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STF, a saúde pública ou os interesses da indústria do tabaco?

Que o STF siga o exemplo de outras Supremas Cortes da América Latina, e reconheça a constitucionalidade de uma efetiva medida de controle do tabagismo, que afeta direta e positivamente o direito humano à saúde.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Atualizado às 10:03

No dia 21 de junho, ministros e ministras do Supremo Tribunal Federal julgarão a constitucionalidade de norma da Anvisa (RDC 14/12) que proíbe o uso de aditivos em produtos de tabaco, em ação promovida por entidade sindical da indústria do tabaco, a Confederação Nacional da Indústria. Será a primeira decisão da Suprema Corte brasileira sobre uma medida de controle do tabaco.

Está comprovado que fabricantes de cigarros fazem uso de aditivos que aumentam a atratividade e palatabilidade de produtos do tabaco, e que tornam o cigarro mais viciante e perigoso para a saúde. Os aditivos facilitam a primeira tragada, abrindo o caminho para que se estabeleça a dependência e o consumo regular.

Assim, inconstitucional seria a Anvisa se omitir e não adotar medidas para coibir essa prática perversa da indústria do tabaco. A agência tem como finalidade legal da sua atividade regulatória, proteger a população para evitar a ampliação de prejuízos à saúde, que neste caso é o estímulo ao tabagismo e aumento da prevalência no país.

Para evitar que o primeiro contato com o cigarro seja ruim, pelo efeito aversivo da nicotina e do sabor desagradável do tabaco, as empresas usam aditivos de aromas e sabores que tornam o produto especialmente atrativos para crianças e adolescentes. Com a combustão, aditivos como menta e açúcar tornam-se altamente prejudiciais à saúde.

A indústria do tabaco transformou um produto já letal e viciante em algo ainda pior, expondo os fumantes a um risco ainda maior de dependência, doenças e morte.

Essa estratégia para atrair jovens para um produto que causa tantos malefícios é ainda mais cruel considerando a dependência causada pela nicotina. Os adolescentes são especialmente vulneráveis aos seus efeitos e têm maior probabilidade de desenvolverem a dependência.

Tem dado certo essa estratégia perversa. Pesquisa com estudantes entre 13 e 15 anos de idade, no Brasil, revela que quase 60% preferem cigarro com sabor, e 60,8% dos que compram cigarros com aditivos apontam o sabor como o ponto alto do cigarro. No Brasil, a experimentação do cigarro foi de 18,4%, entre escolares do 9º ano do ensino fundamental, situação que se agrava para alunos de escolas públicas.

O tabagismo é considerado uma doença pediátrica, pois quase 90% dos fumantes regulares começa a fumar antes dos 18 anos. Por isso, a iniciação precoce ao tabagismo é uma questão de saúde pública, sendo importante a adoção de medidas para prevenir a iniciação ao consumo, reduzindo a atratividade e palatabilidade dos produtos de tabaco.

Diante dessa realidade e cumprindo sua função institucional, a Anvisa abriu consulta pública e discutiu amplamente com a sociedade civil e indústria a proibição de aditivos em produtos de tabaco, com base em estudos da área técnica da agência. De forma pioneira, aditivos em produtos de tabaco foram proibidos no Brasil em 2012, conforme relação prevista na própria norma.

Está medida está de acordo com a Convenção Quadro para o Controle do Tabaco - decreto 5.658/06, tratado internacional de saúde pública, ratificado por 180 países. A medida, portanto, tem fundamento jurídico e técnico, já que todo o tratado é baseado em evidências científicas e nas melhores práticas.

Contudo, uma liminar da ministra Rosa Weber em setembro/2013 suspendeu seus efeitos, e a indústria do tabaco pôde dar continuidade à sua estratégia de negócio para expandir o comércio de cigarros com sabores e disseminar o tabagismo entre crianças e jovens, conforme mostram os dados de 2014, quando 67 marcas com flavorizantes foram registradas, de 2015, com 87 marcas, e de 2016, com 80 marcas. Só para efeito de comparação, nos anos de 2010 e 2011, foram registradas 45 e 60 marcas com sabor, respectivamente.

A identificação dos aditivos a serem proibidos é fruto de conhecimento técnico, de estudos e evidências científicas, o que demonstra o caráter específico da norma que não poderia ser simplesmente fruto de atuação do Poder Legislativo.

Dada a complexidade técnica da matéria, a decisão pela proibição de aditivos nos produtos de tabaco só poderia advir de órgão com expertise técnica no tema, como é a Anvisa.

Esse é também o entendimento da Advocacia Geral da União e do Senado Federal, conforme os respectivos pareceres apresentados e informações prestadas neste processo. Somente possuem entendimento divergente a Confederação Nacional da Indústria (leia-se, a indústria do tabaco), e os amici curiae que lhe apoiam, todos, portanto, com interesse econômico no tema.

Que o STF siga o exemplo de outras Supremas Cortes da América Latina, e reconheça a constitucionalidade de uma efetiva medida de controle do tabagismo, que afeta direta e positivamente o direito humano à saúde, e pondere os princípios constitucionais do artigo 170, dê eficácia à proteção do consumidor, e garanta a efetividade do artigo 227, da Constituição Federal, para assegurar às crianças, com prioridade absoluta o direito à vida, à saúde, à dignidade e ao respeito, parte da população mais afetadas pelo tabaco colorido e perfumado, reconhecendo a autoridade da Anvisa para a proibição desses produtos.

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Daniela Teixeira é advogada.









Adriana Carvalho é coordenadora jurídica da Associação de Controle do Tabagismo, Promoção da Saúde e dos Direitos Humanos - ACT Promoção da Saúde.

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