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Marketing ou emboscada?

De um lado, os direitos do organizador e das patrocinadoras oficiais de um evento; de outro, os direitos constitucionais de livre concorrência e iniciativa.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Atualizado em 14 de maio de 2014 15:03

No último dia 9 de abril, no decorrer da partida entre Barcelona e Atlético de Madrid, pelo calendário da Liga dos Campeões da Europa, o jogador Neymar expôs, de forma propositada ou não, por pelo menos cinco vezes, a marca de sua cueca: LUPO. Tal jogo foi visto, apenas na Grande São Paulo, por mais de 3 milhões de pessoas. O Barcelona, time de Neymar, perdeu por 1 a 0 e foi eliminado nas quartas de final da competição.

Independentemente de a atitude ter sido premeditada, ou não, a empresa LUPO, patrocinadora de Neymar, ganhou uma oportunidade de exibir sua marca a milhões de espectadores. Nada pagou por esse espaço, já que não é patrocinadora oficial da Liga dos Campões da Europa.

A situação não é inédita: nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, o atleta britânico, Linford Christie, apareceu em uma coletiva de imprensa utilizando lentes de contato que reproduziam a imagem de um puma, em alusão à marca esportiva de mesmo nome e sua patrocinadora, sendo que a empresa REEBOK era a patrocinadora oficial do evento; na Copa do Mundo FIFA dos Estados Unidos da América, em 1994, ao comemorarem os gols, alguns jogadores da seleção brasileira de futebol levantavam o dedo indicador da mão direita em alusão à campanha publicitária da cerveja BRAHMA, e, ainda, foram distribuídos aos espectadores dos jogos da seleção brasileira ornamentos gigantes no mesmo formato, sendo que a KAISER patrocinava o evento; na Copa do Mundo FIFA da África do Sul, em 2010, a empresa BAVARIA contratou 36 modelos e as encaminhou para assistir ao jogo entre a seleção da Holanda e a seleção da Dinamarca, trajando vestidos curtos e na cor laranja, quando a cerveja BUDWEISER era a patrocinadora oficial, reconhecida pela cor preponderantemente vermelha de seus produtos; no Rock in Rio de 2011, o vocalista da banda Red Hot Chili Peppers passou grande parte de sua apresentação vestindo camiseta vermelha que reproduzia a marca BRAHMA, sendo que a HEINEKEN era a patrocinadora oficial do evento; na Copa Libertadores da América de 2012, em um jogo entre os times de futebol Corinthians e Vasco, ocorrido no Estádio do Pacaembu, foi instalada grande placa contendo a marca ITAIPAVA em uma casa ao lado do estádio, evidenciada por dois holofotes, enquanto o Banco SANTANDER era o patrocinador do evento; na Eurocopa, em 2012, o atacante Nicklas Bendtner, da Seleção da Dinamarca, exibiu a marca PADDY POWER em sua cueca, ao comemorar um gol na partida contra a Seleção de Portugal; etc.

As práticas acima comentadas possuem contornos de marketing de emboscada: quando determinada empresa se vale de um artifício para expor, ou associar, sua marca a um evento, não sendo patrocinadora desse evento e em detrimento do organizador e/ou dos patrocinadores oficiais. O tema é palpitante. De um lado, os direitos do organizador e das patrocinadoras oficiais de um evento; de outro, os direitos constitucionais de livre concorrência e iniciativa. Louvável será a solução que balancear esses direitos e não os colocar em confronto.

Em vista da iminência da Copa do Mundo FIFA Brasil e dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, os julgadores certamente terão essa oportunidade. Mesmo porque, o ordenamento jurídico brasileiro ampara os direitos do organizador ou mesmo patrocinador oficial de um evento, que se sentir prejudicado pela prática do marketing de emboscada. Vejamos.

Especificamente em relação à Copa do Mundo FIFA Brasil e aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, a Lei Geral da Copa (12.663/12) e o Ato Olímpico Federal (12.035/09) vedam a conduta de marketing de emboscada, sendo que a primeira o faz de maneira mais direta que a segunda. Ainda no que tange a esses eventos ou a outros, de qualquer natureza ou propósito, em havendo relação de concorrência entre a empresa praticante do marketing de emboscada e àquela patrocinadora oficial, a Lei da Propriedade Industrial (9.279/96) protege a segunda ao reprimir a concorrência desleal e classificar como crime o emprego de meio fraudulento para desviar clientela de outrem.

Se não há relação de concorrência, por sua vez, o CC ampara a empresa prejudicada ou mesmo o organizador do evento, ao repelir o enriquecimento sem causa. Em âmbito liminar, ainda com base na Lei da Propriedade Industrial, o juiz poderá determinar a sustação da prática desleal, sob pena de multa pecuniária, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação.

Por fim e não menos importante, restará sempre ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento aos prejuízos causados pelos atos de concorrência desleal. Ademais, entende a jurisprudência dominante que os prejuízos vêm à reboque da prática desleal. Não havendo a necessidade de comprovação de sua existência. A conclusão, portanto, é a seguinte: quando a criatividade humana extrapola os limites da lealdade concorrencial, a legislação brasileira está pronta para impô-los.

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* Eduardo Ribeiro Augusto é sócio do Siqueira Castro Advogados.

 

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