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Ano eleitoral e políticas públicas de propriedade intelectual

Você já cobrou de seus representantes (atuais ou futuros) um plano sério sobre a política industrial do país ou prefere realizar todas as mandingas conhecidas para que não haja geada, chuvas excessivas (ou a escassez delas), para que não deixemos de ter safras em superproduções?

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Atualizado em 1 de fevereiro de 2018 13:28

Neste ano de 2018 será realizada a oitava eleição presidencial desde a Constituição Federal promulgada há três décadas. Em anos eleitorais além dos burburinhos, fofocas, barracos, intrigas e acusações políticas costumeiras é corriqueiro que a imprensa "mainstream" se volte a minimizar as assimetrias informacionais dos candidatos, sempre na esfera subjetiva: Qual a história de Luisinho? Huguinho é conservador nos costumes ou liberal na economia? Qual a posição de Juquinha sobre aborto, a livre comercialização de drogas ou pena de morte?

Poucas vezes, contudo, os veículos de comunicação se dirigem a aprofundar questionamentos sobre o perfil objetivo do que pretende o candidato ou detalhes sobre seu Programa de Governo - que é o verdadeiro Plano Plurianual de Políticas Públicas. Os próprios - e poucos - debates ao vivo nas redes televisivas repetem formatos fastidiosos, com as mesmas superficiais perguntas que eram feitas no já longínquo ano de 1989. E ao final do "evento" televisionado mais sabemos sobre a capacidade de oratória dos envolvidos, em geral confirmam-se as pré-compreensões (no sentido heiddegeriano) sobre quem se prefere, debate-se se houve uma persona vencedora, mas nenhum projeto de Estado restou proposto.

No contexto industrial, aliás, as últimas eleições presidenciais de 2014 denotaram a completa apatia, ignorância ou desprestígio dos candidatos com um dos setores mais fundamentais da economia brasileira. Lidos os magros Planos de Governo quase nenhum explicitava arquiteturas precisas e sérias sobre desenvolvimento industrial, transferência de tecnologia, atividades e percentuais do PIB destinados à inovação, fomento, créditos menos extorsivos para tais atividades. Para sermos justos, já não parece incomodar os eleitores que se tenham ministros religiosos na pasta da indústria, administradores de empresa na pasta da educação, engenheiros civis na pasta da saúde etc. Talvez o niilismo e o estoicismo da insatisfação social com os políticos tenha contaminado a massa populacional de tal forma que se esteja num elevado grau de anestesia antropológica.

Outros tantos parecem conformados com a gigantesca dependência da exportação de commodities como redentores da balança comercial: o "agro é pop" - dizem os comerciais - e basta! Aqui não se quer reduzir a importância do (fundamental) setor agroindustrial do qual o Brasil é um dos protagonistas internacionais - desde a época colonial, sempre com ligeiras variações do que extrai para o resto do mundo: açúcar, café, minérios, soja, milho etc. Tampouco se despreza os avanços havidos no ramo petrolífero, mas a se considerar que boa parte da tecnologia empregada em ambos os mencionados setores é de origem externa (sementes, defensivos, maquinário), constata-se que a balança comercial da Propriedade Intelectual (com a remessa de divisas via BACEN) é profundamente deficitária.

Levando-se em conta o baixíssimo grau de investimento federal em pesquisa e inovação (segundo dados do IPEA, em 2015, por exemplo, o Governo Federal empenhou R$ 37 bi com ciência e tecnologia 1 - o que significaria 0,63% do PIB), para mudar tal quadro de dependência tecnológica externa, depender-se-á mais da proliferação espontânea de grandes gênios (quiçá novos Leonardos da Vinci) do que de políticas públicas. Pode um país no século XXI depender puramente do que é aleatório, biológico ou extrativista para genuinamente se desenvolver?

Para além de inexistirem políticas de Estado do porvir as propostas recentemente implementadas para o INPI são deveras criticáveis. Como não se desconhece, a Autarquia Federal através de seus gabaritados funcionários exerce um mister hercúleo de lidar com um número avassalador de processos administrativos complexos a julgar, com uma estrutura e um número de pessoal insuficiente para a tarefa. Entretanto, ao invés de se lidar com a causa dos problemas (sempre dependente da criação de novas receitas para que se empenhem urgentes despesas) adotou-se paliativos perigosos à segurança jurídica econômica e nacional, tais como (i) a dispensa do exame dos instrumentos de mandato 2 (quem verificará o fato gerador do art. 662 do Código Civil 3) e (ii) a redução do controle sobre os negócios jurídicos averbáveis 4. Será que a erosão dos filtros de cautela para com a titularidade e a circulação de bens de produção (de índole imaterial) é o caminho para o desenvolvimento social, econômico e tecnológico do país? Somada à inconstitucional proposição (cuja autoria permanece anônima, provavelmente por vergonha do filho feio) de concessão automática de patentes de invenção para "sanar" o acúmulo de processos administrativos não julgados, a impressão é que se quer equivaler o INPI ao registro da Biblioteca Nacional para Direitos Autorais: um mero cartório-carimbador. Que tipo de política pública prioriza a precarização de um serviço público essencial e estratégico?

A "vedação ao retrocesso" como um princípio - hoje menos em voga pelas crises econômicas que parecem contaminar o censo de cidadania de alguns - seria suficiente para sepultar tais involuções (propostas ou implementadas), mas é ainda muito pouco para que se contemple uma Política Industrial de avanços. Como última provocação fica a pergunta: Você já cobrou de seus representantes (atuais ou futuros) um plano sério sobre a política industrial do país ou prefere realizar todas as mandingas conhecidas para que não haja geada, chuvas excessivas (ou a escassez delas), para que não deixemos de ter safras em superproduções?

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1 Brasil gasta menos que outros países com P&D, acessado em 26.1.18, às 18:47.

2 Diretoria de Patentes institui dispensa de exame de procuração, acessado em 26.1.18, às 18:58.

3 Art. 662. Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar.

4 Averbação de contratos tem novas diretrizes de exame, acessado em 26.1.18, às 18:59.

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*Pedro Marcos Nunes Barbosa é sócio no escritório Denis Borges Barbosa Advogados e professor doutor do Instituto de Direito da PUC-Rio.


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