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Tribunal de Justiça do Mato Grosso decide os rumos da recuperação judicial do produtor rural, José Pupin, conhecido como "rei do algodão"

As obrigações assumidas por produtores rurais antes da inscrição na junta comercial não estão sujeitas aos efeitos da recuperação judicial.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 17:07

Em decisão inédita o Tribunal de Justiça do Mato Grosso deu provimento aos recursos interpostos pelos credores de José Pupin Agropecuária e Vera Lucia Camargo Pupin, em face da decisão do juízo recuperacional da comarca de Campo Verde, que entendeu pela inclusão dos créditos constituídos antes da inscrição dos produtores rurais na junta comercial.

O julgamento iniciado em 29/8/18, teve seu desfecho na manhã do dia 12/9/18, quando por unanimidade de votos foi proferido acórdão dando provimento aos recursos dos credores. Trata-se de decisão de grande relevância e repercussão no mundo jurídico, e, especialmente, para o agronegócio.

Os produtores rurais ingressaram pela primeira vez com o pedido de recuperação judicial em agosto de 2015, contudo, por não preencher o requisito do exercício regular da atividade por mais de dois anos de que trata o art. 48 da Lei de Recuperação e Falências, não obtiveram êxito.

Uma vez completados dois anos de inscrição na junta comercial, ingressaram com novo pedido de recuperação judicial, processado na mesma comarca, pretendendo a inclusão dos créditos concedidos às pessoas físicas antes da inscrição como empresa mercantil.

Na decisão que deferiu o processamento desse novo pedido de recuperação, o juiz André Barbosa Guanaes Simões entendeu que, "em resumo, e para todos os fins, na forma do art. 49 da lei 11.101/05, sujeitam-se à presente recuperação judicial todos os débitos dos recuperandos relacionados à atividade empresarial rural, e que já existiam à época da inicial, ainda que não vencidos, só sendo excluídos aqueles expressamente desprezados pela aludida lei".

O TJ/MT, ao contrário do que entendeu o juízo de primeiro grau, decidiu que as obrigações assumidas pelos produtores rurais, na condição de pessoas físicas, não podem ser tratadas como se tivessem sido celebradas por empresários regularmente inscritos na junta comercial.

Entenderam os julgadores que "a lei deve ser analisada de forma teleológica, ou seja, se para o processamento do pedido de recuperação judicial do empresário rural é necessária a prévia inscrição na junta comercial pelo período de dois anos, portanto, somente as dívidas contraídas pelas pessoas jurídicas neste ínterim deverão ser incluídas no processo recuperacional".

É evidente que o regime jurídico aplicável ao produtor rural somente é alterado a contar do seu registro, e, sendo este de natureza constitutiva, as dívidas contraídas antes da inscrição não devem se submeter aos efeitos da recuperação judicial.

Aos empresários individuais em geral a inscrição na junta comercial é obrigatória, de modo que, quando realizada torna regular a atividade empresarial. Já o produtor rural tem o direito potestativo de optar ou não pela sua inscrição, de acordo com o regime jurídico a que pretende se submeter. Diante do caráter constitutivo, não pode ter efeitos retroativos, em especial para prejudicar os credores que concederam o crédito na vigência do regime não empresarial.

Dada a relevância da atividade rural no estado do Mato Grosso, louvável a decisão do Tribunal de Justiça que visou preservar a segurança jurídica das relações contratuais celebradas pelos produtores rurais, já que o agronegócio contribuiu com 23,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2017.

Não fosse decidido desta forma, as consequências seriam desastrosas, podendo acarretar inclusive a queda do investimento de capital estrangeiro no país, restrição ao crédito e aumento das taxas de juros. Além disso, provavelmente o Poder Judiciário seria inundado de pedidos de recuperação judicial de produtores rurais na mesma condição.

Na mesma decisão, o Egrégio TJ/MT entendeu que os honorários da administradora judicial deveriam ser reduzidos para incidir somente sob o crédito efetivamente sujeito à recuperação judicial, não podendo ser considerado para fins de arbitramento o valor bilionário da dívida apresentada pelos produtores rurais, que serviu de base para a fixação dos honorários pelo juízo recuperacional.

Destaca-se a importância da atuação conjunta dos patronos dos credores bancários representados por bancas de advogados de diversas partes do país, e, especialmente em parceria com escritórios locais, que não mediram esforços para a correta aplicação da lei, visando a segurança jurídica das relações contratuais, dada a relevância da questão para o mercado financeiro nacional.

A disputa judicial continua, pois, a decisão do TJ/MT está sujeita a recurso e reanálise da matéria pela Corte Superior.

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*Alini Marcela Akinaga Melo Mariano é advogada e especialista em Direito Processual Civil.

 

 

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