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Agente público pode ser punido por atos de sua vida privada?

Para responder isso, deve-se examinar a finalidade de um processo disciplinar.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Atualizado em 25 de janeiro de 2018 09:39

Uma questão que perpassa pela vida dos agentes públicos, sejam funcionários, servidores ou ainda agentes políticos é se os atos por ele praticados na vida privada podem ensejar a aplicação de sanções administrativas. Para responder isso, deve-se examinar a finalidade de um processo disciplinar.

A professora ODETE MEDAUAR ensina que: "O regime disciplinar visa a assegurar a responsabilização dos agentes públicos por faltas funcionais, isto é, infrações que resultam de inobservância de deveres vinculados às atribuições do cargo, função ou emprego. (...). O vínculo ao exercício do cargo, função ou emprego norteia, por conseguinte, a caracterização das infrações passíveis de sanções disciplinares".1

E, de acordo com o STF, "na aferição da responsabilidade administrativa é de se levar em consideração os fatos vinculados à atividade funcional do servidor público".2 Isso porque a finalidade do processo disciplinar não é castigar o infrator, ou realizar a justiça, mas sim examinar a existência de um ilícito administrativo3 diante de uma infração funcional.

Logo, pode-se concluir que a instauração de processo administrativo disciplinar ocorre em duas hipóteses: i) quando há vinculação entre o fato e a função pública; ii) quando o fato foi praticado no exercício da função.

Por sua vez, quando o fato não foi praticado no exercício da função e não há vinculação com a função, a responsabilização disciplinar se torna exceção. É o que diz o Manual de Processo Administrativo da Controladoria-Geral da União "a repercussão disciplinar dos atos cometidos pelo servidor em sua vida privada é uma exceção".4

Assim, por ser uma exceção, a investigação de um fato da vida privada de um agente público tem certas exigências. Nesses casos, deve haver "um comportamento privado, desconectado do exercício das funções públicas, representativo de grave impossibilidade de o agente exercer essas mesmas funções".5 Logo, para o processamento de um processo disciplinar nessas situações é imprescindível que tal fato afete de modo significativo a vida pública. É o entendimento dos Tribunais.6

E no caso de magistrados e promotores, que possuem prerrogativas e sujeições especiais, essa situação se modifica? Sobre o tema, FÁBIO MEDINA OSÓRIO ensina:

"É certo que mesmo membros do Ministério Público e da Magistratura, para ficarmos com as categorias mais exigidas historicamente, podem cometer ilicitudes, no campo de suas vidas particulares, que não mereçam sanções administrativas, mas sim, no máximo, sancionamentos de outros ramos jurídicos e de outras espécie (...) "Uma determinada função pública pode exigir requisitos de ilibada conduta privada, desde que as exigências guardem vinculação racional, razoável e proporcional com a dignidade das funções."7

Ou seja, nessas carreiras, que exigem conduta pública e privada irrepreensível, deve-se observar se exigência guarda vinculação racional, razoável e proporcional com a dignidade das funções. Caso contrário, estar-se-á desvirtuando da finalidade de um processo disciplinar.

Por isso, pode-se concluir que a instauração de processo administrativo contra agentes públicos acerca de atos de sua vida privada que careçam de vinculação razoável com a função pública é causa de nulidade.
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1 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 19ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 36.

2 STF, RE 458555, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 09/07/2009, publicado em DJe-151 DIVULG 12/08/20 09 PUBLIC 13/08/2009.

3 STOCO, Rui. Processo Administrativo Disciplinar. Processo Disciplinar na Administração Pública, no Conselho Nacional de Justiça e nos Tribunais. São Paulo, Revistas dos Tribunais, 2015, p.57.

4 CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Manual de Processo Administrativo Disciplinar. Disponível em: <clique aqui> . Acesso em: 17/02/17.

5 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 255. Destaques nossos.

6 TJ-SC - MS: 445366 SC 2009.044536-6, Relator: Newton Trisotto, Data de Julgamento: 08/10/2010, Primeira Câmara de Direito Público, Data de Publicação: Apelação Cível em Mandado de Segurança n., de Capinzal).

7 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 251/253. Destaques nossos.
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*Ana Cristina Viana é advogada do Escritório Professor René Dotti.

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