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Lista suja do trabalho escravo no Brasil - Renovação da regulamentação trabalhista

Marcello Della Mônica Silva e Cássio Ramos Báfero

A "nova" portaria da lista suja, ao que se verifica, sustenta-se em raiz já viciada e, por coerência, também haverá por ser contida através de medidas porventura aplicáveis.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Atualizado em 19 de maio de 2015 10:58

O Ministério do Trabalho e Emprego - MTE no Brasil possui um mecanismo extraordinário para penalizar as empresas que venham a submeter trabalhadores a condições degradantes de trabalho ou às chamadas condições de trabalho análogas a de escravo. Além da aplicação de multas decorrentes da localização de trabalhadores em condições análogas a de escravo, o MTE vinha fazendo uso desde 2004 da portaria interministerial 540/04, a qual havia sido revogada pela portaria interministerial 2/11. Estas portarias determinavam a inclusão do nome das empresas na chamada "lista suja" ou "lista negra".

Esta lista surgiu como consequência de um trabalho conjunto exercido pela fiscalização do trabalho e pela PF brasileira. Após a inclusão do nome de determinada empresa na "lista suja", a exclusão somente poderia ocorrer após 2 anos contados da data da inclusão e mediante prova de que a empresa deixou de submeter trabalhadores a condições degradantes de trabalho. Conforme mencionado na portaria, a comprovação geralmente ocorre após uma nova fiscalização que verifique a regularidade das condições de trabalho na empresa que foi penalizada.

Referidas portarias do MTE foram alvo de muitas críticas pelas empresas, principalmente pela simplicidade do procedimento de defesa que não garantia a apresentação de todos os argumentos de defesa necessários e recursos para combater as alegações da fiscalização do trabalho. Outro ponto levantado nas discussões apresentadas pelas empresas era a ausência de lei que previsse a existência da "lista suja" e estabelecesse regras que incluíssem não só as penalidades, mas prestigiassem procedimentos para garantia do direito à ampla defesa.

Diante de controvérsias instauradas em torno da impossibilidade de aplicação da portaria 504/04 do MTE e portaria interministerial 2/11 do MTE, em dezembro de 2014 a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias - ABRAINC ingressou com uma ADIn no STF. Através desta ação a ABRAINC solicitou a suspensão da aplicação da "lista suja", sendo que o mencionado pedido foi acolhido pelo ministro presidente Ricardo Lewandowski (ADIn 5.209).

Três meses após a decisão do STF que determinou a suspensão dos efeitos da portaria 2/11 do MTE, uma "nova" portaria interministerial recria o cadastro de empregadores, tido como flagrados em práticas de trabalho análogas à de escravo. A "nova" portaria que revogou a portaria 2/11 foi claramente criada em tentativa de frustrar a eficácia da decisão proferida pelo STF.

Todavia, ao nosso ver, permanecem nesta "nova" portaria todos os defeitos contidos na portaria 2/11, hoje, então, revogada.

Primeiro, referida portaria evidentemente não assegura o contraditório e a ampla defesa aos empregadores, bem como não prestigia o princípio de presunção de inocência, à luz do art. 5º, incisos LIV, LV e LVII da CF brasileira. Estas prerrogativas foram destacadas na ADIn promovida pela ABRAINC, inclusive diante das indesejáveis restrições que a inclusão na "lista suja" vinha causando às empresas.

A "nova" portaria faz menção genérica à possibilidade de ampla defesa em todas as fases do procedimento administrativo, contudo, não há previsão das provas cabíveis para o direito de defesa e se o agente fiscal do trabalho abrirá um procedimento específico (com um auto de infração específico) para caracterização das chamadas condições de trabalho análogas a de escravo. Ademais, as defesas e recursos administrativos apresentados no âmbito do Ministério do Trabalho, via de regra, não surtem qualquer efeito, mesmo que demonstrada flagrante violação à dispositivo legal ou constitucional.

Isso ocorre tanto nas defesas como nos recursos apresentados, tendo em vista que os próprios Auditores Fiscais funcionam como julgadores de referidas medidas. Raríssimas são as exceções em que as defesas são acolhidas para descaracterizar as penalidades aplicadas. Em verdade, os fiscais do trabalho, tais como a maioria dos órgãos, prestigiam o protecionismo organizacional, obstaculizando, assim, o que a "nova" portaria chama de "contraditório e ampla defesa".

Vale dizer, a título de exemplo, que na esfera tributária o tema é tratado de forma diferente, na medida que há representantes dos interesses do Fisco, mas também representantes dos contribuintes, o que imprime, ao final, isonomia, imparcialidade e equilíbrio nos julgamentos.

Outro ponto em que a "nova" portaria parece ser omissa diz respeito às modalidades de prova admissíveis no procedimento administrativo. Certamente seria difícil garantir a ampla defesa com a produção de prova oral, por exemplo, pois tal pretensão é veementemente afastada pelos Auditores Fiscais em suas decisões, sob o fundamento de que não há causa de pedir ou interesse que os motive, em evidente repúdio aos princípios constitucionais acima destacados.

Posto isto, para assegurar o fiel exercício do "contraditório e ampla defesa" às empresas, só se poderia, no que aqui destacamos, incluir seu nome após amplas mudanças na forma de processamento e julgamento dos autos de infrações na esfera administrativa laboral. O procedimento administrativo trabalhista atualmente vigente é singelo e sistematicamente confirma os fundamentos apresentados pelos fiscais do trabalho. Difícil é admitir que alguém, em sede administrativa, terá à disposição as ferramentas para ampla defesa e um julgamento equilibrado.

De outro modo, a ADIn 5.209 ajuizada pela ABRAINC, apesar da criação de uma "nova" portaria, não perdeu seu objeto. O fundamento essencial da ação, já acolhido preliminarmente através da liminar concedida pelo STF, é inexistência de lei formal para se criar a tal da "lista suja". Nas palavras do ministro Lewandowski do STF, "para a expedição de tais atos, faz-se necessária a preexistência de uma lei formal apta a estabelecer os limites de exercício do poder regulamentar (...)"

Desta forma, não só a ausência de direito inequívoco à ampla defesa contamina a "nova" portaria, mas toda e qualquer portaria que venha a ser editada conterá o vício da reserva legal, ou seja, somente a lei poderá criar e disciplinar as condições de existência da "lista suja", assim como os critérios para que determinada empresa seja nela incluída.

A "nova" portaria da "lista suja", ao que se verifica, sustenta-se em raiz já viciada e, por coerência, também haverá por ser contida através de medidas porventura aplicáveis.

Ao que parece o governo Federal, sem apoio da base aliada no Congresso Nacional, insiste em legislar sobre o tema - que flagrantemente é de importância à sociedade, mas que não pode ser tratada em atrito aos direitos fundamentais assegurados a qualquer cidadão. Apesar de não se negar relevância ao propósito de se criar obstáculos àqueles que realmente contribuem às más práticas ou condições degradantes de trabalho, não se pode, dentro de um processo democrático, negar vigência à aplicação de premissas constitucionais inafastáveis.

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*Marcello Della Mônica Silva é sócio do Contencioso Trabalhista de Demarest Advogados.

*Cássio Ramos Báfero é advogado do Contencioso Trabalhista de Demarest Advogados.

ALMEIDA, ROTENBERG E BOSCOLI - SOCIEDADE DE ADVOGADOS

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