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Acessibilidade nas escolas particulares: quem paga essa conta?

A presente pesquisa discute inicialmente o papel interventivo do Estado na iniciativa privada a fim de compeli-la a exercer função que é essencialmente pública e demonstra as preocupações e consequências da aplicação imediata do Estatuto da Pessoa com Deficiência à rede privada de ensino no Brasil.

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Atualizado em 9 de novembro de 2017 13:19

1- INTRODUÇÃO

Em 2008, foi lançada a política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva e aprovada, por meio de emenda constitucional, a convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência. De acordo com a convenção, devem ser assegurados sistemas educacionais inclusivos em todos os níveis.

Com a entrada em vigor da Lei Federal 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), em janeiro de 2016, os critérios e exigências de custeio de atendimento a alunos com necessidades especiais se tornaram mais rígidos. A partir de então, os custos extras com esses cidadãos não poderiam mais ser repassados a seus representantes legais e deveriam ser diluídos nos custos totais da instituição e, portanto, suportados pelos preços pagos pela coletividade de consumidores daquela escola.

Este tema foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5357) proposta pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN) dado os grandes transtornos em sua aplicação, tema este que será abordado neste artigo.

2- LEGISLAÇÃO

O atendimento ao portador de necessidades especiais, segundo a Constituição Federal é dever primordial do Estado, que estabelece:

"Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

(...)

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos.

II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação."1 (grifo nosso)

Além da Constituição, outras leis específicas e decretos legislativos garantem direitos às pessoas com necessidades especiais através da definição de normas e adequações que devem ser incorporadas tanto pela iniciativa privada como pelo poder público.

A lei 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) foi a última lei concernente ao assunto a entrar em vigor em nosso país e vem causando grande polêmica.

O que se discute é que as obrigações impostas nesta lei, que são constitucionalmente do poder público, foram estendidas à iniciativa privada como se as adaptações ali elencadas fossem inerentes à atividade já exercida naqueles estabelecimentos.

O artigo 28 desta mesma lei, cria um rol exaustivo de medidas a serem adotadas por essas instituições para que se tornem aptas a receber alunos com qualquer tipo de deficiência, que desejem se matricular e cursar o ano letivo nessas instituições.

Importante ressaltar que, a escola deve realizar todas as adaptações necessárias para este acolhimento e não pode cobrar nenhum valor excedente deste aluno. Vejamos o que dispõe a lei:

Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:

(...)

§ 1º Às instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, aplica-se obrigatoriamente o disposto nos incisos I, II, III, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XVIII do caput deste artigo, sendo vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações. 2

Neste contexto, importante salientar as formas de financiamento 3 da educação escolar: Por um lado, tem-se a rede pública que é financiada pelos tributos e, do outro lado a rede privada, financiada na forma da lei 9.394/96 (autofinanciamento), que é regulada pela lei 9.870/99, e que, diferente da primeira, encontra limites no poder econômico das famílias que optam pelo ensino particular.

Diante disso, os alunos que estudam na rede pública estão de fato gozando de um direito garantido por uma política pública, diferente do que acontece com o aluno da iniciativa privada.

A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (COFENEN) apresentou Ação Direta de Inconstitucionalidade buscando afastar as obrigações impostas pelo Estatuto às instituições privadas de ensino, especialmente no que tange a proibição de repasse de custos ao consumidor deficiente, além de inúmeras providências previstas nos artigos 28 e 30.

Diante desta situação, em 9/6/16, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou constitucionais as normas questionadas do Estatuto da Pessoa com Deficiência, tendo, contudo, divergido do entendimento majoritário da Corte, o ilustre Ministro Marco Aurélio que salientou que "O Estado não pode cumprimentar com o chapéu alheio, não pode compelir a iniciativa privada a fazer o que ele não faz porque a obrigação principal é dele [Estado] quanto à educação. Em se tratando de mercado, a intervenção estatal deve ser minimalista. A educação é dever de todos, mas é dever precípuo do Estado"4.

Apesar do julgamento desta ADI, a aplicação desta lei, ainda continua sendo extremamente questionada, tendo em vista, também, a falta de preparo, principalmente técnico, das instituições que passarão a atender um público para o qual não tem formação.

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1 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

2 BRASIL, lei 13.146/14. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), Diário Oficial, Brasília, 6 jul.2015.

3 Lei 13.005/15 Plano Nacional de Educação - Art. 5º - § 4º O investimento público em educação a que se referem o inciso VI do art. 214 da Constituição Federal e a meta 20 do Anexo desta lei engloba os recursos aplicados na forma do art. 212 da Constituição Federal e do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, bem como os recursos aplicados nos programas de expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior, os subsídios concedidos em programas de financiamento estudantil e o financiamento de creches, pré-escolas e de educação especial na forma do art. 213 da CF.

4 ADI 5357, Relator (a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 9/6/16, publicado em 20/6/16.

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*Ana Gabriela Rezende Rego é advogada associada do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha, Lopes e Freitas Advogados, especialista em Direito Empresarial.

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