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Todo cuidado é pouco: multa processual acima do limite legal

A punição a ser aplicada pelo Poder Judiciário, assim como qualquer ato a ser por ele praticado, precisa respeitar o modelo constitucional do processo, assegurando as garantias apresentadas pela Constituição Federal.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Atualizado em 12 de novembro de 2018 07:29

A marcha processual deve sempre caminhar para frente, sem dilações indevidas. Manobras meramente protelatórias, cujo precípuo intuito é retardar o andamento do feito sem justificativa plausível, embaraçam a efetividade da tutela jurisdicional, pois causam transtornos desnecessários ao alcance dos escopos do processo (social, político e jurídico), que se projetam, ao fim e ao cabo, para dirimir a disputa submetida ao crivo do Poder Judiciário.

Não é surpresa dizer que, no processo civil brasileiro, os embargos de declaração são, com certa frequência, indevidamente utilizados como instrumento para procrastinar a resolução do litígio. Os motivos são os mais variados, sendo um dos principais deles a tentativa de postergar o trânsito em julgado de decisão desfavorável à parte embargante, a despeito da ausência de vícios no ato decisório aptos a justificar a oposição de embargos, cujas hipóteses de cabimento são restritas.

Para coibir, ou ao menos mitigar a corriqueira oposição de embargos de declaração contra todo e qualquer pronunciamento judicial no curso do processo, o legislador pátrio facultou aos magistrados a fixação de multa nos casos em que as partes lançarem mão dos embargos de declaração com pura finalidade dilatória. Como tudo que pesa no bolso faz as pessoas pensarem com mais cautela as suas ações, a sanção pecuniária foi uma saída encontrada para evitar a chicana processual via embargos.

Em comparação ao CPC de 1973, o CPC de 2015 implementou algumas alterações quanto à disciplina dos embargos de declaração. Com relação à multa por oposição de embargos protelatórios, há pontos que merecem destaque.

O § 2º do art. 1.026 do CPC de 2015, correspondente à primeira parte do art. 538, parágrafo único, do vetusto diploma, dobrou o valor da multa inicial: o limite legal passou a ser de 2% sobre o valor atualizado da causa, não mais 1% sobre o valor da causa - embora presumível, a lei de regência era omissa, até a alteração legislativa, acerca da incidência do percentual sobre o valor atualizado da causa.

Na linha do que fazia a segunda parte do parágrafo único do art. 538 do CPC de 1973, o § 3º do art. 1.026 do Código vigente prevê a possibilidade de elevação da sanção pecuniária em até 10% do valor da causa na hipótese de reiteração de novos embargos com o mesmo viés protelatório. Em tal caso, a lei condiciona o manejo de eventuais recursos ao depósito do valor referente à multa em questão, sob pena de não conhecimento. Há, no entanto, duas exceções a essa regra: tanto a Fazenda Pública quanto a parte beneficiária da gratuidade da justiça estão autorizadas a recolher o importe da condenação ao final do processo - portanto, de maneira diferida.

Além disso, é inédita a regra do § 4º do referido art. 1.026, que estabelece a inadmissibilidade de novos embargos quando os dois anteriores houverem sido considerados protelatórios.

Sem adentrar em possíveis elogios e/ou críticas ao atual regramento da matéria, que foge ao escopo deste breve texto, o fato é que, a partir da vigência do CPC de 2015, os dispositivos acima mencionados passaram a ser, cada dia mais, objeto de discussões e interpretações nos tribunais brasileiros. Nada mais natural e esperado.

Nessa perspectiva, em sessão de julgamento levada a cabo no dia 25 de outubro do corrente ano, a primeira turma do STJ atribuiu interpretação ao § 2º do art. 1.026 do CPC de 2015 que merece a atenção dos operadores do direito, sobretudo aqueles mais familiarizados ao contencioso cível (EDcl no AgInt no AREsp 1.268.706-MG, rel. min. Gurgel de Faria).

No caso em comento, a primeira turma considerou protelatórios os embargos de declaração opostos contra acórdão de agravo interno, por entender que o embargante deixou de especificar qual das hipóteses legais de cabimento dos embargos daria ensejo à medida integrativa, limitando-se a reiterar os argumentos lançados no dito agravo, que, como se sabe, é recurso com maior amplitude devolutiva se comparado aos aclaratórios. Em virtude disso, o órgão colegiado impôs a pena pecuniária em desfavor do embargante, com arrimo no art. 1.026, § 2º, do CPC de 2015, seguindo a já consolidada orientação do STJ acerca do assunto (ver, por todos: EDcl no AgRg na AR 4.471/RS, rel. ministro Mauro Campbell Marques, primeira seção, julgado em 12/8/15, DJe 3/9/15).

A peculiaridade de tal caso é que a fixação da multa superou o percentual máximo permitido por lei no aludido dispositivo. O ministro relator, levando em conta o ínfimo valor atribuído à causa (R$ 1.000,00), decidiu arbitrar a multa em R$ 2.000,00, fundamentando seu entendimento, em essência, no seguinte excerto: "Na hipótese, considerando que o valor da causa foi fixado em um mil reais (e-STJ fl. 21), o percentual a incidir sobre esse quantum não atingirá o escopo pretendido no preceito sancionador, pelo que entendo cabível a fixação daquela sanção em R$ 2.000,00 (dois mil reais)" - sem itálico no original.

Verifica-se, com efeito, que a regra do art. 1.026, § 2º, do CPC de 2015 não foi aplicada na situação sob exame em razão do valor que se atribuiu à causa, já que, pela conclusão do acórdão em questão, não surtiria efeitos a imposição de multa processual em montante irrisório.

De fato, a injustificável recalcitrância recursal, com o propósito de dedução de alegações contrárias à realidade dos autos e de arguição de vícios inexistentes, é motivo que aconselha a aplicação de multa processual. Daí por que é salutar a previsão de sanção pecuniária nessa circunstância.

Chama a atenção, contudo, as consequências que poderão advir a partir da criação desse precedente (no sentido de decisão anterior a uma decisão futura). Para ficar apenas em um único ponto que suscita inquietação, a irrisoriedade ou não do valor de uma causa, para fins de fixação de multa processual quando já se tem parâmetro expresso em lei, é algo absolutamente subjetivo, que pode dar brecha a decisões das mais diversas.

Deve-se evitar subjetivismos, sobretudo em se tratando de Tribunal Superior. Para tanto, se mantida a orientação do julgado aqui comentado, espera-se que o STJ fixe parâmetros seguros para aplicação de multa processual que extrapole os percentuais pré-fixados em lei. A punição a ser aplicada pelo Poder Judiciário, assim como qualquer ato a ser por ele praticado, precisa respeitar o modelo constitucional do processo, assegurando as garantias apresentadas pela Constituição Federal.

Os próximos capítulos a esse respeito estão por ser escritos. Nada obstante, todo cuidado é pouco.

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*Gustavo Favero Vaughn é advogado em Cesar Asfor Rocha Advogados e membro do IBDP e do CEAPRO.

*Melford Vaughn Neto é advogado, especialista em direito empresarial, tributário e administrativo. Sócio fundador da Advocacia Fávero e Vaughn.







 

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