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Guia Politicamente Incorreto da Arbitragem VI - Arbitragem em Construção

Avizinha-se uma avalanche de arbitragens de infraestrutura. Estamos preparados para isso?

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Atualizado em 21 de julho de 2015 11:20

Uma das áreas em que mais se utiliza arbitragem é o setor de infraestrutura, especialmente grandes construções. De fato, o foro arbitral mostra-se, em regra, muito mais adequado do que a via judicial. Isso porque as disputas de construção estão muito focadas em questões técnicas, especialmente de engenharia. No Poder Judiciário, essas questões acabam sendo delegadas ao perito e aos assistentes técnicos; na arbitragem, os julgadores costumam entender também dessas matérias, sejam eles advogados experientes na área ou mesmo engenheiros. Outra vantagem reside na ampla discussão de fato subjacente a essas lides. Na arbitragem o julgador tem mais disponibilidade para ler a imensidão de documentos produzidos e ouvir com o devido tempo as testemunhas. Não que arbitragens de construção sejam simples e rápidas, muito pelo contrário. Mas falta alternativa adequada no foro estatal. Qual o juiz teria tempo para analisar detidamente tanta informação técnica e de fato quanto as que surgem em arbitragens de construção?

Mas nem tudo são flores. Com as obras do PAC, Copa do Mundo e Olimpíadas, somadas com a atual crise econômica e política, entramos em uma "tempestade perfeita". Avizinha-se uma avalanche de arbitragens de infraestrutura. Estamos preparados para isso? Sim e não. Sim, porque nossos advogados estão entre os mais preparados e sofisticados do mundo, acostumados a utilizar técnicas de arbitragem e de project management para grandes litígios. E cada vez mais se amplia o corpo de árbitros com conhecimento e experiência em construção. Não, porque cada arbitragem de construção se apresenta como uma tarefa hercúlea. Não é incomum ter de se produzir todos os diários de obra e dezenas de milhares de documentos, além de se demandar dezenas de testemunhos, em dia, dias e dias de audiência. Há um limite físico de quantas arbitragens de obra um árbitro consegue manejar ao mesmo tempo. Do lado dos escritórios, acaba-se envolvendo um batalhão de advogados para um único processo. Isso sem contar os times de experts de engenharia e de contabilidade, se não houver necessidade de análise de outras áreas. O resultado é um processo arbitral caro e que, em geral, não dura menos do que dois anos e meio. Chega a ser irônico, em um setor no qual tempo e custo são as principais preocupações. Como conferir maior eficiência às arbitragens de construção?

Há de se analisar, para esse fim, os motivos da complexidade da arbitragem de construção. Seja a obra de grande hidrelétrica, seja a reforma do banheiro de sua casa, litígios de obra tendem a envolver três temas: atrasos, custos extras e mudanças de escopo. Ocorre que o exame desses temas algum tempo depois dos fatos torna a tarefa extremamente trabalhosa, pois demanda a inquirição de quase tudo o que aconteceu no projeto. E não bastam volumosos diários de obra, correspondências e notificação, pois muitos fatos não ficam devidamente registrados por escrito, ensejando prova testemunhal, naturalmente limitada pelos interesses e pela memória de quem depõe. Sem contar as informações que simplesmente se perdem. Os árbitros viram os verdadeiros "engenheiros de obra feita", trabalhando para reconstruir fatos pretéritos. O remédio passaria, assim, por mecanismos para se consignar contemporaneamente o andamento da obra e as causas para eventuais descolamentos entre o previsto e o realizado.

Vejo duas medidas essenciais para esse propósito. A primeira seria dotar as empreiteiras e as donas da obra de times treinados de project management e de controle de pleitos. As grandes construtoras e as maiores empresas brasileiras já os possuem, mas seria importante estender essa prática à maior quantidade possível de players de mercado de infraestrutura. Em arbitragem de obra, quem documenta melhor sua posição antes do litígio sai com larga vantagem. Não adianta se ter razão, se não se pode provar.

A segunda seria adotar para todos os contratos de médio e grande porte os comitês permanentes de resolução de conflitos, conhecidos internacionalmente como dispute boards. Esses comitês são formados por profissionais independentes que supervisionam a obra do início ao final, recebendo cópia das principais correspondência, fazendo reuniões periódicas com as partes e realizando vistorias de tempos em tempos. Quando surgem litígios, o comitê pode emitir recomendações e, dependendo de sua natureza, até tomar decisões, dentro de prazos curtos, tais como 30 dias, decisões essas precárias, sujeitas a eventual pedido de reapreciação por tribunal arbitral ou pelo Poder Judiciário. A grande vantagem consiste em se ter um foro permanente para analisar pleitos. Isso força as partes a apresentar suas demandas assim que eles surgem, as incitam a documentar suas posições contemporaneamente aos fatos e permite que se tenha "fotografias" do andamento da obra e de eventuais desvios. Os dispute boards não são oráculos infalíveis, porém podem ser fontes valiosas de orientação. E suas decisões muitas vezes darão fim ao litígio, notadamente em matérias menores, nas quais não vale o custo-benefício de um contencioso robusto.

Cabe, por fim, a reflexão se não haveria uma questão cultural de não se deflagrar o litígio enquanto a obra estiver em curso, para não atrapalhar os trabalhos e não tirar o foco do projeto. Abra-se aqui um parêntesis: independentemente do tipo de contrato de obra, sempre haverá interação entre construtor e dono da obra, e sem cooperação mútua não se consegue sucesso. E, mais dia menos dia, chega o acerto de contas, quase sempre no final, com diversos pleitos e muitas vezes com lacunas na documentação e no histórico. Há de se mudar essa atitude e se fomentar métodos para dirimir os conflitos tão logo eles apareçam, tais como os dispute boards ou mesmo a mediação, pois problema não resolvido prontamente tende a crescer de forma exponencial. Conflitos são praticamente inevitáveis em projetos de infraestrutura. As partes devem ter maturidade para encarar esse fato e enfrentar suas divergências do modo mais eficiente possível.

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*Joaquim de Paiva Muniz é sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados.

 

 

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