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Quadro geral sobre tributação de criptoativos no Brasil

Os detentores de criptomoedas possuem muitas dúvidas envolvendo a tributação das moedas virtuais. Neste artigo, trataremos das questões mais comuns sobre o assunto.

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Atualizado em 11 de abril de 2019 13:15

Introdução - Criptomoedas e a Declaração de imposto de renda

O Manual das Perguntas e Respostas sobre a Declaração do IRPF de 2017, lançado todos os anos pela Receita Federal, trata diretamente sobre o tema em seu tópico 447 ao esclarecer que:

"Moedas virtuais (bitcoins, por exemplo), muito embora não sejam consideradas como moedas nos termos do marco regulatório atual, devem ser declaradas na ficha "Bens e Direitos" como "outros bens", uma vez que podem ser equiparadas a ativos financeiros. Elas devem ser declaradas no valor da aquisição."

Aqui, importante mencionar que sequer é possível dizer que a classificação como ativo é resultante de previsão normativa: trata-se, apenas, de orientação da Receita nas Perguntas e Respostas da Declaração do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (pergunta 447).

Ora, em direito tributário vige o princípio da estrita legalidade (ou tipicidade), pelo qual impossível a exigência de tributo do contribuinte, sem expressa disposição legal quanto a sua criação e elementos de incidência. Os limites do poder de tributar (dados pelos princípios tributários elencados na Constituição) devem ser observados sob pena de inconstitucionalidade da cobrança.

Dito de outro modo, o princípio da legalidade visa proteger o contribuinte que não poderá ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, ele impede abusos por parte das autoridades e uma possível discricionariedade na cobrança dos tributos

Daí porque, sem um posicionamento definitivo da Receita sobre a natureza das criptomoedas, nem lei específica prevendo sua tributação, há quem defenda que a mera propriedade de bitcoins não deve ser declarada, devendo este "ativo" ser classificado como meio de pagamento (fundada em um protocolo de código aberto autônomo), e não como um bem (já que não existe um marco regulatório sobre o assunto ou legislação nacional que equipare criptomoedas a bens).

No Japão, por exemplo, onde as discussões tecnológicas são mais avançadas e o Congresso Nacional - National Diet - já reconheceu as moedas virtuais como meios de pagamento legais, ainda há a debate sobre a natureza de bem das criptomoedas, uma vez que o seu reconhecimento apenas como meio de pagamento afeta bastante a possibilidade de arrecadação sobre seus ganhos financeiros.

Conclui-se, assim, que o legislador brasileiro não definiu o que é bitcoin ou qualquer "criptoativo" como moeda, limitando-se a Receita Federal do Brasil a emitir orientação (nas Perguntas e Respostas do IRPF de 2017) de que estão sujeitas à tributação e como deve ser feita a declaração e eventual recolhimento de imposto.

Importante notar que conceituar criptomoedas como moeda tem implicações. Dizer oficialmente que não é moeda, também traz consequências legais, como por exemplo, não se poderia tributar ganho de capital decorrente de operações com criptomoedas.

Consequências sobre eventual omissão das criptomoedas na declaração de imposto de renda

É aconselhável que os detentores de criptomoedas estejam cientes dos riscos e possíveis consequências administrativas, civis, penais e tributárias, ao não declarar tais bens e valores à Receita Federal.

Se o ganho de capital não declarado for verificado pela Receita Federal, existe o risco, por exemplo, do contribuinte cair na "malha fina" da Receita Federal, sendo "convidado" recolher os tributos devidos com juros e multas.

E ainda que o fisco não descubra a omissão do lucro obtido pelo contribuinte, com a compra e venda de criptomoedas, ?o detentor de criptomoedas pode ter dificuldades de explicar os acréscimos patrimoniais decorrentes das criptomoedas no futuro.

Por isso, ?a decisão de não declarar criptomoedas por quem é autônomo / minerador/ etc. e, portanto, não tem salário declarado em holerite, ou ainda, porque recebe comissão "por fora", traz riscos que devem ser conhecidos pelos detentores de criptomoedas.

A tributação do aumento patrimonial obtido com criptomoedas, e proveniente de atividades ilícitas

A "origem" dos ganhos obtidos com criptomoedas, seja resultado de atividade lícita, ou ilícita, não tem relevância para o Direito Tributário.

Isso se dá em razão da máxima "pecunia non olet", isto é, "dinheiro não tem cheiro", segundo a qual a origem do valor econômico não importa, sendo suficiente que o aumento de patrimônio exista para que haja a incidência de tributo.

O princípio da isonomia também reforça essa explicação, pois não seria razoável que se cobrasse tributo sobre os ganhos lícitos, e não dos ilícitos. Por conta disso, também é passível de tributação, por exemplo, o ganho em criptomoedas de um hacker do Wanna Cry (o maior cyber ataque da história).

No Brasil, a Constituição brasileira e nosso Código Tributário determinam que incide imposto de renda sobre a aquisição de renda, compreendida de forma simplificada como acréscimo patrimonial observado como o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, ou, ainda, de proventos de qualquer natureza.

Logo, as operações envolvendo criptomoedas, que gerem acréscimo patrimonial, são passíveis de imposto de renda, ainda que esse aumento de patrimônio seja fruto, por exemplo, do recebimento de bitcoins por práticas delituosas, como lavagem de dinheiro, compra de drogas, armas, etc., na internet.

Qual valor declarar no Imposto de Renda, já que inexiste cotação oficial para criptomoedas? E como tais bens serão tributados?

Como não há órgão de controle para tais moedas e suas cotações, o próprio contribuinte deverá declarar seus valores, para conversão com fins tributários.

Tal declaração, contudo, não deve ser aleatória, devendo se basear no valor de aquisição das moedas e nos documentos que o contribuinte porventura possua para comprovar sua aquisição, como os extratos/históricos de movimentação dos sites onde as moedas foram adquiridas. Isso porque, caso caia na malha fina, o contribuinte terá como comprovar o valor dos bens declarados.

A tributação dos ganhos obtidos com a alienação de criptomoedas

Segundo a própria Receita Federal (tópico 607 do Documento de Perguntas e Respostas):

"Os ganhos obtidos com a alienação de moedas virtuais (bitcoins, por exemplo) cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35.000,00 são tributados, a título de ganho de capital, à alíquota de 15%, e o recolhimento do imposto sobre a renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação".

Para isso, o contribuinte deve informar no GCAP o custo de aquisição e o valor de venda. O pagamento do DARF é até o final do mês subsequente.  

A operação conhecida como "day trade" e a alíquota aplicada

No caso de operação conhecida como day trade, não se aplica a alíquota de 20% sobre o lucro líquido, mas 15% sobre o ganho de capital acima de R$35k/mês.

Isto porque, essa regra só se aplica a ações, e o ganho de capital de criptomoedas equivale a de bens ordinários. Desse modo, seria o mesmo que abater ganho de capital de um carro, por exemplo (quando o preço de venda de um carro é inferior ao seu preço de compra).

A possibilidade, ou não, do abatimento de prejuízos passados, ao calcular o imposto devido

Pelo mesmo motivo, não é permitido abater prejuízos passados ao calcular o imposto devido.

Ainda, imagine a hipótese dos que em viagem no exterior sacam bitcoins em dólar. O imposto também é devido neste caso. Isto porque, o tributo é devido no país onde o contribuinte reside por 183 dias ou mais no ano, exceto em acordos que evitam bitributação. Renda é renda e o governo não alivia.

Mineração, pagamento de bens e serviços com criptomoedas e demais situações com potencial tributação

Outras situações que resultariam na potencial tributação, como o pagamento de bens e serviços com criptomoedas ou mesmo a atividade de mineração, ficaram ao largo da regulamentação.

Isto porque, tais situações (hipóteses de incidência tributária) sequer constam da orientação da Receita Federal nas Perguntas e Respostas da Declaração do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (pergunta nº 447) e, como já discutido em tópico acima, necessária previsão legal estrita para tributação de fato gerador de incidência tributária.

Sobre a compra e venda de criptomoedas deve incidir o Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF)? E o ICMS?

Durante o XXI Simpósio de Direito Tributário do Instituto de Estudos Tributários (IET), entre 30 e 31 de novembro em Porto Alegre (RS), a procuradora Melissa Guimarães Castello, da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, pontou seu posicionamento de que bitcoin é uma moeda, atraindo, em alguns casos, a tributação.

E na ocasião, Castello citou:

"(...) na Suécia há um caso de uma pessoa física que fez uma consulta ao Estado sobre a tributação de sua corretora, que atuava na compra e venda de bitcoins. Para a procuradora, caso isso ocorra no Brasil, deverá ser cobrado o IOF.

"Deve ser dado o mesmo tratamento de operações com moeda estrangeira", afirmou Castello.

Já nos casos de operações com pagamentos em bitcoins, para a procuradora, deve ser recolhido o ICMS."

Incidência de tributos municipais (ISS e ITCMD) em fatos geradores envolvendo criptomoedas é possível?

Há quem defenda a incidência de ITCD (imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos), em caso de doação das criptomoedas e, em caso de transmissão por inventário em razão do falecimento dos proprietários das criptomoedas.

Assim como, outros defendem a incidência de ISSQN (Impostos sobre serviços de qualquer natureza), em caso de pagamento de prestação de serviço com criptomoedas. Imagine, por exemplo, o pagamento de uma palestra com bitcoins, ou ainda, o pagamento de uma lavagem de carro com Dash.

Takewaway

Contudo, como já pontuamos acima, essas são análises preliminares, pois, como visto, o tema é bastante controverso diante do princípio da estrita legalidade tributária.

Cabe, portanto, acompanhar as discussões regulatórias, que ganham cada vez mais espaço no cenário nacional mundial, para entender como se dará a tributação das criptomoedas.

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*Tatiana Revoredo é representante do European Law Observatory on New Technologies no Brasil. Blockchain Strategist pela University of Oxford e pelo MIT.

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