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A busca por eficiência e a adoção de modelo de precedentes

A técnica de utilização de precedentes não só traz maior segurança ao juiz no momento de decidir como também permite que a parte e seus advogados possam refletir melhor sobre as chances de êxito em uma ação ou recurso.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Atualizado em 8 de janeiro de 2018 12:55

Na entrada do recesso forense deste último ano, o Superior Tribunal de Justiça divulgou em seu site oficial alguns números referentes ao desempenho da Corte quanto ao total de processos julgados no ano de 2017. Nessa publicação,1 há a informação de que o STJ reduziu 11% do acervo de processos, com 362.728 processos julgados (sem contar agravos e embargos de declaração). Essa mesma notícia traz declaração da presidente da Corte, ministra Laurita Vaz, que destaca algumas iniciativas que contribuíram para o aumento da produtividade, como o refinamento da triagem inicial do processo, a implantação da afetação eletrônica de recursos repetitivos, a sensibilização dos entes públicos para maior uso da intimação eletrônica, a integração com tribunais para recebimento eletrônico de dados cadastrais de processos e a adesão do Tribunal de Justiça de São Paulo ao malote digital.

Como se observa por essas colocações, um dos fatores que certamente contribui para a eficiência da prestação jurisdicional e a celeridade processual é a melhora na estrutura dos tribunais, que vai desde o investimento em pessoal até a implantação de recursos eletrônicos. Muito se fala de alterações de leis processuais como forma de desafogar os tribunais dos inúmeros processos que dão entrada a cada dia, mas apesar de essas reformas legislativas de fato serem fundamentais, não se pode esquecer também que é necessário ocorrer conjuntamente o investimento em estrutura para se alcançar metas mais ousadas no que diz respeito à redução de número de processos.

Outro ponto também mencionado pela presidente do STJ diz respeito ao trabalho desenvolvido pela Comissão Gestora de Precedentes, que buscou maior integração com a segunda instância de modo a racionalizar a gestão do sistema de precedentes. Essa Comissão foi criada pela emenda regimental 26, de 13 de dezembro de 2016, e entre suas atribuições destacam-se: (i) controlar e acompanhar os processos sobrestados no STJ; (ii) sugerir medidas para o aperfeiçoamento da formação e da divulgação dos precedentes qualificados; (iii) desenvolver trabalho de inteligência, em conjunto com o CNJ, com os TRFs e com os TJs, para identificação de matérias com potencial de repetitividade ou com relevante questão de direito; (iv) deliberar sobre questões que excedam a esfera de competência administrativa do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes - Nugep, além de outras atribuições referentes a casos repetitivos e a incidentes de assunção de competência.

Nesse sentido, a própria criação da Comissão Gestora de Precedentes revela duas frentes quanto ao incentivo em tornar mais eficiente o julgamento de processos pelos tribunais, quais sejam, (i) o investimento em estrutura e (ii) a valorização do uso da técnica de invocar precedentes.

Sobre esse segundo aspecto, o ordenamento jurídico brasileiro tem caminhado em direção a um modelo que confere maior relevância ao direito jurisprudencial, o que ganhou ainda mais destaque com o Código de Processo Civil de 2015. É inegável que esse modelo tende a contribuir para tornar os julgamentos mais céleres e desafogar os tribunais soterrados por uma avalanche de processos. Mas esses efeitos positivos não podem servir de justificativa para a aplicação automática e com fundamentação padronizada de precedentes.

Atento a isso, o legislador procura evitar esse tipo de prática e o art. 489, § 1º, inciso V, do CPC/15, estabelece que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial que ''se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos''.

Não cabe ao julgador simplesmente aplicar enunciado de súmula ou precedente sem examinar as circunstâncias que motivaram a tese jurídica desse precedente e sua semelhança com o caso concreto a ser julgado. Se assim o fizesse, estaria encarando o enunciado ou precedente como norma abstrata, sem enfrentar os argumentos trazidos pelas partes e sem analisar a identidade dos contextos litigiosos que permitiria chegar à mesma conclusão para a hipótese em julgamento.

Não é tão simples, como se vê, a tarefa de utilizar o direito jurisprudencial como técnica para julgamento. O CPC/15 trouxe novos desafios ao juiz nesse aspecto, que deverá motivar sua decisão confrontando o precedente com o caso a ser julgado. Mesmo se não entender pela aplicação do enunciado de súmula ou precedente, tem o dever de ''demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou superação do entendimento'', como prescreve o art. 489, § 1º, inciso VI, do CPC/15.

Nessa perspectiva, a valorização do direito jurisprudencial implica também em uma nova forma de encarar o dever de motivar, de sorte que seria um equívoco imaginar que haveria um abrandamento desse dever.

Essa constatação, porém, não contradiz o que foi dito sobre eficiência e redução do número de processos nos tribunais. A técnica de utilização de precedentes não só traz maior segurança ao juiz no momento de decidir como também permite que a parte e seus advogados possam refletir melhor sobre as chances de êxito em uma ação ou recurso.

Torna-se ainda mais necessário buscar por unidade e integridade do direito quando o legislador opta por utilizar cláusulas gerais e ''conceitos jurídicos indeterminados'', o que é recorrente no ordenamento brasileiro. Sobre essa busca por unidade, Dworkin2 elabora a teoria do ''direito em cadeia'' (The Chain of Law), e faz uma analogia entre a atividade do juiz e a composição de um romance em série escrito por vários romancistas. Assim, cada escritor dessa cadeia interpreta o capítulo que lhe foi dado e em seguida deve escrever outro capítulo em sequência, sempre tendo em vista construir um romance da melhor forma e bem estruturado. Esse é o papel do juiz, a quem cabe interpretar o julgado anterior (precedente) e construir uma decisão coerente e devidamente motivada para que esta também possa servir de base para outra decisão futura.

Portanto, a adoção de um modelo que procura valorizar os precedentes é extremamente válida a proporcionar maior segurança jurídica e eficiência no julgamento, de modo a reduzir o número de processos do acervo dos tribunais. No entanto, não pode ser vista como ''a'' solução, já que é indispensável não apenas reformas legislativas como investimentos em estrutura. Também não pode ser utilizada como forma de abrandar o dever de motivar inerente às decisões judiciais, de modo que cabe ao juiz fundamentar sua decisão e demonstrar a identidade do caso em julgamento com o precedente invocado.

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1 Disponível em: STJ encerra ano com redução recorde de 11% no acervo de processos

2 DWORKIN, Ronald. Law's Empire. Cambridge: Harvard University Press, 1995, p. 229.

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Marco Antonio B. M. Ziebarth é sócio fundador do escritório Escudero & Ziebarth Advogados e mestrando em direito processual civil.

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