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O advento do regime diferenciado de contratação entre as crises e os desafios na busca pela eficiência nos processos de contratação pública no Brasil

Frederico Barbosa Gomes

RDC passa a ser um regime de licitação que deve ser acompanhado por todos, principalmente quanto aos pontos questionados e discutidos no âmbito do STF.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Atualizado em 17 de outubro de 2014 13:50

A lei 8.666/93, reconhecidamente a principal referência normativa das licitações e dos contratos administrativos, apesar de ser um marco na história legislativa brasileira, é hoje alvo de inúmeras críticas. Nascida em um contexto de redemocratização nacional, ela representava a busca pela estruturação de um processo de contratação público idôneo, probo e isonômico, visando garantir a moralidade nas contratações públicas.

Entretanto, na prática, a aplicação da lei 8.666/93 não vem alcançando plenamente tais objetivos. O excesso de formalismo, o alto grau de detalhamento e a forma como foram dispostas as fases do certame por referida lei tornaram o processo de licitação moroso e ineficiente, aumentando o risco, o custo e a insegurança jurídica dos envolvidos.

Visando alterar esse cenário, o Brasil vem assistindo a várias mudanças no processo licitatório, mormente a partir dos anos 2000. Nesse contexto, cite-se o advento do Pregão, regulamentado pela lei 10.520/2002, o qual revolucionou o processo de contratação pública, principalmente na sua forma eletrônica (hoje regida pelo decreto 5.450/2005), não apenas pelos ganhos em celeridade, mas, também, na redução do custo do certame.

Os bons resultados obtidos com o pregão certamente são tributários da autonomia do Pregoeiro na condução do certame, do seu poder de negociação para a obtenção da melhor proposta e da estrutura procedimental prevista por sua norma de regência. Neste último caso, o mérito do Pregão repousa na concentração das fases de habilitação e de julgamento em uma única sessão, sendo elas invertidas, de modo que somente é analisada a documentação relativa à habilitação do detentor da proposta mais vantajosa.

Os ganhos advindos da estrutura procedimental do Pregão foram notórios, a ponto de serem incorporados pelas leis 8.987/95 e 11.079/2004, que cuidam, respectivamente, da concessão comum e especial (Parceria Público-Privada - PPP) de serviço público. Na realidade, em ambas as leis, a concorrência ainda é a modalidade de licitação para a definição do concessionário; contudo, admite-se a inversão da habilitação e julgamento, tal qual se dá no Pregão, desde que haja previsão expressa no Edital nesse sentido.

Por maiores que sejam os ganhos advindos com o Pregão, não pode ele ser utilizado para todos os contratos públicos, pois se destina apenas à aquisição de bens e contratação de serviços comuns. Com isso, a contratação de obras de maior vulto e complexidade estão fora do âmbito de incidência do Pregão, devendo os seus respectivos processos licitatórios serem regidos pela lei 8.666/93, o que aumenta o risco da morosidade e da ineficiência da contratação, o que pode comprometer o próprio interesse público.

Essa questão se tornou ainda mais evidente e preocupante a partir do momento em que o Brasil se comprometeu internacionalmente a receber três grandes eventos mundiais: a Copa das Confederações (2013); a Copa do Mundo (2014) e os Jogos Olímpicos (2016). Isso porque, infelizmente, o Brasil, ao assumir tais compromissos, não contava (e não conta) com infraestrutura adequada de transporte, de aeroportos, de mobilidade urbana, dentre outros, para receber tais eventos. Tornava-se, então, necessário realizar um conjunto de obras, em caráter emergencial, para que o Brasil pudesse sediar tais eventos.

Como as obras necessárias aos eventos deveriam ser licitadas com base na lei 8.666/93 e ante o receio de que suas previsões pudessem inviabilizar contratações rápidas e adequadas à complexidade dos eventos, o Brasil optou por criar novo regime licitatório, batizado de Regime Diferenciado de Contratação (RDC). Originariamente, o RDC foi instituído pela Medida Provisória 527, de 18/3/2011, posteriormente convertida na lei 12.462, de 4/8/2011, atualmente regulamentada pelo decreto 7.581, de 11/10/2011.

Não obstante tratar-se de novo regime, a sua adoção não é obrigatória. Segundo o §2º do art. 1º da lei 12.462/2011, a opção pelo RDC deverá constar de forma expressa do Edital e resultará no afastamento das normas contidas na Lei no 8.666/93, salvo nas hipóteses em que se prever a expressa aplicação desta lei.

Conforme o art. 1º, §1º, lei 12.462/2011, o RDC visa, dentre outros fins, ampliar a eficiência nas contratações públicas e a competitividade entre os licitantes, preservando, entre eles, o tratamento isonômico, sem renunciar a seleção da proposta mais vantajosa.

Para atingir tais objetivos, o RDC inovou em alguns aspectos. A esse propósito, cite-se a possibilidade de contratação integrada prevista no art. 9º da lei 12.462/2011. Por meio dela, contrata-se de um fornecedor a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto. A sua adoção dependerá, contudo, de justificativa técnica e econômica e de o seu objeto envolver, ao menos, inovação tecnológica, possibilidade de execução com diferentes metodologias e possibilidade de execução com tecnologias de domínio restrito no mercado. Ademais, é vedada na contratação integrada a celebração de termo aditivo, salvo para recompor equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito, força maior ou em decorrência de alteração do projeto ou de especificações, por iniciativa da Administração Pública, mesmo assim respeitados os limites de alteração dos contratos contidos na lei 8.666/93 (art. 65, §1º).

Baseando-se, de certa forma, na experiência vivida pelo regime das PPP's, o RDC também previu a possibilidade de remuneração variável do contratado. Segundo art. 10 da lei 12.462/2011, "na contratação das obras e serviços, inclusive de engenharia, poderá ser estabelecida remuneração variável vinculada ao desempenho da contratada, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega definidos no instrumento convocatório e no contrato".

Outra inovação do RDC foi o polêmico orçamento sigiloso. Nos termos do art. 6º da lei 12.462/2011, o orçamento estimado para a contratação apenas será tornado público depois de encerrada a licitação, o que não impede a divulgação dos quantitativos e das demais informações necessárias à elaboração das propostas. Com tal expediente, pretendeu o legislador evitar superfaturamento de obras e jogo de planilhas entre os participantes.

Interessante notar, ainda, que, nos termos do art. 7º da lei 12.462/2011, foi admitida expressamente a indicação de marca para aquisição de bens, desde que justificada em razão da necessidade da padronização do objeto; quando determinada marca ou modelo comercializado por mais de um fornecedor for o único capaz de atender à demanda do contratante; ou para servir de parâmetro, devendo-se, nesse caso, acrescer a expressão "ou similar ou de melhor qualidade".

O RDC adotou estrutura procedimental análoga à do pregão, com o julgamento das propostas antes da habilitação, o que poderá ser alterado mediante previsão expressa do Edital. Quanto à apresentação de propostas e de lances, poderá ser adotado o modo de disputa aberto (os licitantes apresentam suas ofertas com lances públicos e sucessivos) ou fechado (as propostas serão sigilosas até a sua divulgação), ou ambos combinados entre si. Admite-se, ainda, oferta de lances intermediários (tão ou menos vantajoso do que o vencedor) durante a disputa aberta e o reinício da disputa aberta, após definição da melhor proposta, visando estabelecer as demais colocações, sempre que houver diferença de pelo menos 10% entre o melhor lance e o do licitante subsequente.

Quanto aos tipos de licitação, o RDC também inovou e previu que ela poderá ser do tipo menor preço ou maior desconto; técnica e preço; melhor técnica ou conteúdo artístico; maior oferta de preço; ou maior retorno econômico.

Como se vê, a pretensão do RDC foi criar um novo regime licitatório que garantisse maior eficiência e economicidade às contratações públicas. Na prática, isso vem ocorrendo, com deságio de valores pagos e com ganho em celeridade nas licitações públicas.

Contudo, o RDC vem sendo objeto de inúmeros questionamentos, alguns dos quais já formalizados perante o Supremo Tribunal Federal, no âmbito das ADIn's 4645 e 4655. Dentre eles, estão justamente os seus pontos de inovação, tais como o sigilo do orçamento (o que ofenderia o princípio da publicidade, que é a regra constitucional); a possível ofensa à isonomia que representaria a contratação integrada; a ausência de critério para a definição do que seja obra, serviço e compras efetivamente voltadas aos eventos internacionais citados; entre outros que pretendem impedir a adoção do novo regime.

Não obstante, até o presente momento ainda não houve decisão que impeça o prosseguimento da adoção do RDC. De toda sorte, entendemos que o acompanhamento da evolução dessa discussão torna-se de notória importância. Isso porque, o RDC, que nasceu com traço de transitoriedade (já que destinado apenas às contratações voltadas aos eventos internacionais citados), atualmente, em função das recentes alterações legislativas (leis 12.688/2012; 12.722/2012; 12.745/2012 e 12.980/2014) ganhou perenidade, pois poderá ser utilizado para contrações destinadas a: ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS); para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo; e para aquelas que digam respeito ao sistema público de ensino.

Com isso, o RDC passa a ser um regime de licitação que deve ser acompanhado por todos, principalmente quanto aos pontos questionados e discutidos no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Isso se justifica não apenas por o RDC representar nova forma de atuação do Poder Público em seu processo de contratação, como também por poder influenciar novos modelos de licitação, os quais possivelmente se basearão em suas novidades, bem como nos avanços e ganhos advindos com a modalidade Pregão. Tudo isso em busca da concretização da eficiência administrativa no processo de contratação pública.

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*Frederico Barbosa Gomes é advogado do escritório Pinheiro, Mourão, Raso e Araújo Filho Advogados.

Pinheiro Mourao Raso e Araujo Filho Advogados

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