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Transgênicos e unidades de conservação

Os produtos contendo organismos geneticamente modificados (OGM) são uma espécie de Bête Noire do ambientalismo que, com equivocada interpretação do princípio da precaução, busca impedir que eles tenham uma vida normal no país e se submetam à escolha do mercado, que os aprovará ou reprovará. A última novidade na luta contra os transgênicos é a sua alegada proibição nas zonas de amortecimento das unidades de conservação. Admitindo-se a boa-fé daqueles que aceitam a existência da proibição, vale a pena examinar-lhes os argumentos.

quarta-feira, 20 de setembro de 2006

Atualizado em 19 de setembro de 2006 14:37

 
Transgênicos e unidades de conservação
 

Paulo de Bessa Antunes*

 

Os produtos contendo organismos geneticamente modificados (OGM) são uma espécie de Bête Noire do ambientalismo que, com equivocada interpretação do princípio da precaução, busca impedir que eles tenham uma vida normal no país e se submetam à escolha do mercado, que os aprovará ou reprovará. A última novidade na luta contra os transgênicos é a sua alegada proibição nas zonas de amortecimento das unidades de conservação. Admitindo-se a boa-fé daqueles que aceitam a existência da proibição, vale a pena examinar-lhes os argumentos.

 

Sustentam os adeptos da tese que o artigo 11 da Lei nº 10.814 (clique aqui), de 2003, proíbe o plantio de transgênicos em área de até dez quilômetros ao redor de unidades de conservação. Penso não existir fundamento jurídico para a interpretação. A Lei nº 10.814 é daquelas poucas destinadas à vigência temporária. Isto é, suas normas se exaurem em si próprias. Diz a ementa: "Estabelece normas para o plantio da safra de 2004". O legislador obrou especificamente para a safra de soja geneticamente modificada do ano de 2004. Caso pretendesse legislar permanentemente, não teria mencionado a safra do ano de 2004. Aliás, é um princípio elementar de hermenêutica que a lei não tem palavras desnecessárias e que a lei se interpreta objetivamente. Se a vontade do legislador foi outra, o fato é que ela não foi objetivada. Veja-se que a lei restringiu o direito de comercialização da safra de 2004 até janeiro de 2005, demonstrando indiscutivelmente a limitação temporal da vigência da norma, segundo seu artigo 2º. Tal convicção é reforçada pelo artigo 13, que isentou de responsabilidade os plantadores de soja geneticamente modificada de safras anteriores.

 

O artigo 11 da Lei nº 10.814, que alguns pretendem ressuscitar, tinha o seguinte texto: "Fica vedado o plantio de sementes de soja geneticamente modificada nas áreas de unidades de conservação e respectivas zonas de amortecimento, nas terras indígenas, nas áreas de proteção de mananciais de água efetiva ou potencialmente utilizáveis para o abastecimento público e nas áreas declaradas como prioritárias para a conservação da biodiversidade". Um artigo de lei não se interpreta isoladamente.

 

A biossegurança foi inteiramente tratada pela Lei nº 11.105 (clique aqui), de 24 de março de 2005, que em seu artigo 42 revogou os artigos 5º a 10º e o artigo 16 da Lei nº 10.814. Logo, de 17 artigos, sete foram revogados expressamente e outros tacitamente. Por exemplo, o artigo 12, sobre tecnologias de restrição de uso, revogado pelo artigo 6º, VII da nova legislação. Dos artigos 1º ao 4º, todos dizem respeito às questões específicas da safra e definem prazos e condições para comercialização. Logo, chegamos a 12 artigos revogados. O artigo 17 indica apenas a data de entrada em vigor da norma. Chega-se, portanto, a 13 artigos em um total de 17. A admitir-se a continuidade de vigência da lei em questão, esta estaria totalmente mutilada e sem qualquer sentido lógico.

Não há qualquer base legal que proíba transgênicos no entorno de unidades de conservação, pelo menos até agora.

Admitindo-se que o artigo 11 tivesse permanecido "desgarrado e solitário", veríamos que, diante do artigo 2º, parágrafo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, ele não teria como se sustentar. De fato, a Lei nº 11.105, de 2005, regulou inteiramente a matéria de biossegurança e fulminou qualquer norma esparsa que pudesse remanescer sobre o tema.

 

O extinto artigo 11 da Lei nº 10.814 é fruto de um período de incerteza regulamentar em biossegurança, decorrente de uma medida liminar concedida em uma ação civil pública movida pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Greenpeace proibindo o plantio de sementes de soja transgênica em escala comercial até a apresentação de um estudo de impacto ambiental. A proibição caiu, pois a ação foi considerada improcedente. Além disso, tramitava no Congresso Nacional um projeto de lei para modificar a então vigente Lei nº 8.974 (clique aqui), de 1995. Devido a tais circunstâncias, o legislador estabeleceu uma presunção legal temporária de dano, com vistas a resguardar as unidades de conservação enquanto perdurasse a incerteza. Ela não persiste mais graças à nova Lei de Biossegurança. Nos termos da Lei nº 11.105, a exemplo da Lei 8.974, compete à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) dispor sobre liberação de organismos geneticamente modificados no meio ambiente. A nova lei encerrou a referida incerteza em relação ao impacto da soja transgênica ao aprovar o seu plantio sem qualquer restrição, segundo o artigo 35: "Ficam autorizadas a produção e a comercialização de sementes de cultivares de soja geneticamente modificadas tolerantes a glifosato registradas no Registro Nacional de Cultivares (RNC) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento".

 

Por outro lado, a Lei nº 10.814 não alterou a Lei nº 9.985 (clique aqui), de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), pois ainda que posterior a ela, não dispôs inteiramente sobre unidades de conservação ou zonas de amortecimento (artigo 2º, parágrafo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil). Ora, o artigo 25 da Lei nº 9.985 não trata de nenhuma proibição de transgênicos em áreas de amortecimento. É evidente que proibições não se presumem. Logo, não há qualquer base legal que proíba transgênicos no entorno de unidades de conservação, pelo menos até agora.

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*Advogado do escritório Dannemann Siemsen Advogados









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