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O suicídio e o contrato de seguro

Agno José da Silva

Trago esta reflexão aos operadores do direito, magistrados e aos nossos legisladores para a conscientização de que anuir com a cobertura para o suicídio premeditado cujo intuito é receber a indenização do seguro, seria dar guarida ao desespero da sociedade em saldar suas dívidas colocando, literalmente, um preço em sua morte.

terça-feira, 2 de julho de 2019

Atualizado em 28 de junho de 2019 17:45

O suicídio tem sido, sem dúvidas, um tema preocupante não só para população, tendo em vista tratar-se de um mal silencioso que atinge milhares de famílias brasileiras, mas também para o Poder Público que fica com grande parte do prejuízo e está tentando lidar com esta situação, porém de forma ineficaz, pela falta de apoio e tratamento de saúde pública. 

Além disso, esses casos também acabam por desestabilizar o sistema jurídico que está se adaptando às consequências, deixadas pela consumação do ato, para a vida dos herdeiros e beneficiários.

Sem dúvidas, o ato de cometer suicídio envolve problemas psicológicos ou psiquiátricos, os quais causam dores emocionais insuportáveis como desespero, angústias e aflições, geralmente advindas de uma crise afetiva seja ela em âmbito familiar, amoroso e, como vemos ultimamente, até estudantil, pois a maior parte dos suicidas está entre 15 e 44 anos. 

A taxa entre os jovens, inclusive, tem sido ultimamente a mais preocupante para a sociedade, pois entre os 15 e 24 anos, depois dos acidentes e homicídios, o suicídio é a causa de morte mais comum, pois esses jovens não conseguem lidar com chantagens emocionais, violência doméstica, abandono afetivo, baixa autoestima e até mesmo sentimentos que envolvem culpa.

De forma geral, considerando todas as faixas etárias, os motivos que levam um indivíduo a esse ato extremo são os mais variados como, por exemplo, dificuldades financeiras, sofrimento intenso, doenças graves e perturbações mentais em casos de relacionamentos desfeitos, dentre outros.

Como alvo de nosso estudo, o motivo do suicídio que vamos nos ater é o financeiro, seja ele a ser atingido de forma direta; quando o suicídio é praticado com intenção do recebimento do valor do capital segurado pela família, ou de forma indireta; quando o motivo é qualquer outro que não o financeiro diretamente, porém este acaba sendo atingido como consequência transversa. A partir disso, faremos uma reflexão sobre a cobertura de morte na apólice de seguro de vida e acidentes pessoais.

Como forma direta de receber o valor da indenização, o que chamamos de suicídio premeditado, há o intuito de "salvar" os familiares mais próximos das dívidas, muitas vezes causadas pelo próprio suicida, que enxerga na apólice de seguro uma forma de resolver os seus problemas financeiros.

Ocorre que, é importante salientar, o nosso ordenamento jurídico prevê, através da súmula 61 do STJ, que o seguro de vida cobre o suicídio não premeditado.

Esta súmula veio trazer segurança ao contrato de seguro garantindo assim o seu princípio fundamental de boa-fé entre as partes, tendo em vista que o risco contratualmente previsto é um risco aleatório e não pré-determinado como seria no caso do suicídio planejado. Neste caso, evita-se a fraude, pois no ato da contratação do seguro já existiria a intenção da concretizar o evento morte com o objetivo escuso de atingir o fim financeiro do contrato firmado.

O princípio da boa-fé está estipulado no artigo 422 do Código Civil o qual preconiza: "Os contratantes são obrigados Resultado de imagem para O suicídio e o contrato de seguroguardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé". O mencionado dispositivo prevê de forma objetiva uma regra de conduta de uma pessoa comum, que deve agir com lealdade e confiança recíproca, para que não haja vícios ao contrato. 

Por sua vez, no que tange a má-fé, atributo existente no caso de suicídio premeditado com finalidade financeira, esta tem que ser provada, já que é a imputação de que a outra parte contratante não agiu com o respeito e diligência que deveria, utilizando, portanto, o contrato de forma diversa de sua finalidade inicial. Logo, não pode ser presumida. 

Esta prova, entretanto, sempre foi de difícil comprovação, pois raras são as vezes em que o segurado deixa uma carta explicando que o motivo do ato de suicídio seria para que seus beneficiários recebessem o valor da indenização. Dessa forma, as seguradoras acabavam sendo condenadas a pagar a indenização em caso de suicídio, ante a dificuldade em comprovar a premeditação, que seria elemento ensejador da negativa.

O Código Civil de 2002 veio para atender esse chamado com a publicação do artigo 797, o qual prescreve: " no seguro de vida para o caso de morte, é lícito estipular-se um prazo de carência, durante o qual o segurador não responde pela ocorrência do sinistro", bem como do artigo 798 o qual preconiza que o beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso.

Contudo tais dispositivos não podem ser interpretados sem a inteligência da súmula 61 do STJ, que trata sobre o elemento premeditação e a súmula 105 do STF, que descreve "salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro."   

A questão do suicídio dentro do prazo de carência de dois anos, estipulado pelo artigo 798 do Código Civil foi praticamente resolvido, não de forma unânime, mas de forma majoritária dentro dos Tribunais Estaduais e Superiores, inclusive com um novo enunciado formulado pela 2ª seção do STJ, trazendo o prazo que a súmula 61 do STJ não previa, com o seguinte texto "O suicídio não é coberto nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, ressalvado o direito do beneficiário à devolução do montante da reserva técnica formada".

Contudo quando o suicídio ocorre após os dois anos de carência, o mesmo posicionamento doutrinário e jurisprudencial trouxe a obrigatoriedade do pagamento do suicídio mesmo que premeditado, inclusive pautando que é irrelevante a discussão sobre a premeditação da morte após os dois anos de carência de modo a conferir maior segurança jurídica à relação havida entre os contratantes, o qual ratifico não concordar. 

A premeditação, principalmente com a finalidade do recebimento do valor da indenização, continua contrariando os preceitos legais de boa-fé, fere o mutualismo e traz instabilidade ao contrato uma vez que fere uma das suas características básicas que é ser aleatório,  tornando-se um fato previsível com data certa para ocorrer, agora, necessariamente, depois de dois anos do contrato vigente para haver cobertura.

Portanto, trago esta reflexão aos operadores do direito, magistrados e aos nossos legisladores para a conscientização de que anuir com a cobertura para o suicídio premeditado cujo intuito é receber a indenização do seguro, seria dar guarida ao desespero da sociedade em saldar suas dívidas colocando, literalmente, um preço em sua morte.

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t*Agno José da Silva é sócio da Jacó Coelho Advogados .

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