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A legislação trabalhista e o direito dos transgêneros no ambiente organizacional

Erika de Mello

Diante do choque cultural e da intolerância, cabe aos empregadores promoverem campanhas e ações educativas de conscientização sobre o tema, bem como reprimir, através de seu poder disciplinar, condutas e atitudes de hostilização ou discriminação, sob pena de serem considerados omissos, respondendo diretamente pelo eventual assédio moral, ainda que horizontal.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Atualizado em 8 de janeiro de 2018 18:44

A legislação brasileira moderniza-se no sentido de assegurar os direitos individuais dos cidadãos transgêneros. O entendimento dos nossos tribunais, que tratam do assunto majoritariamente na esfera social e de maneira generalizada, determina que os indivíduos transgêneros têm o direito de usar seu nome social, assim como utilizar o sanitário de acordo com o gênero com o qual se identificam e se apresentam publicamente.

Tal fato preserva os seus direitos constitucionais individuais - da dignidade da pessoa humana, direito à identidade, direito ao reconhecimento, direito à igualdade e a não discriminação. Mas, e se um colaborador assumisse a troca de gênero e solicitasse a sua empresa o uso do sanitário com o qual se sente mais confortável?

Embora aqui esteja abordando uma questão hipotética, essa tem sido a realidade de muitas companhias no Brasil. É crescente o volume de consultas a respeito dessa questão, principalmente por se tratar de uma novidade dentro do ambiente corporativo.

O Ministério Público do Trabalho editou portaria assegurando que travestis, transexuais e pessoas cuja identificação civil não reflita sua identidade de gênero, passam a ter direito de usar o nome social em suas atividades, além de garantir ainda o acesso a banheiros e vestiários de acordo com a identidade de gênero escolhida pela pessoa.

Outros órgãos também se manifestaram em favor da inclusão dos transgêneros. A Administração Pública Federal, através do decreto 8.727/16, endossa o entendimento do Ministério Público do Trabalho, assim como o governo do Estado de São Paulo também se posicionou com a publicação do decreto 55.588/10, que dispõe sobre o tratamento nominal das pessoas transexuais e travestis nos órgãos públicos do Estado de São Paulo.

Mesmo quando amparados na legislação, os empregadores estão lidando com conflitos gerados por argumentações contrárias, baseadas na proposta de proteção ao suposto direito inverso, no sentido de que o uso do banheiro por um colaborador transgênero causaria constrangimento aos demais.

Essa é uma argumentação que não se sustenta, pois, o entendimento é de que a empresa, assim como qualquer ambiente de frequência de pluralidade de pessoas, pode adotar medidas de preservação da intimidade, seja qual for o sexo ou gênero, através, por exemplo, da disponibilização de box individuais para utilização por todos os empregados que frequentam o sanitário e optem pela intimidade quando trocam de roupa ou fazem suas necessidades.

Diante desse cenário, temos dialogado com empresas de diversos setores da economia para entender, independentemente do que diz a legislação, quais medidas têm sido utilizadas como tentativa de garantir direitos individuais e coletivos. Mitigando e solucionando os conflitos, encontramos diversos tipos de ações.

Algumas empresas optaram por ações extremistas, como a adoção de banheiros e vestiários destinados exclusivamente aos colaboradores transgêneros, sendo que rapidamente foram questionadas pela prática tida por discriminatória, com imposição de sanções administrativas e condenações judiciais, exatamente porque está evidente que a ação é contrária à inclusão social.

Outras companhias decidiram enfrentar a questão através da transformação de todos os seus sanitários em ''unissex'', mas a decisão desencadeou conflitos protagonizados pelo público que não se conformava em aceitar a diversidade no uso dos banheiros.

Identificamos empresas que mantiveram seus sanitários segregados por gênero e seus colaboradores não apresentaram nenhuma resistência na utilização por colegas transgêneros, principalmente as companhias com perfil mais moderno e público mais jovem entre os empregados.

Diante do choque cultural e da intolerância, cabe aos empregadores promoverem campanhas e ações educativas de conscientização sobre o tema, bem como reprimir, através de seu poder disciplinar, condutas e atitudes de hostilização ou discriminação, sob pena de serem considerados omissos, respondendo diretamente pelo eventual assédio moral, ainda que horizontal (praticado por empregados do mesmo nível hierárquico).

Diante deste cenário, conclui-se: além das campanhas educativas, a ação que nos parece mais razoável, inclusiva e que atende aos princípios constitucionais, direitos fundamentais e trabalhistas, acontece quando uma empresa opta por manter seus sanitários divididos por gênero, sem proibição de utilização pelos transgêneros, e instala uma terceira opção ''unissex'', que permite aos colaboradores, sem qualquer determinação rígida ou discriminatória, escolherem em qual situação se sentem mais confortáveis.

Investindo nessas medidas, a organização estará atendendo à legislação de inclusão de gêneros também no mundo corporativo, além de contribuir para uma sociedade mais justa e acolhedora.

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*Erika de Mello é advogada do escritório Pires & Gonçalves - Advogados Associados.

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