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Crowdfunding eleitoral e a polêmica das doações de valor igual ou superior a R$ 1.064,10

É importante que as plataformas sejam diligentes na identificação correta do doador, por outro, é imprescindível que não se estabeleçam limitações ao crowdfunding eleitoral que não sejam previstas em lei, para não dificultar demasiadamente a sua utilização e não ser gerada nos cidadãos uma sensação de insegurança quanto à novidade.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Atualizado às 11:50

Desde o dia 15 de maio, pré-candidatos podem arrecadar recursos para campanhas por meio do crowdfunding ou financiamento coletivo eleitoral. A novidade faz parte das medidas adotadas pela minirreforma eleitoral de 2017, com o escopo de preencher o vácuo deixado pelas doações de pessoas jurídicas, consideradas inconstitucionais pelo STF em 2015 no bojo da ADIn 4650.

O crowdfunding eleitoral consiste na arrecadação de recursos a pré-candidatos, candidatos e partidos políticos por meio de plataforma específica e cadastrada perante o TSE, podendo os doadores de maneira rápida e pela rede de computadores doarem recursos àqueles que pretendem apoiar. A ideia fundamental é reunir inúmeras pessoas que contribuam às campanhas eleitorais de sua escolha por meio de doações realizadas no site de uma plataforma de arrecadação.

Um tema que tem gerado grande discussão a respeito do crowdfunding, especialmente nesse período anterior à campanha, refere-se ao possível limite diário de R$ 1.064,09 (um mil, sessenta e quatro reais e nove centavos)1 às doações realizadas em páginas de financiamento coletivo, conforme matéria publicada pelo Valor Econômico em 12 de maio de 2018, no sentido de que líderes partidários pretendiam questionar a orientação do TSE2.

Nesses termos, constou de perguntas e respostas divulgadas pelo TSE:

7) Existe limite de valor a ser recebido pela modalidade de financiamento coletivo?

Sim. De acordo com o disposto na resolução-TSE 23.553, art. 22, § 1º, as doações de valores iguais ou superiores a R$1.064,10 (hum mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só podem ser realizadas mediante transferência eletrônica, emitida diretamente da conta bancária do doador para a conta bancária do beneficiário, sem a intermediação de terceiros. Essa regra deve ser observada, inclusive, na hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia (resolução-TSE 23.553, art. 22, § 2º)3.

O esclarecimento dado foi restritivo, no sentido de que não haveria nenhuma possibilidade de intermediação, o que incluiria a atuação das plataformas de crowdfunding, nas doações de valores iguais ou superiores a R$ 1.064,10, que deveriam ser realizadas diretamente entre as contas bancárias do doador e do beneficiário.

A questão possui a maior relevância nesse período anterior ao início do processo eleitoral, uma vez que o financiamento coletivo é a única forma pela qual os pré-candidatos podem arrecadar recursos antes do cumprimento dos pré-requisitos de arrecadação, consistentes no pedido de registro de candidatura, na obtenção do CNPJ de campanha e na abertura da conta bancária de campanha (art. 3º, caput, da res. TSE 23.553/18).

Como a arrecadação prévia de recursos é realizada pelas plataformas de financiamento coletivo e fica retida nas suas respectivas contas intermediárias até a abertura da conta de campanha pelos pré-candidatos, o que somente será possível após o pedido de registro de candidatura e a obtenção do CNPJ de campanha, a interpretação mencionada acima acerca do disposto no art. 22, §§ 1º e 2º, da res. TSE 23.553/18 impediria que nesse período de pré-arrecadação ocorra doações diárias, realizadas pelo mesmo doador a determinado pré-candidato, de valores iguais ou superiores a R$ 1.064,10 (um mil e sessenta e quatro reais e dez centavos).

Todavia, a respeito do tema, impende consignar que a Lei das Eleições (lei 9.504/97), prevê em seu artigo 23, § 4º, que as doações financeiras de campanha podem ser realizadas pelos seguintes meios: a) cheques cruzados e nominais e transferências bancárias; b) depósitos em espécies identificados até o limite previsto; c) mecanismo disponível na conta do candidato ou partido político, com a possibilidade de utilização de cartão de crédito; d) financiamento coletivo; e e) comercialização de bens e serviços ou realização de eventos.

Cheques cruzados, transferências bancárias, depósitos em espécie e utilização de cartão de crédito se referem a meios de pagamento para a efetivação de doações. Por outro lado, o crowdfunding é uma técnica de arrecadação pela internet que não prescinde da utilização dos aludidos meios de pagamento.

Especificamente no que tange à arrecadação de recursos pela internet, incluindo o financiamento coletivo, a lei 9.504/97 prevê que as referidas transações poderão ser realizadas por instituições que atendam aos critérios legais e à regulamentação expedida pelo Banco Central para operar arranjos de pagamento:

Art. 23. [...]

§ 8o Ficam autorizadas a participar das transações relativas às modalidades de doações previstas nos incisos III e IV do § 4o deste artigo todas as instituições que atendam, nos termos da lei e da regulamentação expedida pelo Banco Central, aos critérios para operar arranjos de pagamento.

Como a lei não enumera quais os mecanismos de pagamento utilizados para o recebimento de recursos pela via do financiamento coletivo, considerando que as referidas doações são realizadas por meio de plataforma na internet, é razoável sejam feitas com a utilização de cartão de crédito e débito, transferência eletrônica e boletos bancários registrados, que são todos meios de pagamento regulamentados pelo Banco Central.

Ao regulamentar a arrecadação, gastos e prestações de contas eleitorais, a resolução TSE 23.553/18 dispôs que as doações financeiras de pessoas físicas e do próprio candidato poderiam ser feitas por transação bancária, na qual o CPF do doador fosse identificado, e, também, por meio de financiamento coletivo (art. 22, caput, inciso I e III). Na sequência, previu que as doações financeiras com valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (um mil, sessenta e quatro reais e dez centavos) devem, obrigatoriamente, ser realizadas por meio de transferência eletrônica entre a conta bancária do doador e do candidato (art. 22, § 1º).

O limite é aplicável, inclusive, na hipótese da realização de mais de uma doação pelo mesmo doador a um determinado candidato ou partido político, na mesma data, conforme o artigo 22, § 2º, da resolução TSE 23.553/18. Referido dispositivo proíbe a realização de sucessivas doações de valores inferiores a R$ 1.064,10 pelo mesmo doador a candidato ou partido político, com o objetivo de evitar que a divisão do valor da doação e a realização de sucessivas doações, no mesmo dia, fossem utilizadas para contornar a regra prevista no § 1º.

Desta forma, como os §§ 1º e 2º do artigo 22, da resolução TSE 23.553/18 trazem regras gerais e se situam logo após a previsão do financiamento coletivo como mecanismo de arrecadação, surgiu o entendimento no sentido de que as doações decorrentes de crowdfunding seriam limitadas as R$ 1.064,09 diários, realizadas por qualquer modalidade de pagamento.

Posteriormente, em 14 de maio de 2018, os Diretórios Nacionais do Partido Novo (NOVO), Democratas (DEM) e Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) apresentaram pedido ao TSE no sentido de que fosse alterada a resolução TSE 23.553/18 para deixar claro que o limite previsto no § 1º, de seu artigo 22 não se aplica às doações realizadas por financiamento coletivo.

Entretanto, não obstante o suposto limite de R$ 1.064,09 diário, vale salientar a possibilidade de um mesmo doador realizar sucessivas doações em dias distintos até atingir o limite de 10% de sua renda bruta auferida no ano anterior às eleições, conforme dispõe o art. 29 da resolução TSE 23.553/18.

Por outro lado, há outra possibilidade de recebimento de recursos pela internet, diretamente na página do candidato ou partido, que foi prevista em outro dispositivo, sem menção a qualquer limite específico de doação (art. 28, da res. TSE 23.553/18).

Ocorre que para utilizar essa modalidade de financiamento, os candidatos devem obrigatoriedade cumprir os requisitos prévios de arrecadação previstos no artigo 3º, da resolução TSE 23.553/18, que incluem o pedido de registro de candidatura, a obtenção de CNPJ e a abertura da conta bancária de campanha.

Ressalte-se que a lei apenas prevê limite por transação às doações realizadas por meio de depósito identificado, e não por meio de cartão de crédito ou transferência bancária:

Lei 9.504/97, art. 23:

§ 4º As doações de recursos financeiros somente poderão ser efetuadas na conta mencionada no art. 22 desta Lei por meio de:

I - cheques cruzados e nominais ou transferência eletrônica de depósitos;

II - depósitos em espécie devidamente identificados até o limite fixado no inciso I do § 1o deste artigo.

III - mecanismo disponível em sítio do candidato, partido ou coligação na internet, permitindo inclusive o uso de cartão de crédito, e que deverá atender aos seguintes requisitos: a) identificação do doador; b) emissão obrigatória de recibo eleitoral para cada doação realizada.

IV - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios na internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares, que deverão atender aos seguintes requisitos:

[...]

V - comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo partido político.

O objetivo do disposto no artigo 23, § 4º, inciso II, da Lei das Eleições é justamente garantir que as contribuições de valores mais elevados4 tenham maior rastreabilidade, ou seja, maior possibilidade de checagem de origem, o que se garante, no caso do crowdfunding, por meio de transferência bancária e pagamento com cartão de crédito e débito.

Além disso, há o limite geral de doações no montante de 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição, aplicável à soma de todas as doações financeiras realizadas pelo doador, independentemente da forma ou do meio utilizado para a realização da contribuição, conforme previsto no artigo 23, § 1º, da Lei das Eleições.

É razoável que o limite de R$ 1.064,09 (um mil, sessenta e quatro reais e nove centavos) seja aplicável às doações realizadas por plataformas de crowdfunding e pagas com boletos bancários registrados, uma vez que, nesses casos, os pagamentos poderiam ser efetuados por pessoas diversas daquelas que se apresentam como doadoras.

Contudo, apesar da regra referente à obrigatoriedade de que as doações de valores iguais ou superiores a R$ 1.064,10 sejam realizadas por meio de transferência bancária estar contida em um parágrafo do artigo que trata das doações de pessoas físicas, do próprio candidato e das doações por financiamento coletivo, da resolução TSE 23.553/18, bem como da ideia central do crowdfunding estar atrelada a pequenas contribuições realizadas por muitas pessoas5, a lei não prevê limite de valor por transação para as doações provenientes de financiamento coletivo.

Assim, e considerando também que as doações por transferência eletrônica, cartão de crédito e débito, ainda que efetuadas por meio das contas intermediárias das plataformas credenciadas pelo TSE, podem ser perfeitamente rastreadas, o entendimento restritivo, que limita as doações por crowdfunding a R$ 1.064,09 por dia, s.m.j., não se coaduna com o disposto na Lei das Eleições.

Nesses termos, o limite apenas deveria ser imposto às doações pagas mediante boletos registrados, dada a maior dificuldade no rastreamento da origem dos recursos utilizados em seus pagamentos.

O financiamento coletivo das campanhas eleitorais pode representar um passo importante na tentativa de maior envolvimento das pessoas físicas com as campanhas eleitorais, pois quem doa adere a um projeto6. Deste modo se, por um lado, é importante que as plataformas sejam diligentes na identificação correta do doador, por outro, é imprescindível que não se estabeleçam limitações ao crowdfunding eleitoral que não sejam previstas em lei, para não dificultar demasiadamente a sua utilização e não ser gerada nos cidadãos uma sensação de insegurança quanto à novidade.

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1 O presente artigo não aborda o limite geral de doações financeiras a campanhas eleitorais realizadas por pessoas físicas, consistente em 10% do rendimento bruto auferido no ano anterior ao da eleição, e que também é aplicável às contribuições realizadas mediante financiamento coletivo.

2 Disponível em: Clique aqui. Acesso em 16 mai. 2018.

3 Disponível em: Clique aqui. Acesso em 16 mai. 2018.

4 A lei deixou de dispor qual seria o valor limite para as doações realizadas por depósito identificado, de sorte que o referido montante tem constado das resoluções expedidas pelo Tribunal Superior para regulamentação da matéria.

5 SANTANO, Ana Cláudia. O Financiamento Coletivo de Campanhas Eleitorais como Medida Econômica de Democratização das Eleições. Estudos Eleitorais. Curitiba. v. 11, n. 2. p. 31-66. mai./ago. 2016. p. 44.

6 RAIS, Diogo; SOARES, Michel Bertoni. Novidade é um passo para envolvimento político pleno. Folha de São Paulo. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 14 mai. 2018.

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*Joelson Dias é advogado. Ex-ministro substituto do TSE. Mestre em Direito pela Universidade de Harvard (EUA). Vice-presidente da Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da OAB. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).

*Michel Bertoni Soares é advogado. Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com dedicação a pesquisas relacionadas a financiamento eleitoral. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).

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