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Leitura jurídica do atentado contra Jair Bolsonaro, Eudes Quintino e Antonelli Secanho

Leitura jurídica do atentado contra Jair Bolsonaro

Faz-se, então, a seguinte indagação: o agente buscou "apenas e tão somente" ceifar a vida do candidato, sem qualquer razão aparente (artigo 121 do Código Penal) ou ele agiu movido por razões políticas (inconformismo político - LSN)?

domingo, 16 de setembro de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 16:28

No dia 6 de setembro deste ano, todos os brasileiros foram surpreendidos com uma notícia estarrecedora: o candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro, foi esfaqueado durante sua campanha eleitoral nas ruas do município de Juiz de Fora/MG e somente não veio a óbito em razão da rápida e eficiente intervenção da equipe médica que o socorreu. A ação do criminoso foi registrada de diversos ângulos, por inúmeros apoiadores do candidato que ali estavam e que filmaram o ocorrido com seus aparelhos de telefone celular, o que possibilitou a exata compreensão de como os fatos se desencadearam.

Nesta linha investigativa, um questionamento surge quase que imediatamente: o crime praticado contra o candidato Jair Bolsonaro enquadra-se no artigo 121 do Código Penal, em sua modalidade tentada, ou nas disposições da Lei de Segurança Nacional (LSN - lei 7.170/83)? Faz-se, então, a seguinte indagação: o agente buscou "apenas e tão somente" ceifar a vida do candidato, sem qualquer razão aparente (artigo 121 do Código Penal) ou ele agiu movido por razões políticas (inconformismo político - LSN)?

A resposta a estes questionamentos não deve ser de bate-pronto, tendo em vista que os fatos até agora analisados não apontam, com a certeza exigida pela lei, qual a real intenção do agente. E as consequências para os enquadramentos legais citados são totalmente diversas.

Assim, por um lado, caso se entenda que o agente buscou matar o candidato sem motivação política alguma, restaria caracterizado, em tese, o crime de homicídio qualificado na forma tentada, pois o quadro aponta que o agente valeu-se de um recurso que dificultou a defesa da vítima, cujo bem jurídico tutelado é a vida. Nesta hipótese, o agente seria submetido a julgamento pelo E. Tribunal do Júri e poderia ser condenado a uma pena de 12 a 30 anos de reclusão, em regime inicial fechado, diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços), por ser crime tentado.

Por outro lado, caso se entenda que o agente agiu por motivações políticas, as consequências são diametralmente opostas.

Com efeito, a lei 7.170/83 traz, em seu artigo 1º, o bem jurídico por ela tutelado:

Art. 1º - Esta Lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão:

I - a integridade territorial e a soberania nacional;

Il - o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito;

Ill - a pessoa dos chefes dos Poderes da União.

Além do mais, de acordo com o que foi noticiado até o presente, a Polícia Federal, em sua análise inicial de adequação do fato à norma, enquadrou a conduta do agente como atentado pessoal, por inconformismo político, tipificado no artigo 20 da LSN:

Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.

Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.

Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.

Curioso observar que, com a ordem contida no parágrafo único do artigo 20 da lei 7.710/83, a pena do agente poderia ser de 6 a 20 anos de reclusão, justamente a pena cominada ao crime de homicídio simples do Código Penal (artigo 121 caput).

Mas essas questões não se apresentam isoladamente e outras devem ser somadas a elas em busca de uma formatação jurídica adequada. Conforme determinam os artigos 30 e 31 da LSN, à Polícia Federal cabe a instauração do competente inquérito policial, bem como à Justiça Militar cabe o julgamento dos crimes previstos na lei 7.170/83.

Nada obstante, conforme entendimento do STF, o artigo 30 da Lei de Segurança Nacional não foi recepcionado pela Constituição Federal que prevê, claramente, no artigo 109, inciso IV, a competência da Justiça Federal para julgar os crimes políticos: CC nº 21.735/MS, relator o ministro José Dantas, Terceira Seção, DJ de 15/6/1998 e RC nº 1.468/RJ, relator o ministro Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, DJ de 16/8/2000.

Faz-se necessário, aqui, um pequeno parêntese hermenêutico: a Constituição, quando entrou em vigor em 1988, revogou todo o ordenamento jurídico anterior que com ela não era compatível e recepcionou todas as normas que eram materialmente compatíveis, vez que a compatibilidade formal é dispensável, mas a compatibilidade material é fundamental.

Isso porque não se fala em inconstitucionalidade superveniente da norma (o vício da norma é sempre congênito; nasce com ela): ou a norma anterior é compatível, materialmente, com a nova Constituição e é por ela recepcionada; ou ela é materialmente incompatível e, então, é expurgada do ordenamento por não recepção (é o caso do artigo 30 da LSN).

Há, ainda, outra diferença fundamental: da condenação por tentativa de homicídio cabe apelação e, de acordo com o Código de Processo Penal, com causa de pedir e pedido restritos, uma vez que a decisão dos jurados é soberana, enquanto da condenação baseada na LSN cabe Recurso Ordinário Constitucional para o STF.

Mas não é só. Caso se entenda tratar-se da prática de crime comum, qual será o juízo competente, Federal ou Estadual? Uma vez não comprovada a motivação política, qual o fundamento para manter o julgamento na Justiça Federal? Será que o interesse da União foi atingido, ou restaria apenas o bem jurídico do particular, o que justificaria a competência da Justiça Estadual para julgar o crime?

São respostas que ainda estão por vir e que dependem de toda a análise e investigação do crime, para que então se possa delimitar a jurisdição e, assim, a legislação a ser aplicada.

Ainda há, também, ad argumentandum tantum, a questão trazida pela defesa com relação à dúvida sobre a completa higidez mental do acusado, vale dizer, sobre sua inimputabilidade, o que pode ensejar a instauração do incidente de insanidade mental e a consequente aplicação de medida de segurança a ele.

De qualquer modo, há que se combater, com veemência, qualquer ato que impacte na democracia e na livre manifestação de ideais e propostas, não só na esfera eleitoral, pois a Constituição é clara em eleger o Estado Democrático de Direito como um de seus princípios, o que, por si só, garante a todos a proteção que Voltaire já defendia: "Posso não concordar com uma só palavra sua, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-la".

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado/SP, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.





*Antonelli Antonio Moreira Secanho é advogado, bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduação "lato sensu" em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP.

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