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A legalidade da cobrança da taxa de conveniência

Verifica-se que o julgamento do STJ não corresponde à melhor solução para a venda de ingressos online.

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Atualizado em 23 de abril de 2019 15:09

Muito surpreendeu a decisão proferida pelo STJ, que considerou ilegal a cobrança da chamada taxa de conveniência, em todo território nacional, por determinada empresa de vendas online de ingressos para eventos.

Embora o acórdão ainda não tenha sido disponibilizado, é possível identificar os dois principais fundamentos da decisão: (i) a prática caracterizaria venda casada, pois imporia ao consumidor a aquisição de serviço não contratado; e (ii) o custo operacional dessas plataformas não deveria ser transferido ao consumidor, por constituir risco da própria atividade empresarial.

A decisão da Corte terá profundos impactos no comércio eletrônico e nas plataformas digitais, não podendo passar despercebida.

A fundamentação do julgamento indica que o STJ entende que a venda online consistiria parte integrante e indissociável da comercialização do ingresso em si, integrando o risco da atividade do fornecedor. Por conseguinte, a transferência desse custo ao consumidor, por meio da taxa de conveniência, equivaleria a lhe impor a aquisição de serviço - no caso, a venda do bilhete pela internet -, em verdadeira e inadmissível prática de venda casada (artigo 39, I, do Código de Defesa do Consumidor).

A controvérsia, nesse ponto, reside na análise de requisito essencial para a caracterização da venda casada: a ausência de alternativa ao consumidor. De fato, a ilicitude da conduta do fornecedor se verifica na medida em que ele não concede ao consumidor opção diversa da compra conjunta dos produtos ou serviços casados, ou a oferece, mas cria óbices quase intransponíveis à sua aquisição, a ponto de eliminar ou reduzir drasticamente a autonomia da vontade do indivíduo que realiza a compra.

É justamente ao tratar dessa questão que o STJ se equivoca. No caso específico da Ingresso Rápido, a venda online dos ingressos constitui mera opção do consumidor. Cabe a ele escolher entre a compra pela via digital - com o pagamento dos respectivos custos -, ou a aquisição presencial diretamente no guichê. Em última análise, a chamada taxa de conveniência consiste em contraprestação pelo serviço que permite ao consumidor adquirir a entrada sem ter que se deslocar e enfrentar filas. Desde que seja concedida a possibilidade de escolha ao consumidor de não utilizar essa facilidade, inexiste ilegalidade.

Tampouco é possível afirmar que a cobrança pela venda de ingressos pela internet transfere aos consumidores parcela do risco das atividades empresariais exercidas pela empresa que produz o evento. Na realidade, a exigência de contraprestação privilegia a transparência, pois evidencia a existência - e a consequente necessidade de remuneração - de duas atividades plenamente distintas entre si: de um lado, a organização do evento cujo ingresso é vendido e, de outro, o mecanismo por meio do qual o bilhete é adquirido e entregue ao consumidor.

Deixando de lado as plataformas digitais, é possível analisar a questão sob o ponto de vista analógico. Imagine-se que o ingresso é vendido na bilheteria, e se oferece ao consumidor a opção de recebê-lo em casa, por meio da entrega por portador. Seria ilícito cobrar valor adicional por esse serviço, ou ainda permitir que esse pagamento fosse feito diretamente à empresa que realizasse o transporte? A resposta, evidentemente negativa, é perfeitamente aplicável à venda online de bilhetes.

Ao vedar a cobrança da taxa de conveniência, o julgamento do STJ também deixa de considerar todos os custos Resultado de imagem para taxa de conveniênciaenvolvidos na criação e manutenção das plataformas digitais de vendas de produtos e serviços. Por trás do monitor do computador, existem organizações empresariais complexas, que realizam significativos investimentos para proporcionar ambiente digital adequado e seguro para a realização de transações comerciais. Dentro do rigoroso sistema normativo que lhes é aplicável - e que, em breve, incluirá a lei geral de proteção de dados (lei 13.709/18) -, essas empresas devem criar e manter condições não apenas para o funcionamento do sistema, mas também para o relevante tratamento realizado sobre os dados pessoais.

Sequer sob a perspectiva dos benefícios ao consumidor a decisão do STJ é adequada. Para suportar os custos da venda online - que deverá ser incorporada às suas atividades -, os organizadores de eventos aumentarão o preço do ingresso, incorporando o valor devido às plataformas digitais. A consequência é negativa sob duplo aspecto: porque não diferencia o adquirente pela via digital daquele que comparece ao guichê, impondo a esse último os custos que eram atribuídos apenas ao primeiro, e porque gera maior custo fiscal, na medida em que haverá incidência de tributos tanto na compra e venda feita pelo consumidor na plataforma digital - já acrescida dos custos internalizados -, quanto no pagamento devido pela organizadora do evento à empresa que realiza a venda dos bilhetes.

Diante desse cenário, verifica-se que o julgamento do STJ não corresponde à melhor solução para a venda de ingressos online. Na esfera teórica, consiste em intervenção indevida e excessiva do Estado no ambiente econômico, restringindo a realização de prática absolutamente lícita. No âmbito prático, contrapõe-se a prática que favorece a transparência, pois indica ao consumidor a existência de custos diversos para produtos/serviços diferentes, e ainda confere margem para o aumento de custos e para sua imposição àqueles que não realizam a aquisição por meio eletrônico.

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t*Renato Duarte Franco de Moraes é advogado do escritório Cascione Pulino Boulos Advogados.

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