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A tributação sobre combustíveis e os efeitos da greve

A realização de "mini reformas tributárias" tanto a nível federal quanto a nível estadual contribuem tão somente para o aumento da complexidade do sistema tributário brasileiro e da insegurança jurídica dos contribuintes.

terça-feira, 19 de junho de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 14:21

No último mês, o país acompanhou a "greve dos caminhoneiros" motivada pelas constantes altas no preço dos combustíveis para o consumidor final, resultado, a princípio, da nova política de preços da Petrobrás. A categoria reivindicou, principalmente, a redução a zero das alíquotas de PIS/Cofins incidentes sobre o diesel, a qual foi atendida pelo governo federal.

 

No entanto, essa situação retrata o emprego da tributação como um instrumento político, já que se verificou um claro condicionamento da redução pretendida pelos caminhoneiros à reoneração da folha de pagamentos sobre alguns setores, pauta que estava travada no Congresso Nacional, e ao aumento de impostos. Pretende-se destacar que, a despeito do caráter fiscal e indutor da tributação sobre combustíveis (particularmente, PIS/Cofins e CIDE), existe uma forte politização da carga tributária no setor.

 

De início, é preciso tecer breves comentários acerca da nova política de preços instituída pela Petrobrás e da tributação no setor. Não se busca aqui questionar os métodos escolhidos pela empresa estatal, mas tão somente apresentar um plano de fundo relevante para a provocação pretendida neste estudo: a tributação sobre combustíveis está sendo empregada como "barganha política", sem qualquer responsabilidade fiscal?

 

A fim de acompanhar o cenário internacional, a política de preços para a gasolina e o diesel vendidos às distribuidoras se baseia no preço de paridade de importação, composto pelas cotações internacionais destes produtos acrescidas dos custos detidos pelos importadores. A gasolina e o diesel são vendidos às distribuidoras antes da sua combinação com o etanol e biodiesel, respectivamente, sendo que, apenas após esta mistura, o produto é comercializado ao consumidor final.

 

Considerando que as medidas discutidas durante a paralisação dos caminhoneiros se referem apenas ao diesel, apresenta-se a composição do preço deste produto pago pelo consumidor brasileiro:

 

 


Verifica-se, pois, que 28% (vinte oito por cento) do preço do óleo diesel vendido ao consumidor é decorrente da carga tributária incidente na operação: ICMS (inclui a parcela relativa à substituição tributária [Valor recolhido pela Petrobrás referente às operações de venda das distribuidoras para os postos revendedores e destes para o consumidor final]); PIS/Cofins e CIDE-combustíveis.

 

No que tange o ICMS, as alíquotas variam de 12% (doze por cento) a 25% (vinte cinco por cento) do valor de pauta conforme o Estado. Trata-se da principal fonte de arrecadação estadual, fato que justifica a resistência dos governadores em reduzirem estes percentuais.

 

O Estado do Rio de Janeiro, na contramão desta resistência, aprovou o projeto de lei 4.142/18 que reduz a alíquota de ICMS sobre o diesel de 16% (dezesseis por cento) para 12% (doze por cento). Todavia, a situação fiscal do Estado fluminense não abre espaço para perdas na arrecadação, demonstrando que essa redução, desprovida de quaisquer estudos econômico-financeiros ou de medidas compensatórias, é dotada de forte cunho político e motivada pelo lobby das transportadoras.

 

Outrossim, no Congresso Nacional, destaca-se a iniciativa encabeçada pelos Senadores Romero Jucá (MDB-RR) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), na qual se propõe a fixação de alíquotas máximas para o ICMS incidente sobre a gasolina (18%), o etanol (18%) e o diesel (7%). Entretanto, trata-se de mais uma tentativa, impulsionada por pressões políticas, de resolver o problema por partes, o que pode provocar maiores distorções no sistema tributário brasileiro e agravar a crise fiscal.

 

A nível federal, após as legítimas reinvindicações dos caminhoneiros, o governo anunciou a redução de R$ 0,46 por litro de diesel nas bombas, a qual ainda não foi sentida efetivamente pelo consumidores brasileiros, congelando-se o preço por 60 (sessenta) dias. Esse valor foi alcançado pela queda do PIS/Cofins (R$ 0,11) e da CIDE (R$ 0,05) sobre o diesel e pelo programa de subvenção econômica (R$ 0,30).

 

Os arts. 23, II, da lei 10.865/04 e 4º, II, da lei 9.718/98 estabelecem as alíquotas fixas de PIS/Cofins por metro cúbico de diesel. Estes dispositivos foram alterados com a aprovação, em 29 de maio de 2018, do projeto de lei 52/2018, de relatoria do Senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES).

 

A aprovação deste projeto reduziu a zero as alíquotas de PIS/Cofins sobre o diesel até 31 de dezembro de 2018, tendo como contrapartida a reoneração da folha de pagamento de alguns setores (excluído o setor de transporte rodoviário de cargas). Enquanto, a CIDE foi reduzida por meio do decreto 9.391/18, na forma do art. 177, parágrafo 4º, I, "b", da Constituição Federal.

 

Este encolhimento da carga tributária custaria aos cofres públicos, aproximadamente, R$ 4 bilhões, valor que seria compensado através (i) da reoneração da folha (R$ 3 bilhões em 12 meses), porém ela somente produziria efeitos a partir de 90 (noventa) dias, observando-se a noventena; (ii) do corte de benefícios já existentes; e (iii) da criação de novos impostos.

 

Dentro deste acerto de contas, o governo federal cogita a instituição do Imposto de Importação sobre o diesel, o qual terá um valor fixo por litro, calculado diariamente e correspondente à diferença do preço do combustível no mercado interno e no mercado internacional.

 

O programa de subvenção econômica, criado pelo decreto 9.403/18 publicado no último dia 7 de junho, custará cerca de R$ 9,5 bilhões em um período de alta instabilidade político-econômica e próximo das eleições. Este montante será pago por uma margem orçamentária de R$ 5,7 bilhões e pelo corte de despesas no total de R$ 3,8 bilhões, conforme anunciado pelo Ministro da Fazenda Eduardo Guardia.

 

Nota-se, pois, que o governo federal está enxugando o orçamento e procurando outras fontes de receita para implementar esta redução e conseguir pagar a conta. O fechamento da equação econômica construída pela administração federal depende da transferência de recursos dantes destinados a outros setores (educação, saúde, etc.), bem como da obtenção de novas fontes arrecadatórias.

 

Em outras palavras, a análise parcial e momentânea da tributação sobre o setor de combustíveis, focada exclusivamente em resolver parte do problema e aliviar a pressão política, provoca grandes distorções na outra ponta na medida em que alguém terá que cobrir esta perda arrecadatória em um momento de crise fiscal. A execução de políticas fiscais não pode ser tratada como instrumento político à disposição dos governantes para conter manifestações sociais.

 

A discussão sobre a tributação no Brasil e a premente necessidade de uma reforma tributária não deve ser desenvolvida através de retalhos feitos pelo Estado à medida que as pressões políticas e sociais comecem a incomodar. Remédios parciais funcionam apenas como paliativos ou até placebos, deixando-se de tratar o problema de forma sistemática, o que pode causar efeitos colaterais.

 

Portanto, a realização de "mini reformas tributárias" tanto a nível federal quanto a nível estadual contribuem tão somente para o aumento da complexidade do sistema tributário brasileiro e da insegurança jurídica dos contribuintes. Examinar o sistema tributário por partes ou setores, oferecendo soluções sem olhar o todo, pode formar um círculo vicioso que onera a população e dificulta a retomada do crescimento econômico.


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*Leonardo Thomaz Pignatari é sócio no escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.


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