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Nova execução: Aonde vamos ?

Em uma época em que os operadores do direito reclamam da suposta supremacia do processo em relação ao Direito material, fato que é apontado como um dos grandes entraves à efetiva entrega da tutela jurisdicional, chega a ser acintoso o projeto de Lei que a Câmara dos Deputados acaba de aprovar (Projeto de Lei n. 3253-B, de 2004), modificando o CPC, no que diz respeito à execução das sentenças condenatórias.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

Atualizado às 08:41


Nova execução: Aonde vamos?


Clito Fornaciari Júnior*

Em uma época em que os operadores do direito reclamam da suposta supremacia do processo em relação ao Direito material, fato que é apontado como um dos grandes entraves à efetiva entrega da tutela jurisdicional, chega a ser acintoso o projeto de Lei que a Câmara dos Deputados acaba de aprovar (Projeto de Lei n. 3253-B, de 2004), modificando o CPC, no que diz respeito à execução das sentenças condenatórias. Serão afetados pela mudança vinte e quatro artigos, sendo que dezesseis apenas trocam de lugar, sem nenhuma alteração de ordem prática.

Curioso observar-se que se incorpora, de uma vez por todas, a nossa técnica legislativa, a mecânica de se fazer seguir ao número dos artigos letras. Nessa linha, além de o art. 466 passar a ter as versões "A", "B" e "C", o art. 475 ganha de todos os outros, pois, sem nada ter o 475-simples, passará a conter variantes até a letra "R", com o que se criam dois novos capítulos ao Título VIII, do Livro I, denominados "da liquidação da sentença" e "do cumprimento da sentença".


O desconforto que a alteração trará e a inegável confusão processual em que importará, até que o processo volte a ser de todos conhecido, servirão com apetitoso manjar para os devedores, que poderão fartar-se com questiúnculas processuais, bem ao gosto daqueles a quem não assiste qualquer razão. O processo precisa de estabilidade, devendo funcionar como uma praxe conhecida de todos. Cada vez que nele se mexe, novas questões ganham relevância, ocupam os tribunais, vendem livros, impedem o reconhecimento de direitos por força do desrespeito à forma instituída e o longo tempo que se perde, até que se recobre a estabilidade, somente faz tumultuar o andamento do processo, exigindo mais atenção que o direito material.


O problema da execução não é processual. Existe uma cultura no Brasil de tolerância com o erro, de benevolência com o devedor: como se é condescendente com a exceção de pré-executividade; como é fácil fraudar uma execução; é elementar fazer desaparecer uma pessoa jurídica; como são revoltantes os privilégios que se conferem a alguns créditos; como se protege o devedor com impenhorabilidades, mais do que o querido pelo legislador que criou uma segunda categoria de bem de família, protegendo-o. Para se afastar a frustração da execução, bastaria se predispor a se entender suas regras com a mesma preocupação de efetividade que se tem com o processo de conhecimento.

Apesar de as questões que realmente são obstáculos à satisfação do crédito já terem legislação que lhes enseja outra linha de interpretação, elas foram deixadas à margem deste projeto que se apresenta como fórmula acadêmica que mais nos afasta da cientificidade que marcou o processo civil brasileiro quando do advento do CPC de 1973.


A mudança, em gestação adiantada, faz, em síntese, com que a autônoma execução passe a ser mera fase do processo de conhecimento, denominada "de cumprimento da sentença". Nessa linha, correto seria conferir-se contra a sentença, que não mais extinguirá o processo (art. 162, § 1o), agravo de instrumento, mas a tanto não chegou o projeto, criando, estranhamente, apelação, em princípio no duplo efeito, durante o processo, que, posteriormente, ainda seguirá para a liquidação e o cumprimento da decisão condenatória.


A liquidação poderá ser realizada durante a pendência de recurso, fazendo-se em autos apartados, seguindo o mesmo ritual de agora, até com as confusas regras da elaboração de cálculos. De novidade, apenas o fato de, contra a decisão nela proferida, caber agravo de instrumento.


O condenado a pagar quantia certa, se não cumprir o julgado - e não será intimado pessoalmente para tanto -, sofrerá multa de 10% sobre o montante da condenação, somente após tendo início a etapa de execução, expedindo-se "mandado de penhora e avaliação", intimando-se, depois destas, o devedor, em regra, na pessoa de seu advogado. A avaliação passa a ser atribuição do oficial de justiça, salvo se "depender de conhecimentos especializados", quando, então, será nomeado perito.


Em seguida, há lugar, no prazo de quinze dias, para os embargos do devedor, agora sob o título de impugnação, na qual poderá ser alegada a mesma matéria que atualmente pode ser deduzida, não se mencionando a cumulação indevida de execuções e a incompetência do juízo, suspeição ou impedimento do juiz. Ademais, em se apontando para o excesso de execução, há de se declinar o valor que se entende correto, sob pena de rejeição liminar da impugnação.


Ao contrário da regra atual, a impugnação não tem efeito suspensivo, que poderá ser conferido excepcionalmente, hipótese em que, ainda assim, é possível o prosseguimento da execução, com a prestação de caução. A instrução e a decisão da impugnação dão-se nos próprios autos, salvo se for recebida com efeito suspensivo. Contra a decisão da impugnação o recurso é o de agravo de instrumento.


Não existem motivos para se brindar as quase-certas novas normas, porque se persiste, teimosamente, em não se avaliar as já infinitas modificações legais e a não se ter qualquer estatística sobre o funcionamento do Judiciário. Trabalha-se, pois, desconhecendo os males e ministrando remédios que estão matando o doente.

Nosso processo hoje não tem respaldo científico: é casuístico, pensando em eficácia a qualquer custo, ainda que a partir de decisões que são, em expressivos números, reformadas e anuladas, nos graus superiores. Tal circunstância convidaria a se preservar valores maiores afinados à plenitude de defesa, para os quais, infelizmente, não se vem dando a imprescindível atenção.

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*Advogado do escritório Clito Fornaciari Júnior Advocacia









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