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Colaboração premiada: reflexões sobre o seu valor probatório e a postura do magistrado na sua avaliação

Fabrício Dornas Carata

Brasil ainda vivencia um experimentalismo institucional na realização dessas delações, merecendo cuidado e atenção por parte dos magistrados na sua utilização como elemento de prova.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Atualizado em 15 de outubro de 2015 12:22

A colaboração premiada é, por certo, um dos temas mais atuais e controversos no direito processual penal brasileiro, mormente tendo em conta a ampla divulgação de sua utilização, quase ilimitada, em caso diariamente noticiado na imprensa e que envolve suposto esquema de corrupção em empresa estatal brasileira.

Sobre o tema, no plano legislativo, a lei 12.850/13, por evidente, não é o primeiro diploma legal a prever a figura da colaboração premiada, muito pelo contrário, ela é o mais recentemente e de maneira mais benevolente tratou a colaboração premiada. Contudo, em breves linhas, a evolução legislativa teve início, segundo Damásio E. de Jesus (in Estágio atual da "delação premiada" no Direito Penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 854, 4 nov. 2005. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2015), nas Ordenações Filipinas, cuja parte criminal, constante do Livro V, vigorou de janeiro de 1603 até a entrada em vigor do Código Criminal de 1830. O Título VI do "Código Filipino", que definia o crime de "Lesa Magestade" (sic), tratava da "delação premiada" no item 12; o Título CXVI, por sua vez, cuidava especificamente do tema, sob a rubrica "Como se perdoará aos malfeitores que derem outros á prisão" e tinha abrangência, inclusive, para premiar, com o perdão, criminosos delatores de delitos alheios. Mais de um século depois, com a lei 7.492, de 16 de junho de 1986 que trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional já se previa que em relação a tais crimes, quando cometidos em concurso necessário ou eventual de agente, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelasse à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa teria a sua pena reduzida de um a dois terços (art. 25, § 2º). Com idêntica redação a lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990 que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo trouxe a mesma previsão (art. 16, parágrafo único). A lei 8.072, de 25 de julho de 1990 que disciplina os crimes hediondos previu a mesma consequência jurídica na hipótese do crime de extorsão mediante sequestro quando cometido por quadrilha ou bando, desde que a partir das delações do coautor, fosse facilitada a libertação do sequestrado (art. 159, § 4º, do Código Penal). Já a lei 9.034, de 3 de maio de 1995, antiga lei de organização criminosa, expressamente dispunha que nos crimes praticados em organização criminosa, a pena seria reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levasse ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria. A chamada lei de proteção às testemunhas (lei 9.807, de 13 de julho de 1999) inovou o ordenamento jurídico ao ampliar o rol de benefícios legais ao colaborador, prevendo que ao juiz é dado, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: a) a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; b) a localização da vítima com a sua integridade física preservada; c) a recuperação total ou parcial do produto do crime. No caso de não restar satisfatoriamente caracterizada qualquer dessas situações a lei prevê que o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços (arts. 13 e 14). Mais adiante a lei 11.343, de 23 de agosto de 2006 que define o crime de tráfico ilícito de drogas previu que o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços. Mais recentemente, a lei 12.683, de 9 de julho de 2012 deu nova redação ao art. 1º, § 5º, da lei 9.613, de 3 de março de 1998 que disciplina o crime de lavagem de dinheiro e ativos para prever que a pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. Finalmente, a lei 12.850, de 2 de agosto de 2013 que trata do crime de organização criminosa, de maneira ainda mais benéfica para o colaborador, registra que o juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: a) a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; b) a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; c) a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; d) a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; e) a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

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*Fabrício Dornas Carata é juiz de Direito Substituto do TJ/DF.

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