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As entidades familiares

Ainda não nos demos conta de todas as graves conseqüências resultantes do artigo 226 da Constituição de 1988, ao dispor sobre a instituição da família, considerada base da sociedade.

terça-feira, 27 de maio de 2003

Atualizado às 06:38

As entidades familiares

 

 

Prof. Miguel Reale

 

 

Ainda não nos demos conta de todas as graves conseqüências resultantes do artigo 226 da Constituição de 1988, ao dispor sobre a instituição da família, considerada base da sociedade. Antes desse dispositivo constitucional, notável por seu poder de síntese e pela riqueza de seus enunciados, não havia senão o casamento como entidade familiar, o que contrastava com a pluralidade já praticamente em vigor na sociedade civil.

 

Há muito tempo, com efeito, se tornara freqüente a união de um homem e uma mulher para fundar uma sociedade de fato, à margem da legislação. Já agora há norma constitucional disciplinando a união estável, declarando-a merecedora da proteção do Estado, "devendo a lei facilitar sua conversão em casamento".

 

Como se vê, o casamento deixa de ser a única entidade familiar, muito embora continue a ser a forma por excelência da organização familiar, motivo pelo qual o novo Código Civil, em seu artigo 1.511, estatui que ele "estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges".

 

A união estável, que o legislador constituinte considerou destinada ao casamento, é formada por companheiros de sexo diferente, o que exclui a possibilidade de os homossexuais nela se abrigarem, devendo aguardar lei especial que discipline sua união. Enquanto inexistir lei própria, caberá ao juiz decidir sobre as questões oriundas da convivência duradoura de pessoas do mesmo sexo.

 

Na realidade, a união estável se situa entre o casamento e o concubinato, distinguindo-se de ambos por ser aquele a entidade máxima, que a lei privilegia, e ser o outro constituído à margem da lei, com infração dos direitos e deveres que cabem aos cônjuges e aos companheiros.

 

O Código Civil, em seu artigo 1.723, regula a união estável entre o homem e a mulher, caracterizando-a pela convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família. Não é fixado prazo para a sua constituição, cabendo ao juiz examinar cada caso ocorrente à luz do código e das leis antes dele promulgadas, ocorrendo, na espécie, não a revogação das leis anteriores pela nova, mas a vigência concomitante deles, em tudo o que não for conflitante. É claro que, em havendo conflito, prevalecerá o disposto no código. Por outro lado, se houver prole, a união estável torna-se incontinenti consolidada.

 

É tão relevante o problema da "destinação da união estável", como primeiro passo para o casamento, que, conforme o artigo 1.726, essa conversão poderá ser realizada mediante simples pedido feito ao juiz pelos companheiros, com posterior assento no Registro Civil.

 

Outro ponto que merece atenção é o relativo às relações patrimoniais entre os companheiros, estabelecendo o artigo 1.725 que, salvo contrato escrito, elas se regem, no que couber, de conformidade com o estatuído no regime da comunhão parcial de bens.

 

Tão significativa é a posição inferior da união estável em confronto com o casamento que, em matéria sucessória, a companheira e o companheiro não são equiparados aos cônjuges, dispondo o artigo 1.790 do Código Civil que cada um deles participará da sucessão do outro quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: "I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança."

 

Entenderam, com tais limitações, os membros do Congresso Nacional - a matéria não podia ter sido prevista pelos elaboradores do projeto de 1975 - que, se os companheiros fossem em tudo equiparados aos cônjuges, não haveria razão para a conversão de sua união em casamento, objetivo final a ser atingido, segundo a ótica do legislador constituinte.

 

Observo, todavia, que, nessa matéria, o novo Código Civil não revogou, por ser lei posterior, as Leis 8.971, de 29 de dezembro de 1994, e 9.278, de 10 de maio de 1996, ocorrendo um caso típico de vigência concomitante, a que acima me refiro.

 

Esclarecidos esses pontos, cumpre salientar que a Lei Maior de 1988 criou uma terceira entidade familiar, "a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes".

 

À primeira vista, parece uma disposição de pouca monta, mas vem resolver relevantes questões, notadamente quando se trata de mãe solteira, abandonada pelo companheiro, assumindo ela, heroicamente, todos os deveres que deviam competir ao casal, em igualdade de condições. Esse é um dos mais graves males que afligem a sociedade brasileira, sendo, infelizmente, freqüente o abandono do lar pelo marido ou pelo companheiro estável ou eventual.

 

Proclama a lei a obrigação que tem ele de responder pela manutenção e pela educação da prole, mas não pode, muitas vezes, a mãe desprezada compeli-lo a cumprir o seu dever. Como os serviços públicos e privados de prestação de justiça gratuita têm falhado, pergunto se não seria essa uma atribuição do Ministério Público, ao qual o artigo 127 confere a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Não creio que haja necessidade de lei especial para atribuir-lhe tão gratificante missão, bastando que a Constituição tenha proclamado ser a família a base da sociedade.

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