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A Reforma Tributária do Governo Federal

José Roberto Pisani e Eduardo Carvalho Caiuby

Em cumprimento às promessas de sua campanha eleitoral, recentemente o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, apresentou ao Congresso Nacional, a Proposta de Emenda à Constituição nº 41, de 2003 ("PEC"), para Reforma Tributária.

terça-feira, 5 de agosto de 2003

Atualizado em 4 de agosto de 2003 13:36

A Reforma Tributária do Governo Federal

José Roberto Pisani

Eduardo Carvalho Caiuby*

Em cumprimento às promessas de sua campanha eleitoral, recentemente o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, apresentou ao Congresso Nacional, a Proposta de Emenda à Constituição nº 41, de 2003 ("PEC"), para Reforma Tributária.

Muito se tem criticado essas propostas do Governo, pois não representam uma verdadeira "Reforma Tributária", mas apenas uma mera revisão do Sistema Tributário Nacional, previsto na Constituição Federal. Com efeito, a PEC não procura melhorar o sistema, diminuindo o número de impostos e contribuições que incidem sobre as mesmas grandezas econômicas, nem procura torná-los mais simples, o que tornaria, em muito, mais simples a vida dos contribuintes. O fim dessa "reforma" é outro, como veremos adiante.

Basicamente, sob o ponto de vista dos contribuintes, a Reforma pode ser dividida em dois grandes grupos de mudança.

O primeiro grupo trata da alteração dos artigos 153, inciso VII (Imposto sobre Grandes Fortunas - "IGF"); 155, inciso IV, e seu § 6º (Imposto Territorial Rural - "ITR"); art. 155, § 1º, inciso IV (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações - "ITCMD"); e art. 156, § 2º (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis - "ITBI").

A primeira alteração constitucional, referente ao Imposto sobre Grandes Fortunas, exclui a atual expressão "nos termos de lei complementar", que consta da parte final do inciso VII do artigo 153. À lei complementar restará ainda, dispor sobre os fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes do IGF. Dessa forma, a instituição desse imposto poderá ser feita mediante a edição de lei ordinária, cuja aprovação pelo Congresso Nacional é significativamente mais fácil do que a complementar, em razão de seu quorum de aprovação. De fato, a aprovação de lei complementar depende de aprovação por maioria absoluta (ou seja, da maioria dos membros do Congresso Nacional, em ambas as casas); enquanto que para a provação da lei ordinária basta a maioria simples (50% dos presentes na sessão mais um), quando presente a maioria dos membros da casa.

Podemos agrupar as alterações dos artigos 155, I, e seu § 1º, IV (ITCMD), 155, IV, e § 6º (ITR); e 156, II, e § 2º, incisos III e IV (ITBI), em uma tendência. Todas essas mudanças buscam tornar esses tributos (reais), que incidem basicamente sobre a poupança dos cidadãos em bens imóveis, em impostos progressivos. Ou seja, esses tributos passarão a ter suas alíquotas de modo a permitir a progressividade do ônus fiscal. No caso do ITR e do ITCMD a PEC prevê, em ambos os casos, que: "será progressivo e terá alíquotas definidas em lei complementar". Em relação ao ITBI, a alíquota poderá ser progressiva em razão do valor do imóvel e poderá, também, ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.

A essas mudanças adicione-se a alteração dos incisos I e II do § 1º do artigo 156 da Constituição Federal, introduzida pela Emenda Constitucional nº 29, de 13.09.2000, que buscou autorizar a cobrança do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana ("IPTU") de forma progressiva em razão do valor do imóvel e com alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.

Além disso, a PEC, ao introduzir um novo inciso (IV) ao artigo 195 da Constituição Federal, torna definitiva a cobrança da Contribuição sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira ("CPMF").

Nota-se, dessa forma, que a PEC busca deitar bases para a cobrança de impostos sobre o patrimônio poupado (propriedade e posse de bens: IGF, IPTU e ITR) e sua mutação (transmissão: venda, herança, doação, etc.). Se for aprovada a PEC, haverá a permissão para o legislador infra-constitucional criar, sem peias (além do conceito indeterminado do "confisco"), uma maior e significativa tributação do patrimônio poupado pelo cidadão-contribuinte.

Há uma clara visão progressista-social nessa parte das mudanças constitucionais da PEC, visando a tributação das classes possuidoras de bens, tributando seu patrimônio, com vistas a uma maior extração fiscal (transferência de recursos do setor privado para o Estado). Se aprovada a referida PEC, vamos aguardar se essas mudanças permitirão, de fato, uma melhor distribuição de renda, com a transferência desses recursos para as classes menos favorecidas, por meio de medidas sociais do Estado.

O segundo grupo importante de mudanças refere-se ao Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços ("ICMS"). As alterações propostas, como veremos, não são menos arrecadatórias. Por tributar o consumo, irão onerar a população indistintamente.

A primeira grande mudança da PEC é retirar da sede constitucional o princípio da não-cumulatividade do ICMS. Atualmente esse princípio está previsto expressamente no inciso I do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal e suas únicas restrições estão previstas no inciso II (a isenção e a não-incidência não implicam crédito e acarretam a anulação do crédito relativo às operações anteriores). De acordo com a nova redação, ao se acrescentar uma parte final ao inciso I do § 2º do art. 155, nos seguintes termos "conforme definido em lei complementar", estar-se-á permitindo a essa espécie de lei que discipline e limite (validamente) esse princípio. Ademais, com a nova redação do § 2º do art. 155, a lei complementar, ao disciplinar esse princípio, poderá vedar o direito a crédito do ICMS ou mesmo determinar a anulação de crédito.

Outra alteração importante do ICMS será a impossibilidade absoluta de concessão de "isenção, redução de base de cálculo, crédito presumido ou qualquer outro incentivo ou benefício fiscal ou financeiro que implique sua redução". Está excepcionada dessa futura proibição constitucional apenas o tratamento diferenciado para as empresas de pequeno porte (art. 170, inciso IX), hipótese em que poderão ser aplicadas as restrições do direito ao crédito e a anulação dos créditos anteriores.

Atualmente, mediante deliberação dos Estados, no Conselho Nacional de Política Fazendária ("CONFAZ"), podem ser concedidos e revogados "isenções, incentivos e benefícios fiscais". Essa alínea do inciso XII do § 2º do art. 155 será alterada de modo a retirar essa sua competência atual.

No Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ("ADCT"), a PEC acrescenta os artigos 90, inciso II, e 92, que selam definitivamente a possibilidade de benefícios e incentivos fiscais relativamente ao ICMS, in verbis:

"Art. 90 - A lei complementar que disciplinar o imposto previsto no art. 155, II, da Constituição, com a redação da por esta Emenda, disporá sobre o regime de transição observado o seguinte:

...............................................

II - fixará prazos máximos de vigência para incentivos e benefícios fiscais, definindo também as regras vigentes à época da concessão, que permanecerão aplicáveis;

............................................."

"Art. 92 - Fica vedada, a partir da promulgação da presente Emenda, a concessão ou prorrogação de isenções, reduções de base de cálculo, créditos presumidos ou quaisquer outros incentivos ou benefícios fiscais ou financeiros, relativamente ao imposto de que trata o art. 155, II, da Constituição."

A pretexto de se encerrar a chamada "Guerra Fiscal" entre os Estados, a Constituição Federal priva os Estados e os contribuintes desse importante instrumento de política fiscal e de dirigismo econômico sadio, que possibilita a redução sensível de tributação de determinadas atividades e/ou produtos, considerados essenciais ou relevantes para a população ou para a economia do País.

Cabe enfatizar, ainda, outra significativa alteração do ICMS nas operações interestaduais. Atualmente, a Constituição Federal disciplina a tributação dessas operações pelo ICMS, no inciso VII do art. 155, § 2º, da seguinte forma: (i) adotar-se-á a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte desse imposto; e (ii) será adotada a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte do ICMS. Na hipótese do item (i), ao Estado do destinatário caberá o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual. De acordo com a Lei Complementar nº 87, de 13.09.1996, o imposto correspondente à diferença de alíquotas é cobrado: (a) em relação aos bens do ativo e de uso e consumo, na entrada do bem no estabelecimento do destinatário; e (b) quanto às mercadorias para serem industrializadas ou comercializadas, quando da posterior saída.

Na proposta da PEC, as operações interestaduais passarão a ser tributadas da seguinte forma:

(a) o imposto será cobrado no Estado de origem, salvo hipóteses revistas em lei complementar;

(b) caberá ao Estado de origem o imposto correspondente à aplicação da alíquota interestadual, não compreendendo, em sua base de cálculo, o valor do IPI, quando configurar o fato gerador de ambos os impostos, nem o ICMS do item seguinte;

(c) caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre o montante que seria devido na operação ou prestação caso fosse interna, incluído o IPI em sua base de cálculo, e aquele devido pela aplicação da alíquota interestadual do item anterior;

(d) nas operações com petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica será aplicada a alíquota interna e o imposto devido caberá integralmente ao Estado de localização do destinatário;

(e) a lei complementar definirá a forma como o imposto devido a que se referem os itens "c" e "d" será atribuído ao respectivo Estado de localização do destinatário e poderá vedar que esse imposto seja objeto de compensação com o montante cobrado nas operações e prestações anteriores e condicionar o aproveitamento do crédito fiscal a ele concernente, para compensação com o montante devido nas operações e prestações seguintes, ao seu pagamento;

(f) somente será considerada interestadual a operação em que houver a efetiva saída de mercadoria ou bem do Estado de onde se encontrem para o Estado de localização do destinatário, assim considerado aquele onde ocorrer a entrega da mercadoria ou bem;

(g) cabe à lei complementar prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado de serviços e de mercadorias.

A PEC revoga, ainda, a possibilidade de lei complementar excluir da incidência do ICMS, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos industrializados (art. 155, § 2º, XII, "e"), tal como ocorre, hoje, por exemplo, com os semi-elaborados.

Por fim, vale ressaltar a inclusão da expressão "a qualquer título" na alínea "a" do inciso IX do § 2º do art. 155, que trata da incidência do ICMS nas importações, de modo a possibilitar a exigência do imposto sobre toda e qualquer entrada de bem ou mercadoria importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja sua finalidade. Se for aprovada essa PEC, os Estados poderão exigir o ICMS sobre qualquer entrada de bens e mercadorias em território nacional, mesmo que não se destinem a se integrar definitivamente à economia nacional (ex.: admissão temporária, drawback, etc.). Pior, sem possibilidade de concessão de qualquer benefício ou incentivo fiscal relativo a esse imposto (como visto acima).

Esse segundo grupo de alterações permitirá o aumento significativo da carga fiscal do ICMS, onerando sobremaneira a circulação de bens e serviços (por ele tributados). Exemplificativamente, podemos arrolar as seguintes conseqüências da PEC: (a) lei complementar poderá disciplinar e limitar validamente o princípio da não-cumulatividade, podendo inclusive criar novas hipóteses de vedação de crédito e de anulação de créditos; (b) serão incluídos novos campos de incidência (por ex.: importações temporárias); (c) serão proibidos quaisquer incentivos e benefícios fiscais, inclusive isenções; (d) haverá a possibilidade de antecipação do imposto nas operações interestaduais (caso não seja mantido o sistema atual, que trata diferentemente as operações entre contribuintes com relação às mercadorias para industrialização e revenda).

Por outro lado, as alterações propostas pela PEC têm o mérito de procurar uniformizar a legislação do ICMS - hoje distribuída em 27 legislações estaduais - na medida em que prevêem o que segue: (a) terá alíquotas internas uniformes em todo território nacional, em um número máximo de cinco; (b) será disciplinado por legislação complementar federal, sendo que a instituição por lei estadual limitar-se-á a estabelecer a exigência do imposto; (c) terá regulamento único, editado por órgão colegiado integrado por representantes de cada Estado e do Distrito Federal (atual CONFAZ); (d) será vedada a adoção de norma autônoma estadual; e (e) deverão ser previstas sanções aos Estados e ao Distrito Federal, ou a seus agentes, pelo descumprimento da legislação federal do imposto, especialmente quanto à proibição de concessão de isenção ou outros benefícios ou incentivos fiscais.

Em resumo, a proposta de Reforma Tributária, nos termos da PEC apresentada pelo Governo Federal ao Congresso Nacional, apesar de apresentar alguns pontos positivos, traz em si, duas grandes mudanças no Sistema Tributário Nacional. A primeira, representada pelo primeiro grupo de mudanças (tratado no início deste trabalho), busca aumentar a tributação do patrimônio das classes possuidoras de bens. A segunda, mais pragmática, procura, a pretexto de uniformizar o ICMS e vedar a "Guerra Fiscal", aumentar dramaticamente a tributação da circulação de mercadorias e serviços (de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação) pelo ICMS. Em ambos os casos, a PEC permitirá o aumento significativo da extração fiscal, em detrimento do setor privado (já tão carente de recursos financeiros).

Cabe à população, principalmente aos empresários e dirigentes das fontes de produção do setor privado, analisar as conseqüências da "Reforma Tributária" e decidir sobre o modelo de tributação que está disposta a se sujeitar e, especialmente, se há necessidade de se permitir um aumento da carga fiscal brasileira.

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* Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados

**Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

 

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