale a negar vigência ao dispositivo da lei especial (art. 21) e da lei geral (art. 670).

O art. 21 da lei 6.830/80 dispõe somente sobre a destinação dos valores obtidos em razão da alienação antecipada dos bens, mas não discrimina as hipóteses em que pode ocorrer a referida alienação, o que demanda a aplicação subsidiária do CPC.

O CPC estatui, em seu art. 670, que o juiz autorizará a alienação antecipada dos bens penhorados quando: I - sujeitos a deterioração ou depreciação; II - houver manifesta vantagem. O parágrafo único desse artigo preceitua: quando uma das partes requerer a alienação antecipada dos bens penhorados, o juiz ouvirá sempre a outra antes de decidir.

O art. 21 da lei especial, combinado com o art. 670 da lei geral, demonstra que a alienação antecipada constitui exceção à regra de que os bens somente podem ser levados à hasta para alienação depois de decisão pondo termos aos embargos.

O art. 21 da lei 6.803/80 não deixar margem para dúvida, ao empregar os termos hipótese e alienação antecipada, de que a regra é a alienação depois da decisão que põe termo aos embargos. Por outras palavras, a alienação antes de proferida decisão nos autos dos embargos constitui exceção. Tanto assim o é, que o mesmo dispositivo determina que o produto da alienação seja depositado à ordem do juízo, em estabelecimento oficial de crédito que assegure sua atualização monetária, o que importa dizer que a exequente não terá direito ao valor da alienação antes do trânsito em julgado de decisão final que lhe seja favorável, o que sintoniza com a prescrição do §2º do art. 32 da lei 6.830/80, segundo a qual o valor depositado só é devolvido ao executado ou entregue à exequente apenas após o trânsito em julgado da decisão.

Do mesmo modo que os dispositivos já citados, o art. 24, I, da lei 6.830/80 impõe duas condições para o prosseguimento da execução: (a) a primeira é que a execução não tenha sido embargada, o que, a contrario sensu implica que, tendo sido embargada, fica sobrestada; e (b) a segunda é que, tendo sido oferecidos embargos, sejam eles rejeitados. Somente ante à ocorrência ou implemente de uma dessas condições a lei admite o prosseguimento da execução fiscal, que passa, então, à fase de excussão dos bens, podendo a Fazenda Pública adjudicar os bens penhorados. Eis os seus termos: A Fazenda Pública poderá adjudicar os bens penhorados antes do leilão, pelo preço da avaliação, se a execução não for embargada ou se rejeitados os embargos. (Os grifos não constam do original).

O que significa essa prescrição, senão que, antes de proferida sentença rejeitando os embargos, à Fazenda é proibido adjudicar os bens? Ora, por que a Fazenda não pode adjudicar os bens para a satisfação do crédito que reclama antes da decisão que rejeita os embargos? A resposta é simples, direta, lógica e hialina: porque o curso da execução está suspenso. E a suspensão do curso da execução decorre da oposição dos embargos, que, por sua vez, só são admitidos quando precedidos de garantia do débito executado.

Igual mensagem de proibição do curso da execução fiscal antes de decisão rejeitando os embargos transmite o §2º do art. 32 da lei 6.830/80, ao determinar que após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública, mediante ordem do juízo competente. Ora, o verbo será, no futuro simples, traduz um comando, pois é próprio da língua portuguesa que se use o tempo futuro simples como vicário para exprimir um comando. Trata-se de uma ordem dirigida ao juiz. Não pode ele entregar o depósito a nenhuma das partes antes do julgamento definitivo (= trânsito em julgado) dos embargos. Tal circunstância, isto é, esse comando legal ficaria sem sentido se a execução pudesse prosseguir, pois, em tal hipótese, seria dado ao juiz, antes da decisão definitiva sobre os embargos, poder desobedecer à lei e entregar à Fazenda Pública ou ao depositante o valor do depósito.

Força convir que a concretização do preceito inscrito no §2º do art. 32 somente pode dar-se se a execução tiver sido suspensa com a oposição dos embargos. Qualquer outra conclusão consistirá em ilogismo, um absurdo racional. Insista-se, a mensagem normativa em apreço torna imprescindível não só a sentença nos embargos, acolhendo-os ou rejeitando-os, mas o trânsito em julgado dessa decisão para que a execução possa retomar sua marcha a fim de a garantia ser destinada a quem de direito. Por outros termos, a sentença favorável à Fazenda é condição necessária para que a execução prossiga e lhe seja entregue o depósito, mas não é condição suficiente, porque o fato entrega do depósito só se concretiza com o trânsito em julgado, e isso só é possível porque o fato da oposição dos embargos tem o condão de suspender o curso da execução.

Muito bem, a conclusão inexorável é de que há previsão na lei 6.830/80 acerca do efeito da oposição dos embargos, como comprovam os artigos citados e analisados, pois, em todos os casos, o prosseguimento da execução depende do julgamento dos embargos, e, por isso, não deve ser aplicado o art. 739-A do CPC. Ao aplicar o art. 739-A, topologicamente localizado nas Disposições Gerais do Livro das Execuções do codex, as decisões judiciais rompem com a segura regra de hermenêutica segundo a qual a lei geral não revoga a lei especial, fazendo exatamente o oposto, ou seja, admitindo que a lei geral inserta nas disposições gerais das execuções reguladas pelo CPC revogue as regras especiais contidas na lei 6.830/80.

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* Maria Ednalva de Lima é advogada do escritório Maria Ednalva de Lima Advogados Associados e coordenadora do curso Processo Tributário à luz das decisões dos Tribunais, do CEU-IICS Escola de Direito.

Maria Ednalva de Lima Advogados Associados

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