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Os impactos do FUNRURAL no agronegócio e nas recuperações judiciais

De proêmio, urge consignar que o FUNRURAL é um imposto de contribuição previdenciária, incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural, à alíquota de 2,3%, sendo, pois, 2% destinado ao INSS, 0,1% ao RAT e, 0,2% ao SENAR.

terça-feira, 31 de julho de 2018

Atualizado em 25 de setembro de 2019 17:47

 

Em março de 2017, perante o STF ocorreu uma reviravolta na tese do FUNRURAL, na medida em que por seis votos a cinco, os ministros votaram pela validade da cobrança da respectiva contribuição (RE 718.874), enquanto que por mais de meia década (2010 - RE 363.852 e RE 596.177) o entendimento da Suprema Corte era no sentido da inconstitucionalidade do artigo 25 da lei 8.212/91 que previa o pagamento desse Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) sobre a receita da produção rural.

A par da dura mudança no posicionamento do STF e, sem que se cogite adentrar ao mérito e razões (evidentemente, políticas) da aludida decisão colegiada, pelo presente pretende-se trazer à tona os impactos dessa reversão, no agronegócio, notadamente com o surgimento do expressivo passivo perante a União e com a obrigação do recolhimento regular do tributo em questão, evidenciando-se drásticas alterações no aspecto financeiro da atividade rural. Sem olvidar, a repercussão de tudo isso na atividade do produtor rural em Recuperação Judicial.

De proêmio, urge consignar que o FUNRURAL é um imposto de contribuição previdenciária, incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural, à alíquota de 2,3%, sendo, pois, 2% destinado ao INSS, 0,1% ao RAT e, 0,2% ao SENAR.

Nessa toada, tem-se que o valor proveniente do FUNRURAL é destinado ao financiamento da Previdência Social de todos os trabalhadores rurais, no que atine, por exemplo, a pensão, serviço social, aposentadoria por invalidez ou velhice e serviço de saúde, tendo como obrigação pelo recolhimento o produtor rural pessoa física, o produtor rural pessoa jurídica e, a empresa adquirente na condição de sub-rogada nas obrigações do produtor rural pessoa física e do segurado especial, de acordo com as circunstâncias previstas na Instrução Normativa 971/09 da Receita Federal, artigo 1841.

Pois bem. Fato é que, em 2011, o STF declarou a inconstitucionalidade do FUNRURAL, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 363.852/MG, no interesse do Frigorífico Mataboi, reconhecendo-se, pois, a inconstitucionalidade das leis 8.540/92 e 9.528/97 e, por consequência, dos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV da lei 8.212/91. E, em 2017, em posição diametralmente oposta, a Suprema Corte, frente à mesma matéria, declarou a constitucionalidade da respectiva contribuição, inclusive, sem a aplicação da técnica da modulação dos efeitos da decisão (ED no RE 718.874), colocando os produtores rurais contribuintes em situação de inadimplência perante a União, correspondente a um enorme passivo tributário decorrente do período de 2011 até 2017.

Isso porque, inúmeros contribuintes do setor do agronegócio, desde, praticamente, o ano de 2011, exerceram suas atividades econômicas sem, contudo, proceder ao recolhimento do FUNRURAL, amparados por liminares na Justiça (existem cerca de 15 mil ações judiciais), decorrentes de precedentes, ora superados, do STF, restando, pois, mais de 7 Bilhões a serem pagos à União.

É indubitável que a regularização do débito supramencionado pelos produtores rurais inadimplentes durante o interregno da inconstitucionalidade do FUNRURAL, mesmo que mediante condições diferenciadas previstas pela lei 13.606/18, qual seja o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR), também chamado de Refis do FUNRURAL, compromete sobremaneira a saúde financeira da atividade rural desenvolvida, mormente diante dos fatores da oscilação do dólar, altos custos de produção, logística deficitária e burocracia, tornando, pois, a atividade do agronegócio quase inviável.

Veja-se, por exemplo, as situações de leilões ocorridas na atividade de pecuária, em que os interessados compram e vendem 4 ou 5 vezes ao ano com o mesmo capital, sobre o que deverá ser contabilizado os 2,3% de Funrural por 4 ou 5 vezes, isso durante o período retroativo de 05 anos, ou seja, resta uma obrigação notadamente impossível de ser adimplida, colocando, pois, o respectivo produtor rural em gravíssima situação de insolvência.

A esse respeito a Sociedade Rural Brasileira (SRB) se manifestou: "Os efeitos aos mercados agropecuários, já combalidos por outras fraturas de insegurança jurídica e institucional do País, são catastróficos e poderão ensejar a falência de muitos produtores e agroindústrias".

Outrossim, segundo o Instituto de Economia Agrícola (IEA), os impactos causados pela cobrança do FUNRURAL podem chegar a 20% da receita líquida do produtor rural e ainda, vai afetar de maneira mais contundente os pequenos produtores, conforme estudos da Scot Consultoria, dificultando ainda mais a permanência destes no mercado.

Dessa forma, com o cenário desfavorável, os produtores rurais que ainda não se utilizaram do instituto da Recuperação Judicial ou da autofalência, regulados pela lei 11.101/05, poderão ser impulsionados a buscar estas saídas, dada a situação crítica de um vultoso passivo tributário ocasionado a partir da decisão do STF em debate, que, por sua vez, em inevitável efeito cascata, provocará um desarranjo nas demais obrigações creditícias - bancários, fornecedores, empregados, etc.

Sem olvidar o fato de que os produtores rurais que recaírem em Dívida Ativa com a União por conta da inadimplência gerada do FUNRURAL, sem a devida regularização/refis, consequentemente terão dificuldades ainda maiores para acesso ao crédito, na medida em que o produtor precisa de capacidade de pagamento e cadastro no agente financeiro.

Nessas condições, não é demais afirmar que haverá um considerável incremento dos pedidos de Recuperação Judicial pelos produtores rurais, que, à primeira vista, e sob o risco de ter seu patrimônio pessoal reduzido para o pagamento dos credores, podem enxergar na utilização do instituto recuperacional a solução das suas dificuldades de arcar com seus compromissos, já que se permite a repactuação dos débitos em prol da preservação da empresa e sua função social. Ressaltando que para tanto, de acordo com entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, dentre outros requisitos, necessário se faz a comprovação documental da qualidade de empresário e do exercício da atividade por dois anos, mediante a juntada de certidão de inscrição na Junta Comercial.

Agora, na mesma proporção em que se acredita haver significativo aumento dos pedidos de Recuperação Judicial pelos produtores rurais, diante das inúmeras dificuldades que o surgimento do passivo FUNRURAL pode ocasionar no desempenho da sua respectiva atividade, consoante alhures esposado, também se supõe que essa pesada obrigação tributária repercutirá negativamente junto aos processos de Recuperação Judicial de produtores rurais já em curso.

Isso porque, com o deferimento da Recuperação Judicial a dificuldade de acesso ao crédito torna-se uma realidade, posto que em estado de insolvência reconhecido, os agentes cedentes de crédito imediatamente deixam de concedê-lo, dado ao alto custo interno desse tipo de operação aos Bancos. Neste ponto, vale registrar que para cada real emprestado à uma empresa/produtor rural em recuperação judicial, por determinação do Banco Central (BACEN) e do Conselho Monetário Nacional (CMN), o banco deve provisionar internamente outro real. Explica-se: a classificação do "rating" bancário, vai de "AA" (onde a provisão pelo banco é de 0%) até H, que é o pior cenário (cuja provisão pelo banco deve ser de 100%). A Resolução CMN 2.682/99 (e da mesma forma a Circular BC 3.648/13) determina que as instituições financeiras devem classificar o crédito para empresas com plano de recuperação aprovado como "H", obrigando as Instituições Financeiras a provisionar 100% do valor emprestado como garantia da operação.

Desta forma, as Instituições Financeiras obviamente optam por outras opções de negócio, ficando as empresas/produtores rurais em Recuperação Judicial descobertos e sem opção de obtenção de crédito, na contramão da reestruturação e soerguimento, exatamente dentro do espírito de preservação da atividade econômica que o processo objetiva.

Além disso, a despeito das dívidas tributárias não se sujeitarem aos efeitos da Recuperação Judicial, nos termos do artigo 6º, §7º, da lei 11.101/052 , é inegável que o processo de Recuperação Judicial do produtor rural surpreendido pelo expressivo passivo do FUNRURAL restará prejudicado, sobretudo, na fase de cumprimento do plano recuperacional e concessão do benefício, quando, pois, esse débito fiscal deverá estar regularmente adimplido e/ou parcelado de acordo com legislação especial vigente, sob pena de inviabilidade da emissão de Certidão Negativa Tributária e/ou Positiva com Efeitos de Negativa e, o feito recuperacional revelar-se em caminho sem volta para a atividade empresarial, isto é, falência.

Portanto, não é outra a implicação senão desastrosa a guinada do entendimento do STF sobre a constitucionalidade do FUNRURAL, tendo em conta que o passivo tributário gerado é impagável e coloca em risco a economia nacional, com inflação alta, desemprego, desabastecimento e recessão, já que é o agronegócio o principal responsável pela retomada do crescimento econômico e PIB (Produto Interno Bruto) nacional.
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1 Art. 184. As contribuições sociais incidentes sobre a receita bruta oriunda da comercialização da produção são devidas pelo produtor rural, sendo a responsabilidade pelo recolhimento:

I - do produtor rural, pessoa física, e do segurado especial, quando comercializarem a produção diretamente com:

a) adquirente domiciliado no exterior (exportação), observado o disposto no art. 170;

b) consumidor pessoa física, no varejo;

c) outro produtor rural pessoa física;

d) outro segurado especial;

II - do produtor rural pessoa jurídica, quando comercializar a própria produção rural;

III - da agroindústria, exceto a sociedade cooperativa e a agroindústria de piscicultura, carcinicultura, suinocultura e a de avicultura, quando comercializar a produção própria ou a produção própria e a adquirida de terceiros, industrializada ou não, a partir de 1º de novembro de 2001;

IV - da empresa adquirente, inclusive se agroindustrial, consumidora, consignatária ou da cooperativa, na condição de sub-rogada nas obrigações do produtor rural, pessoa física, e do segurado especial;

2 Art. 6o A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

§ 7o As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.
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*Bruno de Oliveira Castro é advogado, especialista em Direito Empresarial pela UFMT.

*Aletheia Cristina Biancolini D'Ambrósio é advogado, com atuação em Recuperações Judiciais e Falências.

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