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Arbitragem no direito concorrencial

Luciano Benetti Timm e Adriano Huland

O mecanismo arbitral desenvolvido pelo CADE teve a finalidade de solucionar eventual disputa privada na definição do preço e/ou das regras de acesso para a contratação dos serviços a serem prestados pelo agente monopolístico.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Atualizado em 28 de setembro de 2018 09:20

Ainda hoje, muito se discute acerca da aplicabilidade da arbitragem a questões envolvendo direito antitruste. Questiona-se desde o alcance da competência das decisões proferidas pelos Tribunais Arbitrais, com fundamento na Lei de Defesa da Concorrência, até a possível utilização do procedimento para a resolução de conflitos em matéria indenizatória e ainda os limites e obrigações das partes e dos árbitros diante da natureza imperativa e pública da legislação antitruste.

Nesse cenário de poucas certezas, a análise do ato de concentração 08700.004860/16-11, julgado em março de 2017, na 101ª Sessão Ordinária do Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), além de leading case sobre o assunto, foi também um indicativo interessante acerca da possibilidade de interação entre o direito antitruste e o direito arbitral.

Na espécie, o processo de autorização de concentração, de relatoria da Conselheira Cristina Alkmin, tratava da operação de união das atividades da BM&FBovespa S/A - Bolsa de Valores, Mercados e Futuros (BVMF) e da Cetip S/A - Mercados Organizados, esta última responsável pelos serviços de registro, central depositária, negociação e liquidação de ativos e títulos.

A fusão das empresas consolidou uma companhia cujo valor de mercado combinado representou cerca de 46 bilhões de reais, criando uma empresa de infraestrutura de mercado de classe mundial, com importância sistêmica, preparada para competir em um mercado global sofisticado e aumentando a segurança, a solidez e a eficiência do mercado brasileiro.

O caso se tornou emblemático, por propor, de maneira inédita, o procedimento arbitral como alternativa para a resolução de um conflito privado que tinha como cenário a possível recusa de contratar e, consequentemente, a imposição de uma barreira, pelas requerentes Bovespa-Cetip, à entrada no mercado, especialmente quanto ao acesso da infraestrutura de serviços de central depositária (CSD).

Na ocasião, os dois agentes envolvidos, a Bovespa e a Cetip, não apresentavam sobreposições horizontais, eram complementares, mas a operação acarretaria a consolidação de um monopólio, que, embora natural, praticamente inviabilizaria a entrada de um novo player, já que, pela estrutura do mercado, um entrante necessariamente teria que utilizar parte da infraestrutura da Bovespa-Cetip. Nesse sentido, para utilizar essa infraestrutura, o entrante teria que remunerar a Bovespa pelo serviço e, também, cumprir condições técnicas mínimas.

Nesse contexto, caso a Bovespa não considerasse oportuna a entrada de um novo interessado, poderia simplesmente se recusar a negociar, o que, por consequência, evitaria o ingresso de mais players.

A novidade, então, foi a solução encontrada pelo CADE, ao estabelecer que o interesse de um novo entrante necessariamente obrigaria as partes a negociar, e, caso não chegassem a um consenso acerca dos termos privados dessa negociação, a questão seria resolvida por meio da arbitragem.

A solução, portanto, de submeter a divergência negocial à arbitragem partiu do próprio CADE, especificamente do voto vogal do Conselheiro Paulo Burnier da Silveira, que sugeriu a obrigação das compromissárias, através de um Acordo em Controle de Concentração (ACC), "a empreender período de negociação de até 120 dias com qualquer interessado na contratação da prestação de serviços de central depositária e, no caso de fracasso nas negociações, o potencial entrante poderia acionar mecanismo de arbitragem para solucionar controvérsias".

A relatora defendia que a arbitragem pudesse ser usada também para eventuais discordâncias sobre o uso da clearing, ao contrário do que queriam as empresas, mas foi vencida. "O acordo tem algumas condições que para mim são insuficientes, mas convergimos com a ideia do tribunal arbitral", disse ela, admitindo que seu voto era mais detalhado.

À Bovespa coube necessariamente negociar e chegar a bons termos com eventuais novos players, não sendo mais possível sua mera resistência ou negativa de negociação, tampouco sua omissão intencional em estipular as condições de entrada.

Sem dúvidas, o caso em questão representou talvez o primeiro no uso de um mecanismo de arbitragem próximo a sua acepção mais tradicional no direito privado, presente, cada vez mais vezes, em contratos empresariais.

Pelos termos do Acordo em Controle de Concentração (ACC) sugerido pelo Conselheiro, "a arbitragem seria conduzida por Tribunal Arbitral composto por três árbitros e realizada na cidade de São Paulo, observando o procedimento previsto no regulamento do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá."

O ACC determina ainda que o Tribunal Arbitral terá poderes para decidir sobre quaisquer aspectos relativos ao preço e/ou ao escopo das regras de acesso à prestação de serviços de CSD. A deliberação do Tribunal Arbitral é irrecorrível e terá caráter vinculante para as compromissárias, que deverão enviar cópia da sentença arbitral ao CADE e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em até cinco dias contados da ciência da decisão.

O que se percebe é que o mecanismo arbitral desenvolvido pelo CADE teve a finalidade de solucionar eventual disputa privada na definição do preço e/ou das regras de acesso para a contratação dos serviços a serem prestados pelo agente monopolístico. Entende-se que essa solução arbitral está em linha com recomendações da Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e encontra respaldo em experiências estrangeiras comparadas, sendo possivelmente cada vez mais utilizada pelo CADE para a solução de situações anticoncorrenciais.

Após referida solução, não nos parece, portanto, haver dúvidas quanto à possibilidade de utilização do procedimento arbitral no direito antitruste, sendo até recomendável por parte da autoridade concorrencial o fomento de tal prática, haja vista os benefícios dela advindos.

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*Luciano Timm é professor, mestre e doutor em Direito. Sócio do escritório Carvalho, Machado e Timm Advogados.

*Adriano Huland é especialista em Direito Empresarial, finanças e Direito do Trabalho e mestrando em Direito dos Negócios pela Fundação Getúlio Vargas-FGV.

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