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O Trabalho Escravo Contemporâneo

Leonardo Kaufman e Tricia Maria Sá P. de Oliveira

É preciso combater este crime, mas com cautela para não se atribuir essa característica a situações onde o que se vê são violações às normas trabalhistas que não se confundem com condições análogas à escravidão.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Atualizado em 22 de maio de 2014 14:25

No último dia 13/5/14, a lei áurea, que aboliu a escravidão no Brasil, completou 126 anos, mas infelizmente milhares de pessoas e trabalhadores ainda continuam trabalhando em condições análogas a de escravo em nosso país.

O problema, para a grande maioria das pessoas, é visto como algo bem distante do cotidiano, eis que somente aconteceria em lugares mais remotos, porém, na verdade, ele está presente em todos os estados brasileiros, inclusive em grandes centros urbanos e onde menos se espera...

E, é exatamente isso que será verificado neste artigo, cujo tema volta a se tornar notícia no judiciário brasileiro, em razão de recente decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho, no dia 12/5/14, contra uma grande empresa do setor de roupas, em razão de alegação de existência de trabalho escravo/análogo à escravidão, bem como pela divulgação, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, do balanço de situações onde se verificou trabalho em condições análogas a de escravo, também publicado na data de 13/5/14.

Inicialmente, esclarecemos que o trabalho é tido como um meio para a pessoa alcançar sua dignidade, se mostrando útil para si mesma e para a sociedade em que vive. O trabalho, assim, é um instrumento eficaz que consolida o ideal de garantir seu sustento, observando sempre seus direitos de alimentação, educação, proteção, lazer entre muito outros.

Uma grave lesão a essas prerrogativas, asseguradas pela Constituição Federal de 1988, encontra-se na imposição do trabalho forçado, em condições degradantes, em afronta ao principio da dignidade da pessoa humana e dos direitos trabalhistas fundamentais.

Até o final do século passado, a mão-de-obra utilizada pelo Brasil era, primordialmente, escrava indígena e também advinda da África. O marco do fim da escravidão no Brasil ocorreu em 1888, ano da publicação da lei 3.353, mais conhecida por lei Áurea. Por meio de sua decretação, o país se reinventou. Contudo, mesmo com esse marco e outras legislações abolindo a escravatura no país, o que se vê é que ela ainda existe de maneira muito presente nos dias de hoje, sem restrição de idade, raça, sexo ou religião.

Tomando por base a realidade de hoje, pode-se comentar acerca de um julgado recente do Tribunal do Trabalho da 23ª região. Naquela decisão, o juiz Augusto Caputo Bastos constatou que a escravidão engloba, além de homens e mulheres, crianças, garimpeiros, prostitutas e, em grande número, irmãos nordestinos. O mesmo juiz ainda ressaltou que, à época, havia entre 25 e 50 mil escravos no Brasil.1

Ao se comparar com o modo da escravidão antigamente, muitos aspectos e condições cambiaram ao longo do tempo, posto que a própria sociedade, como um todo, mudou. Hoje, o tema ocorre de maneira mais complexa do que antes, possuindo outras características por incidir valores sociais, políticos, jurídicos e econômicos.

Por essência, o trabalho escravo se constituiu pela falta de liberdade, sempre havendo coerção física e moral, impedindo que o trabalhador exerça de forma facultativa e livre suas atividades. É importante distinguir essa espécie de trabalho com o trabalho mal remunerado, perigoso ou exercido em condições insalubres de exploração, as quais incidem negativamente no trabalhador brasileiro.

Há uma distinção importante a ser feita entre trabalho escravo e trabalho análogo à condição de escravo.

Ao se considerar, tradicionalmente, o trabalho escravo, pode-se conceituá-lo como um trabalho forçado, podendo ser originário de imposição do explorador, ou até mesmo de maneira voluntária pelo trabalhador que, somente depois, toma ciência do tipo de trabalho que estava a exercer.

Há também a divisão entre três tipos de meios coercitivos, de forma que se mostram como obrigações as quais são impostas ao trabalhador. Pode-se atentar contra a (i) moral, em que o trabalhador é atraído ao trabalho de forma fraudulenta; (ii) psicológica, em que há forte e constante ameaça do explorador de abusos e violência contra o trabalhador para que continue no labor e (iii) física, sofrendo castigos ou até assassinatos para que os mesmos não escapem.

O trabalho em condições análogas ao de escravo, por sua vez, caracteriza-se por restringir a liberdade do trabalhador e quando também não forem observadas as condições necessárias para que o ser humano possa trabalhar dignamente, respeitados os seus direitos e garantias.

Por conta da carga negativa atribuída em tal tema, vários autores publicaram obras renomadas para tentar imprimir seus pensamentos e suas constatações após estudo mais detalhado da questão, como é o caso do livro "Vidas Roubadas" de Brinka Le Breton. A característica comum encontrada por várias obras publicadas é a esperança que leva e impulsiona o trabalhador. Enganado, o trabalhador começa suas atividades em uma vida da qual não consegue sair por ser obrigado a contrair uma dívida para com seu explorador.

O livro de Ricardo Rezende Figueira esclarece que o trabalhador pode ir ao encontro do explorador de maneira voluntária ou então aquele o encontra, lhe oferecendo o emprego2. Ao entrar em contato direto com o explorador, sem ainda ter consciência disso, o trabalhador já está adquirindo um débito por conta da passagem e ao abono. Tal dívida só tende ao seu crescimento, por conta das despesas com alimentação, alojamento, e muitas outras mais.

Pode-se observar que, ao longo dos anos, a principal forma pela qual o explorador mantém o trabalhador vinculado a si é por meio da cobrança de suas dívidas. Sabendo que o trabalhador não terá capital para aboná-las, o mesmo continuará a trabalhar indefinidamente até que possa quitá-las, fato que nunca ocorrerá. O "aprisionamento" também pode se dar por meio de retenção de documentos, alimentação e até mesmo punições físicas.

Um aspecto que se mostra como ponto de encontro com as mais variadas espécies de escravidão é, como já observado, a dívida interminável que a vítima possui. É por meio dela que o trabalhador explorado se mostra enclausurado em sua condição, não tendo opção quitá-la. O uso e abuso de meios coercitivos, físicos e psicológicos, também se mostra muito presente. O explorador o coloca em posição de "trabalhador por peça". Por esse modo, cria a ideia de que há uma relação jurídica entre eles, havendo um contrato pelo qual deve ser cumprido. Caso o trabalhador não o faça, o explorador impõe condições resultantes de descumprimento "contratual".

O fato é que a escravidão de hoje se mostra caracterizada, principalmente, pelo uso e, após, exclusão do ser humano. Situações como essa, ocorrem não só no Brasil, mas também em diversos países do mundo, de forma que há necessidade de imposição de forças coercitivas de controle contra tais práticas.

O Brasil foi o primeiro país do mundo a admitir que ainda possui casos relativos a condições análogas a escravidão. Por meio desse passo, juntamente com forte atuação do MPT, pôde-se tentar diminuir o número assombroso de casos. Uma das providências foi a criação do órgão GERTRAF - Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado instituído pelo governo brasileiro em 1995. Na mesma época, criou-se também o Grupo Móvel, fonte ligada ao Ministério do Trabalho, cujo escopo era o de atender denúncias acerca do tema.

É comum pensar que o primeiro princípio a ser violado com a escravidão é o princípio da liberdade. Entretanto, atualmente o que se vê é que o primeiro princípio violado é o da dignidade da pessoa humana. Isso porque é inaceitável caracterizar um ser humano como se mercadoria fosse, tratando-o como objeto.

O artigo 149 do Código Penal coloca que o trabalho em condições subumanas e o trabalho com duração excessiva são equiparados como forma análoga a de escravo. A primeira está condicionada à falta de condições mínimas para a execução do trabalho, violando a dignidade do ser humano, enquanto a segunda preconiza a atividade além do tempo necessário para que um ser humano consiga realizar suas atividades de maneira aceitável.

O combate aos atos praticados contra a pessoa humana é realizado por meio de denúncia. Por conta de tais acontecimentos, o Ministério Público do Trabalho criou órgão especial para o combate de tal prática, instituído "Núcleo de Preservação e Enfrentamento de Irregularidades Trabalhistas e Sociais nas Atividades Sucroalcooleiras", cuja sede ocorre no Mato Grosso do Sul. Por meio desse órgão, o MPT iria fiscalizar e averiguar o trabalho em tais usinas, justamente pela quantidade de denúncias recebidas.

Ao Ministério do Trabalho incumbe fiscalizar se as empresas estão efetivamente cumprindo as disposições legais, as quais protegem e asseguram direitos aos trabalhadores. Dentre as suas mais diversas funções, também cabe ao Ministério do Trabalho promover o término do trabalho escravo mediante ações fiscais promovidas e coordenadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho.

Em 2003, o Governo Federal criou o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, com o escopo de cumprir com suas funções e seus objetivos. Ainda no mesmo ano, por determinação do Ministro da Integração Nacional, foi publicada a portaria 1.150/03. Tal norma tinha por escopo atualizar os bancos administradores dos Fundos Constitucionais de Financiamento, com a recomendação de para que se abstivessem de "conceder créditos sob a supervisão do Ministério da Integração Nacional, às pessoas físicas e jurídicas que venham a integrar o Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo".3

No ano de 2004, foi publicada a portaria 540 do Ministério do Trabalho e Emprego que listava nomes associados à prática de trabalho escravo ou em condições análogas. Surgiu, por assim dizer, a chamada "lista suja", identificando os agentes dessa prática ilegal.

Após a sua publicação, essa mesma Portaria foi alvo de diversas críticas acerca de sua inconstitucionalidade. Impetrou-se ADIn e outras várias medidas, a fim de bloquear essa associação, impedindo sua notoriedade por todos. Por meio de ajuizamento de mandados de segurança, bem como ações de antecipação de tutela, há a procura de embarreirar a validade do Cadastro. Em que pese a discussão acerca de sua legalidade, há ressalvas que devem destacadas.

Por prever a criação de um cadastro de empregadores que exploraram o trabalho escravo ou sem situações análoga a de escravo, surgiu forte discussão acerca do tema. O nome só faria parte da chamada "lista suja", após ter sido apontado pela Administração, em decisão final referente ao auto de infração lavrado em decorrência de ação fiscal. Ainda na fase administrativa, conforme está previsto no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal, será concedido o direito à ampla defesa.

O Direito do Trabalho, por meio de sua evolução com o passar do tempo, passou a prever normas mais específicas. Dentre a vastidão de normas criadas, pode-se destacar aquelas que fazem menção à Erradicação do Trabalho Escravo e Práticas Discriminatórias, especificando ainda mais o âmbito de atuação e aplicação do direito.

Além das normas nacionais, deve-se também destacar aquelas provenientes da OIT que, por meio da promoção de Convenções, logrou chamar atenção do mundo para o tema. Os principais assuntos que foram destacados por essas manifestações, foram acerca da luta contra o trabalho infantil e a erradicação do trabalho escravo. Com esse destaque, há grande contribuição para o entendimento normativo no Brasil, tocando na questão de forma mais incisiva, inovando as decisões da Corte Superior Trabalhista.

Por conta do crescimento e expansão acentuada do Direito do Trabalho ao longo do tempo, há uma constante influência e incidência desse direito em diferentes ramos profissionais. Portanto, hoje, há o entendimento de que não somente algumas parcelas dos cidadãos estão inseridos no mercado de trabalho, mas sim o sentimento de que todos estão com seus direitos garantidos e assegurados pela legislação.

Após a efetiva adesão às duas Convenções da OIT, o Brasil mostrou que poderia ir além para se manifestar de maneira mais enérgica acerca do tema. Promoveu, então, a aplicação do artigo 149 do Código Penal, ao prever que "reduzir alguém à condição análoga de escravo, quer submetendo-o a trabalho forçado ou a jornada exaustiva, quer submetendo-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo por qualquer meio sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou o preposto."

Em tal previsão, há também o enquadramento daquele que (i) impeça a locomoção do trabalhador, impossibilitando meios de transporte; (ii) confiscar documentos do trabalhador, também para impedir sua fuga; (iii) além de considerar penas majorantes para o caso do trabalhador ser criança ou adolescente ou por razão de etnia, cor, raça ou origem.

Posteriormente, também foi criada pelo Governo Federal, a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, mediante decreto.

Tal instituto surgiu com o escopo de promover repressões à esse ato ilegal, bem como articular com a OIT e com os Ministérios Públicos da União e dos Estados, com a sociedade civil, com o apoio dos demais órgãos públicos, bem como a busca de parcerias que objetivem exercer o que foi estabelecido pela lei, levando-se em consideração que o crime do trabalho escravo viola os direitos humanos. Além do mais, haveria o trabalho em condições degradantes, com garantias mínimas de saúde e segurança e sempre acontece de maneira obrigatória, não deixando qualquer tipo de faculdade àquele que o labora.

Assim sendo, atualmente, não existe ainda uma clara regulamentação acerca do tema. Entretanto, caso sejam identificados trabalhadores em trabalho escravo/análogo à escravidão, a empresa estará sujeita aos riscos abaixo elencados:

  • Risco de Reputação - caso a empresa seja incluída na Lista Suja, existe o risco de, uma vez divulgada a informação, que é pública, e dependendo do nível de investigação que for realizado sobre o assunto, a relação entre a empresa e seus investidores (e financiadores), clientes e outras sociedades em geral pode ficar comprometida, ocasionando danos à imagem, ainda mais se os fatos forem noticiados em jornais ou em outros veículos de comunicação;
  • Notificações a Órgãos Públicos e Implicações Financeiras - Como resultado das notificações aos órgãos públicos, a empresa pode vir a enfrentar dificuldades na captação de dinheiro com Banco Nacional de Desenvolvimento e/ou outros bancos privados ou públicos, na contratação com o governo, bem como de empresas detidas ou controladas pelo governo, além de ampliar a possibilidade de os órgãos públicos solicitarem maiores informações sobre o assunto e investigarem a empresa. De acordo com analise pratica evidenciada pelo autor do presente trabalhado, em muitos bancos existe um regulamento interno sobre empréstimos, no qual, se a empresa estiver incluída nesse cadastro da Lista Suja, tal empréstimo não é concedido. Ademais, o Ministério da Integração Nacional impede os relacionados na Lista Suja de obterem contratos com os Fundos Constitucionais de Financiamento, administrados pelo Banco do Nordeste do Brasil, Banco da Amazônia e Banco do Brasil, consoante o disposto na Portaria nº 1150, de 18 de novembro de 2003 do Ministério da Integração;
  • Eventual possibilidade de Confisco de Terras - Em razão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC nº 438/2001) para alteração da redação do artigo 243 da Constituição Federal de 1988, existe o risco de expropriação (sem pagamento de indenização) das terras onde sejam encontradas exploração de trabalho escravo;
  • Proibição de obtenção de créditos rurais - Existe expressa previsão na Resolução 3.876, de 22 de junho de 2010, do Banco Central sobre a impossibilidade de as instituições financeiras integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural contratarem ou renovarem, ao amparo de recursos de qualquer fonte, operações de crédito rural, inclusive a prestação de garantias, bem como a operações de arrendamento mercantil no segmento rural, a pessoas físicas e jurídicas inscritas no Cadastro de Empregadores (Lista Suja) que mantiveram trabalhadores em condições análogas à de escravo instituído pelo Ministério do Trabalho e Emprego, em razão de decisão administrativa final relativa ao auto de infração; e
  • Crime - O artigo 149 do Código Penal estabelece como crime a redução de trabalhador à condição análoga a de escravo, fixando a pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência, podendo a pena ser aumentada caso seja cometido contra criança ou adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Conclusão

Conforme amplamente demonstrado, infelizmente, ainda persiste no mundo atual o trabalho escravo, que atualmente é conhecido como trabalho análogo à escravidão ou trabalho escravo contemporâneo.

Assim, o Direito do Trabalho deve ser um instrumento para o combate dessa prática delituosa e ilegal, já que, por meio de sua evolução e com o passar do tempo, passou a prever normas mais atuais, como as que fazem menção à Erradicação do Trabalho Escravo e Práticas Discriminatórias, especificando ainda mais o âmbito de atuação e aplicação do direito, como a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e a portaria 540/04.

Com o amparo da Constituição Federal de 1988, todos os órgãos fiscalizadores deverão buscar, conjuntamente, o cumprimento da lei, bem como a observância dos preceitos e pressupostos referentes ao respeito à dignidade humana, ou seja, considerando o trabalhador, individualmente, primeiramente como pessoa. É por meio dessa fórmula que ocorrerá o início de combate a esse exercício ilegal, ainda presente em nosso cotidiano brasileiro.

Além do mais, é extremamente necessário que as autoridades, juntamente com a Sociedade como um todo, se mostrem ativas à erradicação desse tipo de trabalho, que não pode mais ser aceito nos dias de hoje.

Como citado anteriormente, além das normas nacionais, deve-se também destacar aquelas legislações provenientes da Organização Internacional do Trabalho que, por meio da promoção de Convenções, logrou chamar atenção do mundo para o tema.

Os principais assuntos que foram destacados por essas manifestações foram acerca da luta contra o trabalho infantil e a erradicação do trabalho escravo. Com esse destaque, há grande contribuição para o entendimento normativo no Brasil, tocando na questão de forma mais incisiva e inovando as decisões da Justiça Brasileira sobre o tema.

Após a efetiva adesão às duas Convenções da Organização Internacional do Trabalho, o Brasil mostrou que poderia ir além, para se manifestar de maneira mais enérgica acerca do tema e combatê-lo. Promoveu, então, a aplicação do artigo 149 do Código Penal.

Nesse sentido, é evidente que o crime do trabalho escravo, ou análogo à escravidão ou à escravidão contemporânea viola os direitos humanos, por diminuir o ser humano enquanto pessoa, limitando e restringindo sua liberdade. E, merece e necessita ser duramente combatido por todos nós e por todos os órgãos governamentais.

Entretanto, a sociedade deve estar atenta a classificação, pelas autoridades trabalhistas como trabalho escravo ou análogo à escravidão. Isso porque, se tem visto que, muitas vezes se atribui essa característica a situações onde o que se vê são violações às normas trabalhistas que não se confundem com condições análogas à escravidão.

Isso porque, na verdade, o Judiciário e/ou os órgãos fiscalizadores acabam elastecendo as interpretações e conceitos relacionados ao trabalho escravo, desvirtuando o assunto e banalizando sua efetiva ocorrência. Quando isso ocorre, o que se vê é que, tanto os órgãos fiscalizadores, como o Judiciário acabam, eles também, praticando vários excessos e penalizando injustamente as empresas, que tem o seu nome vinculado ao trabalho escravo contemporâneo, quando, na verdade, cometeram irregularidades administrativas cujas penas já estão devidamente previstas na legislação.

Ou seja, o que se tem observado em determinadas situações é apenas e tão somente o reiterado descumprimento de determinadas normas trabalhistas, ou ainda, há cumprimento da norma, mas não de forma integral ou rígida e, mesmo assim, a situação é taxada como trabalho em condições análogas a escravidão. Um exemplo clássico é quando as autoridades trabalhistas entendem como sendo condição análoga a de escravidão expor o trabalhador a jornadas excessivas de trabalho. Como não há uma efetiva definição do que seria jornada excessiva, acaba se entendo que eventual labor diário de dez horas - que tem previsão legal - é considerado condição análoga a escravidão.

Até mesmo questões burocráticas estão sendo consideradas como submissão do trabalhador à condição análoga a de escravo.

Não estamos aqui defendendo as irregularidades eventualmente praticadas pelas empresas. Muito pelo contrário. Entendemos que as empresas devem cumprir a legislação e se não o fizerem devem ser autuadas, investigadas e punidas. Porém, os excessos nas interpretações da lei não podem ser cometidos, sob pena de se desvirtuar e banalizar o conceito de condições de trabalho análogas e se fomentar uma indústria de ações como ocorreu com o dano moral (individual e coletivo).

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1 Revista LTr, v. 70, mar./ 2006. In: LOTTO, Luciana Aparecida. Ação Civil Pública Trabalhista contra o Trabalho Escravo no Brasil - São Paulo - Ltr 2008, página 29.

2 FIGUEIRA, Ricardo Rezende, ano 2004, página 118. In: NETO, Paulo Neto. Conceito Jurídico e Combate ao Trabalho Escravo Contemporâneo.-São Paulo- Ltr 2008, página 46 e 47.

3 CESÁRIO, João Humberto. Legalidade e Conveniência do Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo - compreendendo a "lista suja". In: Suplemento Trabalhista - São Paulo - 2006, ano 42, LTr Sup. Trab. 15/06 - página 60.

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* Leonardo Kaufman é advogado do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados.

* Tricia Maria Sá P. de Oliveira é advogada do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados.

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