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Violações à livre iniciativa e à livre concorrência praticadas pelo PL 569/16

Tema que atualmente se encontra em debate perante a ALESP e que pode afetar diretamente todos os paulistas envolve o PL 569/16.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Atualizado em 3 de outubro de 2016 08:51

Tema que atualmente se encontra em debate perante a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) e que pode afetar diretamente todos os paulistas envolve o PL 569/16.

Isto porque a proposta apresentada pelo deputado Campos Machado, do PTB, proíbe, nos termos de seu artigo 1º, "a prestação de serviço de entrega rápida de encomenda realizada por veículos sobre duas rodas (motofrete), quaisquer que sejam elas, quando cadastradas e executadas por intermédio de aplicativos de plataformas virtuais, na Internet, para o oferecimento desse serviço."

Além disto, fica também vedada a associação, para a prestação deste serviço, entre estabelecimentos comerciais e as efetivas empresas administradoras dos aplicativos, conforme teor do artigo 2º.

Em seguida, conforme toda norma de caráter proibitivo, são estabelecidas punições para o caso de descumprimento, quais sejam:

a) Multa no valor de 80 (oitenta) UFESP's. Como o valor da UFESP para o ano de 2016 é de R$ 23,55 (vinte e três reais e cinquenta e cinco centavos), esta multa atualmente chega ao elevado patamar de R$ 1.884,00 (um mil oitocentos e oitenta e quatro reais);

b) Apreensão do veículo, que certamente é o ganha pão do motociclista que efetuou o transporte;

c) Eventuais outras punições previstas em lei.

Ao apresentar suas justificativas para a apresentação deste PL, o deputado Campos Machado afirma, dentre outros argumentos, que ocorre uma concorrência desleal entre as empresas de aplicativo, que efetuam a intermediação das corridas através de seus sistemas, e aquelas que efetivamente contratam os motociclistas como seus empregados.

Em sequência ao trâmite deste PL, o mesmo foi encaminhado à Comissão de Constituição, Justiça e Redação da ALESP, para a emissão do primeiro parecer técnico a respeito do Projeto.

O relator designado para tal análise foi o deputado Afonso Lobato, que proferiu, adentrando ao mérito da constitucionalidade ou não do PL em relação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, o seguinte voto:

"Há, também, indevida ingerência do Estado na atividade econômica e na liberdade dos cidadãos, já que a Constituição Federal, nos artigos 1º, IV, e 170, caput e IV, assegura a livre iniciativa e a livre concorrência. A esse respeito pontua com propriedade Daniel Sarmento:

'conquanto a liberdade de concorrência proteja os agentes econômicos diante de regulações estatais restritivas, o seu foco principal não é a proteção desses agentes, mas sim a tutela dos interesses dos consumidores, que são prejudicados pela imposição de limites injustificados à sua liberdade de escolha. Portanto, a criação de embaraços estatais à competição, com a instituição de reservas e privilégios a empresas ou grupos específicos, viola não apenas os direitos dos potenciais concorrentes prejudicados. Mais que isso, ela ofende os interesses dos consumidores e da própria sociedade.'

Por fim, mesmo não sendo objeto de análise por esta Comissão, é preciso dizer, no que se refere ao mérito do projeto, que há um flagrante descompasso com a realidade da sociedade brasileira e com a velocidade dos novos meios de comunicação e inovação tecnológica. A tentativa de obstaculizar o uso de aplicativos de plataformas virtuais para o fechamento do comentado serviço não se coaduna com um Estado que sempre esteve na vanguarda nacional, e que sempre se colocou à frente em termos econômicos, sociais e tecnológicos. Nesse sentido, o direito, como instrumento de coesão social, deve também evoluir para que esteja em consonância com a sociedade atual".

É importante salientar que, utilizando a argumentação acima e outros pontos que não serão objeto do presente artigo, o voto proferido pelo relator foi contrário à aprovação do PL 569/16.

A intenção deste PL é tornar ilegal, no estado de SP, a prestação de serviços de entrega de encomendas, por veículos de duas rodas, em situações nas quais ocorra a intermediação da corrida entre cliente e prestador do serviço por aplicativo eletrônico, entre muitos outros que existem no mercado atualmente.

Deste modo, o intuito do presente artigo é demonstrar que, além de trazer prejuízos aos paulistas em geral, o PL viola um dos fundamentos da República, qual seja, a livre iniciativa, bem como um dos princípios basilares da atividade econômica, nada menos do que a livre concorrência, conforme inclusive já verificado pelo relator deputado Afonso Lobato.

Inicialmente, então, é importante salientar que os princípios ora debatidos encontram previsão expressa na Constituição Federal, mais precisamente no artigo 1º, IV, e no artigo 170, que são abaixo transcritos:

"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

IV - livre concorrência;

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei".

Inobstante a expressa previsão legal destes institutos, faz-se necessário, para melhor entendimento deles, observarmos as precisas palavras do professor Alexandre de Moraes, doutrinador renomado no âmbito constitucional:

"A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

 os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa: é através do trabalho que o homem garante sua subsistência e o crescimento do país, prevendo a Constituição, em diversas passagens, a liberdade, o respeito e a dignidade ao trabalhador (por exemplo: CF, arts. 5º, XIII; 6º; 7º; 8º; 194-204). Como salienta Paolo Barile, a garantia de proteção ao trabalho não engloba somente o trabalhador subordinado, mas também aquele autônomo e o empregador, enquanto empreendedor do crescimento do país;

A ordem econômica constitucional (CF, arts. 170 a 181), fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos expressamente previstos em lei e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios previstos no art. 170.

São princípios gerais da atividade econômica: livre concorrência: constitui livre manifestação da liberdade de iniciativa, devendo, inclusive, a lei reprimir o abuso de poder econômico que visar a dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (CF, art. 173, § 4º);"1

Portanto, resta evidente que, no caso de aprovação do PL em comento, restarão mortalmente feridas a livre iniciativa e a livre concorrência pelos seguintes motivos:

Primeiro: a proibição, no âmbito do estado de SP, da realização desta atividade de transporte por intermédio de aplicativos, que não é vedada legal e/ou constitucionalmente, viola cabalmente o direito ao livre exercício de qualquer atividade econômica, que é inerente à livre iniciativa.

Nunca é demais lembrar que as empresas administradoras de aplicativos também possuem empregados registrados para poder desenvolver suas atividades. Além disso, não se pode impedir que motofretistas empreendedores individuais, devidamente autorizados pelo Poder Público, concorram com empresas de motofretes e sejam seus próprios patrões em detrimento de uma relação de emprego deteriorada entre o empregado motofretistas e seus empregadores.

Segundo: o PL não sana hipótese de concorrência desleal, conforme mencionado nas justificativas do deputado Campos Machado, mas apenas beneficia as empresas que exclusivamente contratam como empregados os motociclistas ao simplesmente banir do mercado atividade que também possibilita a mesma atividade sob outra roupagem, mas que em momento algum é considerada irregular por qualquer outra norma positivada. Pelo contrário: a exclusão da atividade de transporte por intermediação das empresas de aplicativo acaba por trazer monopólio das empresas de motofrete, excluindo qualquer tipo de concorrência, especialmente dos motofretistas microempreendedores individuais.

Mais uma lembrança se faz necessária: quem concorre com as empresas de motofrete não são as empresas de tecnologia por meio de aplicativos eletrônicos, mas os próprios motofretistas empreendedores individuais. Então o que quer o PL criticado, certamente incentivado pelas empresas de motofretes e seus sindicatos, é criar privilégios e monopólio a favor das empresas de motofrete, excluindo a concorrência de microempreendedores individuais.

Terceiro: os consumidores também são diretamente afetados pelo PL. Isto porque, ao perderem a possibilidade de contratar os serviços através do intermédio das empresas de aplicativo, ficam à mercê dos preços e condições das empresas de motofrete, sem qualquer outra alternativa!

Pelo exposto, então, há de se analisar com bastante cautela o PL 569/16, pois embora conste em suas justificativas que seu intuito é também sanar suposta concorrência desleal, é possível vislumbrar de seu teor claras violações à livre iniciativa e à livre concorrência e, consequentemente, à própria Constituição Federal, sendo que tais disposições afetam diretamente toda a população paulista, seja enquanto consumidores, motofretistas, empregados das empresas de aplicativos e/ou as próprias empresas de aplicativo, criando privilégios a sindicatos e empresas de motofretes que só seriam admissíveis em uma República frágil, com um Poder Legislativo debilitado, e sem a seriedade que se espera de uma democracia madura.

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1 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15. ed. - São Paulo: Atlas, 2004. Fls. 52 / 678-679.

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*Marco Aurélio de Carvalho é sócio da banca Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados.







*Saulo Vinícius de Alcântara é sócio da banca Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados.


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