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As mazelas da reforma trabalhista e o direito do nascituro

Trata-se de uma análise crítica acerca dos agentes insalubres e a realização de tarefas à essa exposição.

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Atualizado em 26 de junho de 2019 10:50

Antes de qualquer análise de mérito, importante trazer a definição de atividades insalubres, segundo o Ministério do Trabalho: "Atividades insalubres são aquelas que expõem os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites legais permitidos". No âmbito da Justiça, a insalubridade somente é reconhecida quando a atividade ou operação está incluída na lista de atividades insalubres determinadas pelo Ministério do Trabalho e artigo 189 da CLT.

 

Ao funcionário, urbano ou rural, que labora em ambiente insalubre, é devido, além do salário normal, um adicional correspondente à insalubridade, calculado em 40%, 20% ou 10% sobre o salário mínimo ou piso da categoria, conforme o grau de insalubridade.

 

A base de cálculo ainda é uma questão não pacificada, por ora, iremos nos abster de ponderações, por se tratar de uma questão ainda sem consenso comum.

 

Na hipótese de se tratar de atividade insalubre o empregador deverá remunerar o empregado devidamente. Entretanto, é recorrente que funcionários laborem em ambiente insalubres sem a percepção do adicional devido, dessa forma, caso seja demandado judicialmente o empregador, sob alegação de manter funcionário em ambiente insalubre sem o adicional, a insalubridade será confirmada através de laudo pericial técnico à ser realizado no ambiente de trabalho por profissional qualificado.

 

As atividades insalubres estão descritas nos anexos contidos na norma regulamentadora 15, à saber:

1.    Limites de Tolerância para Ruído Contínuo ou Intermitente

2.    Limites de Tolerância para Ruídos de Impacto

3.    Limites de Tolerância para Exposição ao Calor

4.    Radiações Ionizantes

5.    Trabalho sob Condições Hiperbáricas

6.    Radiações Não-Ionizantes

7.    Vibrações

8.    Frio

9.    Umidade

10. Agentes Químicos Cuja Insalubridade é Caracterizada por Limite de Tolerância Inspeção no Local de Trabalho

11. Limites de Tolerância para Poeiras Minerais

12. Agentes Químicos

13. Benzeno

14. Agentes Biológicos

 

Identificadas as atividades consideradas insalubres, importante ressaltar que deverão ser insalubres as atividades descritas acima, desde de que não observados os limites de tolerância, ou seja, por exemplo, o frio ou umidade por si não caracteriza a atividade insalubre, devendo estar acima dos limites de tolerância para o recebimento do adicional de insalubridade.

 

Caso algum trabalhador exerça atividades insalubres, a empresa tem o dever de buscar amenizar os riscos dessa atividade com o fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual, bem como fornecendo treinamentos periódicos.

 

As exposições às atividades insalubres podem resultar em doenças, em razão da exposição a condições nocivas. Sendo que tais condições podem oferecer riscos em curto prazo ou longo prazo.

 

É importante salientar que cada tipo de risco informado na norma será avaliado com rigor através de medidas específicas constantes na norma regulamentadora 15.

 

Dito em suma, acerca das atividades insalubres, vimos ponderar que inexistente qualquer possibilidade que inexistência de atividades insalubres, pois são fatores cotidianos, acima do limite, que caracterizam a insalubridade.

 

Entretanto, por outro lado, também é incontroverso os danos causados à saúde do obreiro quando da exposição aos agentes insalubres, sendo que nos limitaremos à essa exposição, sem considerar os riscos da exposição a periculosidade.

 

Passando adiante, vimos focar nos direitos trazidos pela legislação pátria e internacional de proteção à gestante, lactante, mulher, nascituro.

 

Gravidez é o período de cerca de nove meses de gestação nos seres humanos, durante a gravidez, o organismo materno passa por diversas alterações fisiológicas que sustentam o bebé em crescimento e preparam o parto. Após a fecundação, o óvulo fecundado desloca-se ao longo de uma das trompas de Falópio e implanta-se na parede do útero, onde forma o embrião e a placenta que o alimentará. O desenvolvimento do embrião tem início com a divisão do óvulo em múltiplas células e é nesta fase que se começam a formar a maior parte dos órgãos, muitos deles funcionais. A partir das oito semanas de idade gestacional, o feto já apresenta forma humana que se desenvolverá continuamente até ao nascimento.

 

A gravidez é convencionalmente dividida em três trimestres. O primeiro trimestre tem início com a fecundação e termina às doze semanas de idade gestacional, durante o qual existe risco acrescido de aborto espontâneo. Durante o segundo trimestre, o risco de aborto espontâneo diminui acentuadamente, a mãe começa a sentir o bebé, são visíveis os primeiros sinais exteriores da gravidez e o seu desenvolvimento é mais facilmente monitorizado. O terceiro trimestre é marcado pelo desenvolvimento completo do feto até ao nascimento.

 

Os cuidados de saúde e os exames pré-natais apresentam uma série de benefícios para a saúde da grávida e do bebé. Entre os cuidados de saúde essenciais estão a suplementação com ácido fólico, a restrição do consumo de tabaco, álcool e drogas, a prática de exercício físico adequado à gravidez, a comparência às consultas de acompanhamento e a realização dos exames médicos e ecografias recomendados.

 

Em 2012 ocorreram 213 milhões de gravidezes, das quais 190 milhões em países em vias de desenvolvimento e 23 milhões em países desenvolvidos. Isto corresponde a 133 gravidezes por cada 1000 mulheres entre os 15 e 44 anos de idade. Cerca de 10 a 15% das gravidezes diagnosticadas terminam em aborto. Em 2013, as complicações da gravidez causaram a morte a 230 000 pessoas, uma diminuição em relação às 377 000 em 1990. Entre as causas mais comuns estão as hemorragias maternas, complicações de um aborto, hipertensão arterial, infeções, e complicações do parto. Cerca de 40% das gravidezes em todo o mundo não são planeadas, das quais metade resultam em aborto.

 

Diante do exposto, vimos que gravidez requer, não minimamente, uma séria de cuidados com a gestante e principalmente com o feto, pois há um desenvolvimento de um ser humano, não sendo questionável que o ambiente que a mãe permanecerá na gravidez influenciará decisivamente na gestação.

 

Dito isso, passamos às análises das legislações vigentes no país.

 

Já não denominamos mais de novas as alterações introduzidas na consolidação das leis trabalhistas pelo advento lei 13.467 de 2017, a chamada reforma trabalhista, pois em vigência há bem mais de um ano.

 

Por outro lado, diariamente nos deparamos com as inovações trazidas pelas diversas interpretações das inclusas mudanças na CLT, sendo que, não é mais novidade os entendimentos, decisões dos juízes de Primeira e Segunda Instância, liminares e ainda Medidas Provisórias que vêm alterado consideravelmente a "lei da reforma trabalhista".

 

Além da dança das cadeiras em relação as contribuições sindicais, sua faculdade no pagamento e decisões recentes com a provisão de obrigatoriedade.

 

Vimos que a ministra Cármen Lúcia, em 24/5/19, derrubou a acórdão do TRT4 que permitiu desconto sindical obrigatório, pois reafirmou entendimento do STF, que estabeleceu que contribuição deve ser voluntária.

 

Porém, temos outro assunto também de interesse social de grande repercussão, a qual seja o trabalho em ambientes insalubres e mulheres gestantes e lactantes.

A nova redação do artigo 394-A da CLT, é mais uma das inúmeras alterações feitas na CLT com a publicação da Reforma Trabalhista.

 

O texto que era taxativo quando previa: "A empregada gestante ou lactante será afastada, enquanto durar a gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, devendo exercer suas atividades em local salubre", deixou de ser absoluto.

 

O artigo 394-A, havia sido acrescentado à CLT pela lei 13.287 de 2016, a qual teve por objetivo garantir proteção à maternidade e à infância, direitos sociais, vetando o trabalho da empregada gestante ou lactante em ambiente insalubre.

 

Certo que o foco principal sempre foi a guarda da vida, da saúde e do bem-estar do feto ou recém-nascido, bem como das gestantes e lactentes. Ainda não menos importante, atividades em condições de periculosidade também representam risco potencial às vidas (gestante/lactante e embrião/bebê).

 

Como dito alhures, a gestante em estado gravídico, está em total fase de transformação em seu corpo, e gerando uma vida dentro de seu organismo, sendo isso poético ou não, trata-se de um fato.

 

No mesmo contexto, a convenção 103, relativa ao amparo à maternidade, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), pacto internacional ratificado pelo Brasil.

 

Não obstante todos os argumentos expostos acima de forma extremamente superficial, o artigo 394-A foi alterado com advento da alteração da CLT, passando a prever que:

"Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação."

 

Em relação as alterações, os argumentos o senador José Serra (PSDB-SP), foi de que: "O projeto corrige uma lacuna inaceitável na reforma trabalhista. O projeto garante o emprego e a saúde de gestantes e lactantes. A nossa obrigação é garantir um ambiente saudável de trabalho para as mulheres grávidas e mulheres que estão amamentando. A saúde das crianças também está em jogo, é bom lembrar".

 

Para o também senador Cristovam Buarque (PPS-DF) o projeto tira uma "mácula" da reforma trabalhista em relação à proteção das gestantes.

 

A senadora Rose de Freitas (Podemos-ES) disse: "Eu tenho o sentimento de que aqui nós teremos que nos resignar com o menos ruim. E eu não quero ter essa posição. A questão de a mulher ficar com o ônus de ter que trazer um atestado médico para dizer se ela pode ou não pode trabalhar é um absurdo - é um absurdo -, ainda que valha a intenção dos que aqui estão. Está errado fazer dessa maneira, na última hora, no mais ou menos, porque deixaram caducar a MP que interessava. Nós transferimos a responsabilidade de um cuidado explícito que deveriam ter as leis com relação ao trabalho de mulher, ainda mais numa situação tão delicada".

 

Inúmeros outros depoimentos poderiam ser trazidos para favorecer ou desabonar as introduções incluídas, mas ainda nesse cenário, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos distribuiu em 26/4/18 a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.938, tendo como amici curiae o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Belo Horizonte/MG - SINDEESS.

 

A ação foi ajuizada com pedido de medida cautelar, em face da expressão "quando apresentar atestado de saúde emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento" do art. 394-A, II e III, da Consolidação das Leis do Trabalho, introduzido pelo art. 1º da lei 13.467/17.

 

Narra a parte autora que a norma em questão além de violar o Princípio da Proibição do Retrocesso Social, vulneraria dispositivos constitucionais, à saber:

1.    Proteção à maternidade, à gestante, ao nascituro e ao recém-nascido (artigos 6º, 7º, XXXIII, 196, 201, II, e 203, I, da CF/88);

2.    Dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (art. 1º, III e IV, da CF/88);

 3.    Objetivo fundamental da República de erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da CF/88);

 4.    Desprestigia a valorização do trabalho humano e não asseguraria a existência digna (art.170 da CF/88);

 5.    Afronta a ordem social brasileira e o primado do trabalho, bem-estar e justiça sociais (art. 193 da CF/88);

6.    Vulnera o direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado (art. 225 da CF/88).

 

A Câmara dos Deputados informou que a norma impugnada foi processada "dentro dos estritos trâmites constitucionais e regimentais" e o Senado Federal não se manifestou.

 

O ministro relator Alexandre de Moraes, do STF, identificou na presente ação os requisitos necessários para a concessão da medida cautelar, sendo assim deferida liminar para suspender parte do artigo em negrito do artigo 394-A da CLT:

"Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de:

I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação;

III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação.

 

Sua fundamentação se baseou, resumidamente na proteção à maternidade e a integral proteção à criança, pois afirmou que são: "direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, impossibilidade ou a própria negligência da gestante ou lactante em juntar um atestado médico".

 

Diante do exposto, com a medida cautelar concedida pelo ministro, ficou suspensa a eficácia da expressão acima citada, inseridos pelo art. 1º da lei 13.467/17.

 

A decisão liminar do ministro passou por discussão do plenário da corte, tendo sido decidido que, por maioria, o STF julgou inconstitucional a norma da reforma trabalhista aprovada no governo Michel Temer que autorizava o trabalho de mulheres grávidas e lactantes em atividades insalubres.

 

Segundo a alteração na lei, a dispensa das trabalhadoras está condicionada à apresentação de um atestado médico. Com a decisão do plenário, que acompanhou o voto do ministro Alexandre de Moraes por 10 votos a 1, está vetado o trabalho dessas mulheres em qualquer ambiente nocivo à saúde, independente do grau de insalubridade.

 

O ministro Marco Aurélio Mello discordou do relator, argumentando que se fosse desejo da mulher continuar trabalhando, ela poderia apresentar o atestado médico.

 

Esse foi o primeiro ponto da reforma trabalhista, que alterou mais de 100 dispositivos da CLT, derrubado pelo STF.

 

Inquestionável que exigir que a gestante apresentasse atestado a colocava em uma situação bastante delicada perante o empregador e fugia do razoável, não devendo esse possuir o ônus de responsabilidade.

 

Diante de todo exposto, podemos verificar que em análise ao instituto da insalubridade e os direitos da gestante e à vida, é no mínimo razoável que essa empregada seja proibida de trabalhar, durante a gestação ou ainda em fase de amamentação.

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*Lélida Cordeiro Tavares é advogada pleno especialista em direito do trabalho.

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