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Sucessões: aspectos gerais sobre a renúncia da herança e cessão de bens no inventário

No caso de um inventário - procedimento comum para a realização da transferência dos bens deixados pelo falecido aos herdeiros -, seja judicial ou extrajudicial, os quinhões hereditários podem ser alterados por meio da renúncia da herança ou cessão de bens.

sexta-feira, 29 de março de 2019

Atualizado em 28 de março de 2019 16:56

Ocorrendo a morte, os bens deixados pelo de cujus são transmitidos imediatamente aos herdeiros, em virtude do Princípio da Saisine, previsto no artigo 1.784 do Código Civil1.

No caso de um inventário - procedimento comum para a realização da transferência dos bens deixados pelo falecido aos herdeiros -, seja judicial ou extrajudicial, os quinhões hereditários podem ser alterados por meio da renúncia da herança ou cessão de bens.

A renúncia da herança - negócio jurídico unilateral - consiste no ato de um ou mais herdeiros abdicarem totalmente o respectivo quinhão dos bens a que teriam direito a receber. Desse modo, o quinhão retorna ao montante da herança para ser redistribuído aos demais herdeiros, independentemente da aceitação destes. A renúncia significa, literalmente, abrir mão da herança.

Ao herdeiro que pretende renunciar a herança, três aspectos são importantes: (1) A renúncia deve ser expressa, seja por instrumento público, seja por termo judicial2. Assim, não existe a previsão de renúncia tácita. (2) A renúncia é sempre total, isto é, aquele que renunciar deve abdicar de todos os bens, sendo vedado a renúncia parcial3. (3) O renunciante não pode escolher um beneficiário do seu quinhão, o qual retornará ao total da herança. Sendo assim, é como se o renunciante nunca tivesse herdado os bens deixados, não havendo transmissão, motivo pelo qual é considerado um ato abdicativo4.

A aceitação e a renúncia da herança são atos irrevogáveis, ou seja, uma vez manifestado, o herdeiro não poderá voltar atrás. A exceção a tal regra é a ocorrência de algum defeito do negócio jurídico, que poderá ser anulado por medida judicial.

A cessão de bens - negócio jurídico bilateral - pode ocorrer à título gratuito ou oneroso. Ainda que existam diferenças, a cessão gratuita assemelha-se a uma doação, enquanto a onerosa assemelha-se a uma compra e venda.

Diferentemente da renúncia da herança, na cessão, o herdeiro escolhe o beneficiário do seu quinhão, podendo ser outro herdeiro ou não, desde que respeitado o direito de preferência ao coerdeiro5.

Em razão da autonomia da vontade, o herdeiro pode ceder parcial ou totalmente o seu quinhão ao cessionário, que não terá qualidade de herdeiro. Na cessão ocorrem duas transmissões. A primeira transferência acontece do de cujus ao herdeiro. A segunda ocorre do herdeiro ao beneficiado.

Uma das principais diferenças entre a renúncia da herança e a cessão de bens, seja gratuita ou onerosa, consiste no impacto tributário. Neste último caso, dependendo da escolha dos herdeiros, poderá incidir o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) e/ou ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis).

Na renúncia da herança não há incidência tributária ao herdeiro renunciante, pois não houve a transferência dos bens deixados pelo falecido a ele, cabendo aos demais herdeiros o pagamento do tributo pela transmissão causa mortis.

Por outro lado, na cessão, tanto gratuita quanto onerosa, já ocorreu uma primeira transmissão (causa mortis), decorrente da aceitação da herança, motivo pelo qual incide o ITCMD. Na hipótese de cessão gratuita, haverá uma segunda transferência de bens (inter vivos), incidindo novamente o ITCMD. Note-se que por ser fatos geradores distintos, um causa mortis e outro inter vivos, não há que se falar em bitributação. Na hipótese de cessão onerosa, além do ITCMD, irá incidir o ITBI. Tais tributos possuem alíquotas consideravelmente distintas. À título exemplificativo, no estado do Paraná, a alíquota do ITCMD, tributo estadual, é de 4%. Na cidade de Curitiba/PR, a alíquota do ITBI, tributo municipal, é de 2,7%.

Portanto, diante de um inventário, os herdeiros podem redefinir, no momento da partilha dos bens, os quinhões hereditários de cada um, vislumbrando o que melhor lhes convém, dentro de um leque de possibilidades, especialmente para fins tributários.

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1 Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

2 Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial.

3 Art. 1.808. Não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição ou a termo.

4 AMORIM, Sebastião; DE OLIVEIRA, Euclides. Inventário e partilha: teoria e prática. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 62.

5 Art. 1.794. O co-herdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto.

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*Gustavo Boletta Vieira é advogado sócio no escritório Basso, Boletta, Sureck & Thomé Advocacia e Consultoria Jurídica.

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