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O agronegócio e os gargalos de logística

Por que o Poder Público não promove (ou fomenta) mais investimentos em infraestrutura e logística? O que falta para isso acontecer?

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Atualizado em 4 de janeiro de 2018 13:29

Em 2017, o agronegócio brasileiro vem batendo recordes de produção e exportação. Nenhuma novidade. A notícia parece velha, pois se repete ano a ano, mesmo em tempos de crise. A demanda do mercado internacional, aliada a fatores como a safra recorde, favorecida pelo clima, pela tecnologia e pelo empreendedorismo dos produtores brasileiros, vem permitindo que a produção nacional supere as expectativas.

A exportação de soja foi de aproximadamente 50 milhões de toneladas no ano e a exportação de milho de aproximadamente 30 milhões de toneladas no ano - algo que, se fosse dito há 20 anos, não seria levado a sério.

Mas há outra notícia que, ao contrário da anterior, é negativa, apesar de também não ser nova: os gargalos na infraestrutura e no sistema de logística do transporte representam o maior entrave para o pleno desenvolvimento do agronegócio, pois aumentam o tempo e as despesas de exportação (fobbing).

Ou seja, o Brasil ainda não está nem perto de superar um velho paradoxo: apesar da pujança do agronegócio, a infraestrutura e a logística de transporte (rodovias, ferrovias e portos) são deficitárias. As dificuldades são notórias. As vias de escoamento da safra não funcionam de forma eficiente. A maior parte da produção é escoada pelo modal rodoviário, a um custo maior do que as ferrovias e hidrovias. O sistema portuário, embora tenha evoluído nos últimos anos, ainda apresenta carências.

O que se pode extrair desse quadro é que a infraestrutura e a logística de transporte não atendem satisfatoriamente a demanda do agronegócio, elevando custos e travando o desenvolvimento. É mais do que conhecida a necessidade de solução desses gargalos para atender à crescente demanda do agronegócio voltado para a exportação.

Certo que existe um fator geográfico que dificulta esse trabalho: a enorme distância entre a porta da fazenda e o porto de embarque. Mas isso não é privilégio brasileiro. Nos Estados Unidos, maior concorrente do Brasil na produção de soja e milho, a produção também se encontra distante do porto. Porém, lá a infraestrutura e a logística trabalham de forma eficiente para encurtar esse caminho e diminuir os custos de exportação. Aqui, os custos ainda são muito elevados.

Apenas como exemplo, tome-se o custo médio de deslocamento da produção (porteira-porto) em uma distância de aproximadamente 1.500km. Nos EUA, esse custo gira em torno de US$30.00 por tonelada (para sair do Estado de Illinois até o porto de New Orleans). No Brasil, esse custo gira em torno US$90.00 por tonelada (para sair do Estado do Mato Grosso até os portos de Paranaguá ou Santos). Em outras palavras, o custo médio de transporte da produção no Brasil é cerca de três vezes maior do que nos EUA. Logo, o problema não é a propriamente distância, mas a eficiência em transpô-la.

Em vista disso, remanesce uma questão fundamental: por que o Poder Público não promove (ou fomenta) mais investimentos em infraestrutura e logística? O que falta para isso acontecer?

O agronegócio sempre teve papel fundamental na história do Brasil. Mesmo em período de grave crise econômica e política, vem confirmando o seu papel impulsionador da economia. Trata-se de um setor econômico que só avança, com grandes perspectivas para o futuro em vista o constante aumento da demanda por grãos nos mercados consumidores do exterior, e que, precisamente por isso, não pode se dar ao luxo de aguardar a iniciativa estatal.

Não que não exista iniciativa estatal. Contudo, nem sempre a evolução dos mecanismos jurídicos, como a lei de reestruturação do transporte aquaviário e terrestre (lei 10.233/01), a lei das PPP (lei 11.079/04) ou a nova Lei dos Portos (lei 12.815/13), se traduz em soluções práticas tempestivas por parte do Estado. O timing estatal não acompanha a dinâmica do agronegócio.

Nesse contexto, o que se tem percebido (e talvez aqui haja alguma novidade) é uma verdadeira inversão de papéis: não é a infraestrutura estabelecida pelo Estado (ou por quem lhe faça as vezes) que fomenta o desenvolvimento do agronegócio, mas o oposto. É a iniciativa privada ligada ao agronegócio que, cansada de esperar, encontra espaço para fomentar infraestrutura e a logística no setor do transporte.

Um exemplo claro disso é a "PPP Caipira", que viabilizou a recuperação de estradas estatuais no Estado do Mato Grosso. Nesse caso, os produtores da região se uniram em consórcios ou associações sem fins lucrativos para recuperar as rodovias com capital próprio, cobrando pedágio para sua manutenção.

Outro exemplo é o da Ferrogrão, um projeto de corredor ferroviário que parte do Mato Grosso atravessando a região norte até o Porto de Miritituba, no Rio Tapajós. Esse projeto foi desenvolvido por um grupo de produtores e de tradings. Espera-se que seja levado adiante pelo Governo Federal.

E há também o exemplo dos portos, que envolve tanto os investimentos privados realizados dentro dos portos públicos, quanto os investimentos aplicados na criação de novos portos privados.

Ou seja, tem havido uma crescente substituição da atuação do Estado pela iniciativa privada, por sua conta e risco, no desenvolvimento da infraestrutura e da logística necessária para viabilizar a exportação. A razão desse fenômeno é evidente: o agronegócio precisa de soluções mais rápidas e mais eficientes.

Portanto, a resposta para a questão antes apontada talvez seja mais simples do que possa parecer: o que falta é o Estado dar mais espaço para a iniciativa privada agir, em vez de assumir para si a responsabilidade de atuar em setores que já demonstrou não ter capacidade para desenvolver.

O que se cogita, em última análise, é uma alteração de postura e de mentalidade da atuação estatal. Parece evidente a necessidade de o Estado colaborar com a iniciativa privada (e não o inverso), de modo que sejam implementadas soluções mais eficazes para os gargalos de infraestrutura e de logística que travam o desenvolvimento da economia do agronegócio.

Trata-se de uma mudança de paradigma, em que o Estado diminui sua atuação como idealizador e implementador das soluções necessárias, passando a ser responsável por criar as oportunidades para que a iniciativa privada implemente por conta própria essas soluções.

Mecanismos jurídicos não faltam. Assim como também não falta capacidade de investimento da iniciativa privada. No Brasil, o que falta é iniciativa pública, ou seja, capacidade do Estado de promover soluções seguras e viáveis para os gargalos que impedem o desenvolvimento.

Mais do que nunca parece uma boa oportunidade para se abrir espaço aos agentes econômicos com maior capacidade para realizar esses objetivos. Espera-se que no futuro próximo essa mudança se concretize, de modo a permitir a transformação da infraestrutura atual e a superação dos gargalos logísticos.

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*Alexandre Wagner Nester é mestre em Direito do Estado pela UFPR, doutorando em Direito do Estado pela USP e advogado do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados.

*Ricardo de Paula Feijó é especialista em Direito Administrativo e advogado do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados.

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