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Notas acerca do aviso do locatário no fim da locação residencial e da incidência da multa contratual

Tendo em conta que a natureza jurídica do contrato de locação é, nomeadamente, sinalagmática, com obrigações para ambas as partes, tem-se, por extensão, que o aviso prévio de trinta dias do locatário, quando da locação por prazo indeterminado, possui sentido protetivo, de previsibilidade, para assegurar a reciprocidade, o respeito entre os sujeitos do contrato.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Atualizado às 11:06

1. O aviso do locatário para a desocupação

Tendo em conta que a natureza jurídica do contrato de locação é, nomeadamente, sinalagmática, com obrigações para ambas as partes, tem-se, por extensão, que o aviso prévio de trinta dias do locatário, quando da locação por prazo indeterminado, possui sentido protetivo, de previsibilidade, para assegurar a reciprocidade, o respeito entre os sujeitos do contrato.

Tal determinação legal garante ao locador, primeiramente, a organização quanto às suas obrigações. Estaria, sobretudo, respeitado o dever de cuidado e de informação, para que se evitem, porventura, prejuízos futuros, de ordem financeiro, dentre outros. Sabendo da decisão apresentada pelo inquilino, de desocupar o imóvel, o locador terá condições de viabilizar uma nova locação, adiantando os trâmites.

Note-se que as relações jurídicas obrigacionais, meio em que está contida a relação locatícia, têm como viés orientador o princípio da boa-fé objetiva, com esteio nos artigos 133 e 422 do Código Civil brasileiro1. Ressalte-se, os deveres anexos decorrentes da boa-fé devem acompanhar a relação em todas as suas fases, seja na execução, nas tratativas, ou mesmo na pós-contratual. O fim da avença não legitima o locatário a praticar atos que atentem contra a lealdade, a confiança e a cooperação, por exemplo, que lastraram, durante todo o período, o vínculo formado2.

Há uma convicção viva de que o locatário, antes do fim estipulado para a locação, possa noticiar o locador sobre a sua intenção de não continuar, se for o caso, porque, do contrário, o locador estaria certo de que a locação prosseguiria, por prazo indeterminado, e que, por isso, receberia os aluguéis previstos, normalmente3. Um aviso de desocupação dias após a consumação do prazo contratual, dentro dos trinta dias para a consolidação do pacto por prazo indeterminado, gera uma quebra de confiança, das expectativas construídas ao longo de um largo tempo, que merece ser considerada4.

Na situação vigente, razoavelmente se espera a manutenção da locação. Primeiro, pela dificuldade de se comprar um imóvel, com os entraves próprios da liberação de crédito, os altos preços apresentados etc.; depois porque, especialmente agora, não é intenção do locador denunciar, para garantir os rendimentos da locação. Não se acredita, assim, no rompimento da locação por nenhuma parte, porque, efetivamente, pode gerar prejuízos.

Nas palavras de SOUZA (2014, p. 194), ao tratar do art. 46, da Lei do Inquilinato, o legislador quis proteger o locatário, para garantir-lhe estabilidade, não estando, portanto, susceptível aos eventuais caprichos do locador ou do mercado. Isso tem a ver, justamente, com o respeito ao bem-estar, à segurança e à tranquilidade do locatário e de sua família, por exemplo, os quais terão tempo suficiente para a adaptação ao novo ambiente e, por conseguinte, para se firmarem, com animus de constituir vida.

Claro que, é preciso entender, "locação é cessão temporária e onerosa de posse de coisa não fungível", conforme trata SOUZA (2014, p. 41), logo o locatário não poderia estar atado à locação, também, por capricho do locador, para atender às suas demandas, exclusivamente. As partes não estão vinculadas ad eternum, podendo, por certo, encerrar o contrato quando lhes convier, observando as disposições contratuais e legais para tal fim.

É fato que ambas assumem compromissos, de modo que nenhum deve ficar descoberto quanto às suas necessidades programadas. É dizer, se se firma um contrato, as partes têm reais expectativas de que serão observados os seus termos, não carecendo de dúvida quanto à sua execução regular. Se ao inquilino é conferida a proteção de sua posse direta até o término do prazo determinado, ao locador a lei lhe assegura a garantia de que irá receber, como combinado, os aluguéis correspondentes ao período ajustado. Existem expectativas, de certa forma estáveis, de contraprestações recíprocas.

2. O aviso e os efeitos subsequentes ao encerramento da locação residencial

De acordo com o art. 46, da referida Lei do Inquilinato, passados os trinta meses do período da locação residencial, e estando o inquilino na posse direta do imóvel por mais de trinta dias, sem oposição do locador, aí se converteria a locação em prazo indeterminado. Ocorre que há um limbo compreendendo ao período que antecede os trinta dias para tal mutação. Certas questões precisam ser esclarecidas: Como podemos definir esse período de trinta dias após o término do prazo contratual? E as cláusulas e condições contratuais perdem sua validade durante este período, até serem consolidadas após o transcurso desse prazo? Durante este período de trinta dias o locador poderia simplesmente ir buscar as chaves no imóvel, sem qualquer aviso?

Não se trata de solução simples. Mas, quanto à conversão de prazo determinado para indeterminado, a lei é clara em estabelecer que é necessário superar os trinta dias após o término do prazo determinado, igual ou superior a trinta meses. Se, por acaso, o inquilino permanece no imóvel alguns dias após o término, aí não goza o locador do direito da denúncia vazia. Presume-se que esse período de trinta dias seria um tempo em que se promoveriam ajustes entre as partes.

É certo, inclusive, afirmar que as cláusulas, até a concretização da conversão de prazo ou não, devem ser devidamente respeitadas. Vejamos: nas obrigações que são pertinentes ao locatário, como pagamento do aluguel e, se for a hipótese, de taxa ordinária de condomínio, estariam inalteradas, a serem computadas até a efetiva entrega do bem. Da mesma forma deve-se operar em relação ao locador, que não pode simplesmente pegar as chaves do imóvel ou embaraçar a posse direta. Dentro do prazo de trinta dias, segundo o art. 46, não há necessidade de o locador denunciar o locatário, se desejar reaver o imóvel, devendo, contudo, ingressar com a devida ação de despejo. No entanto, passado o referido prazo, aí sim teria de notificar o locatário, ainda que por denúncia imotivada, para ter a posse direta do bem.

Observe-se que na maioria das hipóteses de desocupação é imprescindível o ato da comunicação à parte contrária, sem a qual não se pode sequer ajuizar a ação de despejo pertinente, justamente para que se evitem surpresas e prejuízos.

Sylvio Capanema elucida a questão do aviso prévio do locatário, necessário quando deseja desocupar, na locação por prazo indeterminado. Vejamos: "Se a desocupação, entretanto, se der no dia do vencimento do prazo ou no seguinte, é dispensável a notificação, que só se exige quando vigente a locação por tempo indeterminado" (Grifo nosso). (SOUZA, 2014, p. 44). Ou seja, se a desocupação se der dias depois do vencimento do contrato, é crível pensar que o inquilino tinha ânimo de continuar, dando sustentação à ideia de prosseguimento da locação por prazo indeterminado. Ainda que se possa supor o fim da locação superado o prazo determinado, é mais plausível a percepção, passados dias após o término, que o inquilino tivesse mesmo a intenção de manter a sua estabilidade e de sua família, porque, também, aí a desocupação não é a regra.

Não pode o locatário, por exemplo - expressamente determinado em contrato a regra que estipula o aviso prévio do inquilino para a desocupação, com fulcro no art. 6.º, da lei 8.245, de 18 de outubro de 19915 -, se eximir da referida obrigação por calcular restituir o bem logo após o término do contrato, dias depois, atuando com aparentes estratégias de jogo, sem atender, como se disse, aos deveres anexos da boa-fé.

Não se pode olvidar, o contrato, no que não determina a lei, e obviamente que não conflitando, gera também lei entre as partes; tem como fundamento o pacta sunt servanda, respeitando a autonomia da vontade, assim, por certo, não haveria abuso quanto à estipulação de indenização no valor de um aluguel, nesse sentido, porque se pode, inclusive, ter novo entendimento entre as partes, ajustando-a em livre composição. Refere-se somente à questão de demonstrar ou não interesse na continuidade da locação. Se o inquilino fizer o aviso um mês antes de encerrar o contrato, ou imediatamente desocupar o imóvel no termo da locação, não precisará despender essa quantia - assim entende-se, salvo melhor juízo.

Antes de firmar o contrato, as partes têm plena liberdade de questionar o que entenderem de direito, porque, efetivamente, não são cláusulas leoninas. Ocorre que a notificação é dispensável exatamente no período imediato ao término do contrato. O caso de o inquilino passar, por exemplo, dez dias a mais no imóvel, aí sim demonstra ânimo em continuar, e isso gera uma série de consequências.

Conclui-se que, saindo o locatário no mencionado limbo, esse período que corresponde entre o término do contrato e os trinta dias posteriores, não haveria, então, a consolidação da locação por prazo indeterminado. No entanto, é preciso certificar, de modo algum o contrato perde a sua exigibilidade quanto às obrigações, pois, até quando o locatário fizer uso de sua posse direta, haverá locação. Ademais, o inquilino não pode se aproveitar de uma possível incongruência legal declarando ser inaplicável a multa indenizatória por falta de aviso de desocupação, justificando-a com o término do pacto de locação residencial, uma vez que há conflito lógico quanto à expectativa de continuidade e à segurança na relação, consubstanciado pela confiança, lealdade e cooperação.

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1 "Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. [...] Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé".

2 "Nesse sentido, o comportamento que se exige de ambas as partes contratantes, ante a boa-fé objetiva, é a omissão quanto ao que possa prejudicar a parte contrária e a imposição de ações que cooperem para que a parte contrária possa adimplir, da melhor forma possível, a prestação a que está obrigada". (SANCHES, 2015, p. 1).

3 "A ocorrência da responsabilidade pós-contratual se dá quando há um descumprimento dos deveres acessórios, anexos dos deveres principais da relação contratual. Os deveres acessórios, criados pela doutrina e jurisprudência alemãs, são aqueles decorrentes da boa-fé dos contratantes, ou seja, são os deveres de lealdade, proteção e informação, previstos ou não em lei". (LOPES, 2006, p. 47).

4 "A responsabilidade pós-contratual, também chamada de culpa post pactum finitum, caracteriza-se pelo dever de responsabilização pelos danos advindos após a extinção do contrato, independentemente do adimplemento da obrigação. A ocorrência da responsabilidade pós-contratual se dá quando há um descumprimento dos deveres acessórios". (NOVAES, 2010, p. 1).

5 "Ementa: RESCISÃO. NOTIFICAÇÃO. AUSÊNCIA. INDENIZAÇÃO. O locatário pode rescindir o contrato de locação por prazo indeterminado, mas deve previamente notificar o locador pelo prazo de trinta dias. Não o fazendo cabível o pedido de indenização pelo período de aviso prévio não concretizado. Recurso não provido. (Recurso Cível 71001316991, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eduardo Kraemer, Julgado em 13/6/07)".

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ALVES, Cassiano. Retomada do imóvel na locação residencial. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 30.4.18.

BRASIL. Lei do Inquilinato. Lei n.º 8.245, de 18 de outubro de 1991. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 30.4.18.

BRASIL. Código Civil. lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 30.4.18.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Recurso Cível 71001316991, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eduardo Kraemer, Julgado em 13/6/07.

FACCI, Lucio Picanço. Aspectos gerais da locação do imóvel urbano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 98, 9 out. 2003. Acesso em: 1 maio 2018.

LOPES, Lissandra de Ávila. A responsabilidade pós-contratual no direito civil. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 30.4.18.

NOVAES, Gretchen Lückeroth. A boa-fé objetiva no direito civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2572, 17 jul. 2010. Acesso em: 2 maio 2018.

NOVAES, Gretchen Lückeroth. Boa-fé objetiva: deveres acessórios e a pós-eficácia das obrigações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2569, 14 jul. 2010. Acesso em: 2 maio 2018.

SANCHES, Antonio. O princípio da boa-fé objetiva e a violação positiva do contrato na jurisprudência atual do TJ/SP e do STJ. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 30.4.18.

SOUZA, Sylvio Capanema de. A lei do inquilinato comentada. - 9.ª ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2014.

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*Adriano B. Espíndola Santos é advogado.

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