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Flexibilização da impenhorabilidade dos alimentos

A regra legal da impenhorabilidade é, em princípio, típica, porém admite a mitigação na interpretação do artigo de lei, por força da existência dos direitos fundamentais que estão implícitos, bem como das posições jurídicas não previstas nas hipóteses casuísticas.

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Atualizado em 16 de maio de 2019 15:00

O STJ recentemente autorizou a penhora de 15% da remuneração de devedor para pagamento de dívida contraída com a locação de imóvel residencial, flexibilizando a regra da impenhorabilidade das verbas alimentares prevista no inciso IV, do art. 833, do Código de Processo Civil (AREsp 1.336.881).

É fato que o termo "absolutamente" impenhorável foi retirado do caput do artigo 649, do CPC/73, onde constava o rol taxativo de bens que, em tese, nunca poderiam ser penhorados, tendo em vista serem essenciais para subsistência do homem.

A dúvida que persiste, no entanto, é que apesar de o novo código ter flexibilizado as hipóteses de penhora, principalmente das verbas de caráter alimentar, ainda não foi definido o percentual penhorável - capaz de assegurar a dignidade do devedor e de sua família, sem, ao mesmo tempo, ferir o direito do credor.

No recurso suscitado, por exemplo, os ministros do STJ entenderam que a penhora da remuneração do devedor, no percentual de 15%, não comprometeria a subsistência do executado, não sendo correto manter o direito de impenhorabilidade no caso, de forma que a dívida fosse suportada somente pelo locador.

Segundo o relator, ministro Raul Araújo, a preservação da impenhorabilidade em tal situação "traria grave abalo para as relações sociais", pois dificultaria  que cidadãos assalariados alugassem outros imóveis residenciais.

A Corte abordou, inclusive, que a dívida foi contraída entre pessoas físicas, tendo como origem aluguéis de natureza residencial, ou seja, compromisso financeiro de caráter essencial para a vida de qualquer pessoa comum, pois a satisfação de créditos de tal natureza compõe o orçamento familiar e não seria justo que fossem suportados apenas pelo credor dos aluguéis.

Em outro julgamento, a terceira turma do STJ decidiu que a regra geral da impenhorabilidade dos valores depositados na conta bancária em que o devedor recebe seus vencimentos, poderia ser excepcionada quando "o montante do bloqueio se revele razoável em relação à remuneração por ele percebida, não afrontando a dignidade ou a subsistência do devedor e de família"2. Caso em que a penhora se revelou razoável ao ser comparada com o valor total dos proventos do devedor. 

O STJ também busca balancear a nova onda de flexibilização da impenhorabilidade dos alimentos para evitar o desrespeito à dignidade da pessoa humana e código de processo civil, que ainda tipifica, em seu art. 833, os bens que em tese são impenhoráveis. 

A 4ª turma do STJ3, nesse seguimento, atenta ao movimento da flexibilização, julgou que o auxílio-doença para pagamento de crédito constituído a favor de pessoa jurídica é absolutamente impenhorável.

Apesar de o Tribunal de origem ter deferido a penhora de 30% do benefício, baseando-se em julgados do própria corte, o ministro Luis Felipe Salomão assentou que, seja pelo critério do CPC/73, seja pelo CPC/15, não haveria como manter a constrição do auxílio-doença no caso, notadamente por se tratar de pessoa doente, justificando que "não se pode conferir interpretação tão ampla ao dispositivo do julgado da Corte Especial a ponto de afastar qualquer diferença, para fins de exceção à impenhorabilidade, entre as verbas de natureza alimentar e aquelas verbas que não possuem tal caráter". 

Para o ministro, a penhora de qualquer percentual do benefício comprometeria a subsistência do devedor e de sua família, violando o mínimo existencial e a dignidade humana do devedor.

A atual doutrina também tem se afirmado no mesmo sentido de flexibilização da impenhorabilidade e equilíbrio entre a dignidade do devedor e a satisfação do débito existente. A regra legal da impenhorabilidade é, em princípio, típica, porém admite a mitigação na interpretação do artigo de lei, por força da existência dos direitos fundamentais que estão implícitos, bem como das posições jurídicas não previstas nas hipóteses casuísticas.

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*Vitor Dias Conceição é advogado do escritório Rocha e Barcellos Advogados.

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