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Meditações primaveris

Diante de tantas notícias controvertidas sobre a Itália, quem vai pesquisar os acontecimentos ocorrentes não pode deixar de atentar sobre ocorrências relevantes, sem dar-lhes a atenção merecida.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Atualizado em 11 de julho de 2013 13:59

Diante de tantas notícias controvertidas sobre a Itália, quem vai pesquisar os acontecimentos ocorrentes ou buscar dados para escrever sobre algo de interesse dos descendentes peninsulares ou mesmo informar-se não pode deixar de atentar sobre ocorrências relevantes, sem dar-lhes a atenção merecida. E algumas delas são deveras sugestivas, como abordo.

1ª) Punição de um médico, funcionário de uma prisão, por omissão de socorro, quando recusa visita domiciliar ao detento.

O médico era funcionário público e trabalhava numa casa de recuperação. Pois bem, apesar de ter sido reclamada sua presença no domicílio de um detento, em possível caso especial, a mulher do detento, com numerosas chamadas, requisitou-o. Ele não lhe deu importância, alegando desnecessária sua assistência e, medicando-o à distância, foi diagnosticada pneumonia aguda: equivocou-se.

O caso chegou à Corte de Cassação (equivalente ao STF), com a decisão 23817/13, concluindo, a meu ver, com extrema propriedade, porque:

1) o médico era funcionário público;

2) estava no seu turno de trabalho, quando solicitada a sua presença, reiteradamente, sendo que, estando no turno, "deve atender todas as intervenções solicitadas pelo paciente, ou, se existir um centro de comunicação para o paciente, que ele o faça, para ser examinado";

3) assim se constatado que o caso não é grave, o profissional de saúde se livra. No caso, "sua avaliação telefônica" foi subavaliada, porque grave a moléstia, constatada quando levado ao hospital, além do que é interdita a consulta médica por via telefônica.

Consequência que bem o nosso Ministério Público poderia imitar: a omissão de ofício foi punida administrativamente e somou-se-lhe a imputação criminal e condenação por lesão culposa.

2ª) A Cassação decidiu que medida cautelar, abusivamente utilizada, pode ser revogada.

Por que?

Ao contrário do que sucede no judiciário pátrio, analisando o aresto da 3ª seção penal do Tribunal de Cassação (processo 23641/13, de 21/5/13), há nítida pertinência, em matéria penal, particularmente em dar limites e confins estreitos ao "juízo cautelar".

Com apurada fundamentação, em breve relevo ao elegante tema, - aliás extremamente técnico e tortuoso, - construiu-se a ratio decidendi, com a fundamentação de que o "juízo cautelar", não se forma "implicitamente". Os magistrados, utilizando uma retórica, a meu entender, vacilante, pois, para eles, quando se trata de contestar um sequestro (cautelar), não há necessidade de percorrer um trâmite ordenatório processual, porque, pelos dados do aresto, ouso escrever que inexiste um percurso obrigatório, mas o interessado poderá, livremente, pedir a revogação do ato judicial concessivo, de pronto com força de sentença ou seu reexame (a meu entender: pedido de revogação indireto). Atentado o texto, aliás, complicado, do caso o imputado (interessado), a seu exclusivo critério, poderá escolher o pedido de revogação, porque não há "medida cautelar implícita", formada e originada da ausência de reexame requerida. Na verdade, poderíamos equiparar a um pedido de reconsideração.

Em suma, entendo que, no caso, apesar do intenso debate, nos últimos anos, sobre essa situação: a) há previsão legal para impetrar, em sede criminal, a medida cautelar para revogar um sequestro de bens; b) o que for requerido ou pleitado deverá atender aos requisitos para a concessão do sequestro, enquanto cautelar, seguindo o rito.

3ª) O sistema financeiro e a atividade bancária diante da crise italiana.

Com muito cuidado, atenção e reserva mental fui direto pesquisar o tema, sobretudo porque a solidez do setor italiano está sustentada pelos severos testes de stress conduzidos pelo FMI, tendo em atenção que, se o FMI aquiesceu aos resultados, não colocou de lado a patrimonilização e liquidez da União Europeia, bem como os requisitos que o Basileia 3 impõe ao setor, há indícios confiáveis de segurança.

Ocorrem, todavia, fatos se sucedem e o sistema bancário, não reativando a economia já estagnada, pela baixíssima rentabilidade e altos custos, fará desvanecer os esforços imensos que exigem exagerados sacrifícios dos trabalhadores e levam ao desespero milhões de jovens desempregados e desiludidos. Isso é a realidade.

Tomemos em conta dados e informações para entendermos o que se passa no setor.

1) A crise de 2012 piorou a qualidade dos ativos do sistema bancário, agregados aos sofrimentos dos empresários e da população de renda cada vez mais baixa e, sobretudo, dos desocupados.

A capacidade do sistema bancário de gerar renda e adequá-la ao patrimônio próprio mostrou uma nítida diferença entre 2011 e 2012. A primeira conclusão dos bancos, por força dos lucros muito baixos, como sempre, "vão reduzir o pessoal" e, quem acredita, "pretendem reduzir os bônus e os dividendos dos administradores".

2) A metade do mercado está concentrada em cindo bancos (Unicredit, INTESA, MPs, Banca Popolare e UBI). Note-se que, enquanto "foram desaparecendo" 34 bancos, o percentual de sucursais de bancos estrangeiros aumentou de 4,8 a 7,7, quase a mesma dos pequenos bancos (de 4,9 a 7,7 também). O número de fusões, incorporações ou cessões acionárias foi expressivo, porque elas envolveram 41 instituições.

4ª) O desemprego crescente e preocupante.

O Instituto Italiano do Trabalho (ISTAT) publicou, em maio deste ano, que, no mês anterior, o número de jovens desocupados superou em 40% ou 5,9% a mais do que o mesmo mês do ano anterior.

O mesmo órgão acentua que está se alargando, para menos, a base anual do número de empregos (-1,8%). Homens e mulheres igualmente se encontram equiparados nessa desgraça.

Outro fato relevante: as regiões mais pobres Centro e Sul (onde estou escrevendo) tem elevados índices de desocupados e, como não poderia deixar de acontecer, os adicionais 107 mil (mais homens do que mulheres, 84 mil contra 43 mil) deste último ano até abril de 2013, vem piorando com ingresso de significativo número de estrangeiros (imigrantes sobretudo do Leste da Europa e africanos). Chegou a 107 mil, sobre a base anual em comparação ao ano anterior. A desocupação começa a produzir o incremento de crimes, com violência, delitos contra pessoas, patrimônio, e, mais do que nunca, envolvimento com narcóticos.

Pior ainda, se não estivéssemos com números elevados: a incidência da desocupação de 12 meses ou mais (conhecida como longa duração) subiu do 1º trimestre de 2012 na faixa pungente de 48,9% para, em abril deste ano, atingir a cota de 55,2%.

Com o Legislativo "brincando" de reforma política e com o crescente protesto - já quase organizado - dos jovens e dos adultos, estes que perderam todo o patrimônio, o risco de haver movimentos sociais com tendências agressivas é latente. Basta chegar o outono deste ano, época histórica, que, no recente passado, produziu demonstrações populares preocupantes para a democracia.

5ª) E os advogados quanto ganham?

Segundo quadro comparativo do Departamento de Finanças, publicado em maio de 2013 na imprensa, por setor de atividade, a primeira categoria é dos médicos (número 110.076), quase alcançados pelos advogados (108.076) e depois os contadores e os "consultores de trabalho" (tipo de profissão não existente formalmente no Brasil). Esses números indicam a quantidade de sociedades profissionais.

O relatório elaborado, com dedicado acuro, apontou os principais setores (ditos e supracitados); depois fez estudos por macro-áreas (tendo em conta também como nos dois anteriores) de ganhos em milhares de Euros que são de extrema validade científica, contando o número de sociedades de pessoas, por região em todo o país, levantando as declarações de renda de 2012, ano base 2011, e o montante com a média em milhões de Euros, desde a Lombardia, o Piemonte e a Emilia Romagna fortemente industrializados e partiram de 175.906, para, onde estou (Calábria), o número de empresas de profissionais é ridículo: 18.634. Molise, então, chega a ser desumano: apenas 5.599 sociedades que geraram receita total 81.056 euros ou a média de 28.41 (os números em Euros são milhões). É um deserto de população.

Pior ainda. Se nada fizer o governo, estará permitindo maior deslocamento de empresas do Sul para o Norte. Além do desespero, da perda de esperança, do aumento da criminalidade individual, da forte organização das entidades conhecidas como delinquentes, o pouco crescimento que as regiões meridionais conseguiram em 50 anos está se derretendo.

E Saviano, jovem escritor, consagrado, com primor, afiança em seu último livro "Zero, Zero, Zero" (Editora Narratora Feltrinelli) que a droga já é dona da economia e da política do Sul.

Concluindo, o número de escritórios de advocacia na Itália é importante para uma economia desagregada e decadente e os grandes bancos auferem receita liquida relevantíssima.

Há muitas razões para as discrepâncias, que, neste espaço não cabem ser invocadas, porém, a corrupção e as organizações criminosas comandam o Legislativo e o Executivo e parte do Judiciário e não dão oportunidade ao reerguimento do país.

6ª ) A inovação salvará a Itália?

1) Na Itália, 40% da despesa em pesquisa é efetuada pelo setor público, mas o apoio à P&D à inovação são insignificantes: 0,03% do PIB, contra 0,05 da Inglaterra; de 0,08 da média dos países da U.E; 00,9 da Espanha e 0,12 da Alemanha. Como resultado final desse "esforço" é a incidência da despesa em sobre o PIB, inferior aos demais países europeus.

2) O nó górdio da questão que em nada difere dos acontecimentos brasileiros é que a Administração Pública funciona, quase extorquindo, as PME. Os débitos comerciais delas se agravam dia a dia, mês a mês e ano a ano, havendo um problema sério no giro dos benefícios, pois a mora no ambiente dos PME é de 90 dias, o que resulta um desequilíbrio muito saliente nos "cash flow" delas.

E lá, como aqui, o governo tenta "com bondades" diminuir a carga tributária das empresas. E lá, como aqui, tudo esbarra na máquina burocrática deficiente, caótica e corrupta.

Mais ainda, porque a própria Administração Pública não paga, em dia, seus fornecedores e esses, quando vendem ao Estado, ou superfaturam (com boas gorjetas) ou entregam produtos em quantidades inferiores ou de qualidade em desacordo com a avença licitatória.

A Itália sofre e padece, porque nada tem prosseguimento sem a intervenção do precário e indecente Legislativo e da pluralidade escandalosa de partidos.

Dessa forma, a inovação cambaleia, porque a economia contemporânea somente apresenta resultados positivos, quando se inova, para vencer a concorrência duramente competitiva. Faltam investimentos a médio e longo prazos na Itália, de escolha estratégica nos negócios, orientada ao crescimento necessário para a sobrevivência, ou seja, também como no Brasil, a Itália deve tentar o superamento de problemas estruturais.

Essa lentidão abúlica e inerte, na Itália, resultou que grupos de fachada, com sede em paraísos fiscais, tem comprado tudo o que é original, nos últimos 20 anos, quando começou a derrocada pelo país.

A desocupação dos jovens é preocupante, pois só se faz um verdadeiro welfare com a adequada proteção do trabalhador e menos do seu emprego.

Os dois países em baila, Itália e Brasil, precisam, urgentemente, mudar sua condição de pobreza pelo fardo da competitividade predatória e da iniciação criativa, saindo do mundo dos caminhos labirínticos e dos carimbos para o mundo virtual, que já se abriu. Mas, é preciso sobretudo que se acabem, em definitivo, com as diferenças salariais, com os altos custos do Legislativo e do Judiciário, com a desproporcionalidade das aposentadorias, com a corrupção afrontosa e se promova a justa e adequada distribuição de renda. Há um lema de um novo movimento italiano, ao qual aderi, ao qual prestei minha participação em evento público. "Eu, artífice do meu futuro". É preciso sair do setorial e ingressar no âmago da crise. Quem sabe se os privilégios não serão enfrentados com o fim ou a mitigação dos indecentes "direitos adquiridos"?

Movimentem-se os jovens nacionais, porque a comoção social já está agendada: deixem passar a copa do mundo e verão o que é ser inerte e desleixado.

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* Jayme Vita Roso é advogado e fundador do site Auditoria Jurídica.

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