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A eficácia da preventiva na operação Lava Jato, por Eudes Quintino

A eficácia da preventiva na operação Lava Jato

A Constituição brasileira deixa explicitado que a regra é a liberdade, assim como a regra é a inocência, ambas inseridas nos princípios gerais que balizam a interpretação penal.

domingo, 29 de novembro de 2015

Atualizado em 27 de novembro de 2015 16:02

As várias prisões expedidas pelo juízo responsável pela operação Lava Jato vêm causando impactos de várias ordens, fazendo com que a parcela da comunidade brasileira não afeta a assuntos jurídicos, procure se informar e discutir os temas que transbordam os noticiários. Até mesmo a camada mais singela, pelas reiteradas coberturas jornalísticas, arrisca comentários que vão construindo uma opinião pública com a consistência necessária. "Com a força dos acontecimentos sociais e políticos, já preconizava a sempre arguta Vieira, nota-se que a Justiça vem se tornando o objeto preferido da mídia, ocupando grande espaço e assumindo posição de relevo para além dos tribunais"1.

As delações premiadas ofertadas na operação que busca apurar fraudes, lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito, dentre muitos, envolvendo a Petrobrás e outras instituições, possibilitaram a instauração de vários procedimentos preliminares visando apurar os ilícitos retratados, envolvendo a participação de políticos e autoridades. Assim, na medida em que as informações foram pesquisadas e ganharam corpo, pois sem elas a persecução penal iria se arrastar e por muito tempo ficaria tateando às escuras por caminhos lentos e penosos, foram emergindo indícios suficientes de autoria e materialidade, que possibilitaram não só a instauração de persecução penal, como a expedição de várias ordens de prisão, algumas temporárias e outras preventivas.

É certo que a Constituição brasileira deixa explicitado que a regra é a liberdade, assim como a regra é a inocência, ambas inseridas nos princípios gerais que balizam a interpretação penal. O homem, pela sua própria natureza, é livre para praticar todos os atos que não encontram restrições impostas pelo Estado ou que esbarrem em direitos conferidos à comunidade ou até mesmo assegurados a um único cidadão. A liberdade, então, de aparência absoluta, passa a ser relativa e finca sua bandeira nas bases ditadas pelo Estado Democrático de Direito e a Justiça Social. Assim, com a prevalência da lei, cabe a todos o exercício da correta fiscalização de sua aplicação e, acima de tudo, o cumprimento espontâneo de suas determinações. Caso contrário, de forma cogente, o Estado se incumbirá de tal tarefa.

A prisão preventiva, implantada no Código de Processo Penal em 1941, inicialmente obrigatória quando ao crime fosse cominada a pena de reclusão igual ou superior a 10 anos, foi se purificando ao longo do tempo e hoje já atinge um grau de maturidade suficiente para sua aplicação. Os requisitos originários, com o acréscimo da garantia da ordem econômica, atendem satisfatoriamente os reclamos sociais, firmando-se como uma bússola para orientar os problemas penais contemporâneos relacionados com a tutela cautelar e consequente aplicação de medidas bem definidas.

E, nesta angulação, a prisão preventiva apresenta-se como eficiente instrumento para conformar a garantia constitucional e, ao mesmo tempo, com idêntica legalidade, ergue-se como dispositivo com força capaz de determinar a segregação provisória do cidadão, com a necessária segurança social, compreendendo aqui os cuidados de não expô-lo ao risco de ser levado à prisão sem motivo justificado.

Pode-se dizer que, apesar de ser a prisão flagrancial a mais adequada do ponto de vista processual, vez que pilha o agente na prática do ilícito, a preventiva reúne um conteúdo maior de sustentabilidade. Assim, sua construção vem a ser laboratorial, pinçada nos critérios de conveniência e necessidade, afastando definitivamente a ideia de prisão desnecessária, como muitas vezes ocorre na detenção flagrancial.

A fundamentação judicial, o cerne estrutural desta prisão cautelar, quando consistente e reveladora da necessidade da segregação, matiza com as posturas delineadas na operação Lava Jato e possibilita a expedição de decisão que atende às necessidades reais do processo. Os órgãos encarregados da persecução penal, cumprindo rigorosamente o papel de instrução documental e testemunhal, reúnem provas compreendidas nas delações premiadas e outras realizadas a partir delas com desdobros convincentes de práticas ilícitas, superando até com certa folga as exigências mínimas do fumus bonis juris e periculum in mora, indispensáveis pressupostos processuais.

Na estruturação formal e processual da prisão preventiva reside o sucesso das complexas investigações realizadas. Não se trata de decretação por motivos dúbios. Parte-se do pressuposto da prática de um fato considerado delituoso e na intrincada operação realizada sem alardeamento, vão se juntando as peças de um quebra-cabeça, que após ser desvendado, projeta a imagem de uma autoria inconcussa e induvidosa, possibilitando o ajuizamento da ação penal cabível.

Por derradeiro, cabe aqui referência com relação à prisão do senador Delcídio do Amaral. Se for entendida como flagrancial, circunstância que é combatida por parte de juristas, pela ausência do flagrans crimen e a natureza permanente do ilícito, forçosamente deverá seguir as providências inovadoras introduzidas pela lei 12.403/2011, com a conversão da prisão em flagrante em preventiva, desde que presentes os requisitos autorizadores do artigo 312 do Código de Processo Penal. Prova evidente, mais uma vez, que a prisão em flagrante tem vida curta e depende da preventiva para sua existência processual.

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1 Vieira, Ana Lúcia Menezes. Processo penal e mídia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA., 2003, p. 63.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde, advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.

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