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Relevantes aspectos da MP 881 de 2019

Patrícia Giacomin Pádua, Gabriela Liesenberg, Adolpho Smith de Vasconcellos Crippa, Sabrina Francesconi, Charles Wowk e Maria Lúcia Menezes Gadotti

Embora a medida seja um avanço para as atividades empresariais na esfera do direito privado, devemos aguardar as regulamentações complementares e a própria tramitação da medida provisória no Congresso Nacional para conversão em lei.

terça-feira, 16 de julho de 2019

Atualizado em 15 de julho de 2019 14:54

A MP 881 de 2019, que institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, foi publicada recentemente com o objetivo de estimular as garantias de livre iniciativa, análise de impacto regulatório com a mínima intervenção do Estado.

Em razão da repercussão gerada com a entrada em vigor da norma e da relevância dos temas em discussão, preparamos um breve resumo dos principais pontos de destaque.

Primeiramente, vale mencionar que os princípios que norteiam a norma são: (i) a presunção de liberdade no exercício de atividades econômicas e de boa-fé do particular; e (ii) a intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas.

Com o intuito de estimular o empreendedorismo e a inovação, especialmente no campo de startups, o texto prevê, entre outras providências, a dispensa de obtenção de alvarás e autorizações de funcionamento para atividades que se enquadrem no conceito de baixo risco.

Nas relações empresariais, é estabelecida a liberdade de definição de preços de produtos e de serviços como consequência de alterações da oferta e da demanda no mercado não regulado.

A nova medida trouxe, ainda, a possibilidade dos contribuintes arquivarem qualquer documento por meio de microfilme ou por meio digital, sendo equiparado ao documento físico para todos os fins legais.

Em relação às garantias de livre iniciativa, a norma estabelece que a administração pública, deve evitar o abuso de Imagem relacionadapoder regulatório para: (i) criar reserva de mercado; (ii) restringir a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros; (iii) criar privilégio exclusivo para determinado segmento; (iv) exigir especificação técnica que não atinja o fim desejado; (v) aumentar o custo de transação sem demonstração de benefícios; (vi) introduzir limites à livre formação de sociedades ou atividades empresariais; e (vii) limitar o uso e o exercício da publicidade e propaganda de um setor econômico, ressalvadas as hipóteses previstas em lei.

Serão precedidas da realização de análise de impacto regulatório, as propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral da administração pública federal, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico.

Na esfera empresarial, a MP 881 acrescentou dispositivos ao artigo 50, do Código Civil, que versa sobre o instituto da desconsideração da personalidade jurídica,  possuindo aplicação relevante tanto no âmbito administrativo, como judicial.

A nova regra determina que a desconsideração da personalidade da empresa pode alcançar bens particulares de administradores ou sócios que se beneficiaram direta ou indiretamente pela prática do abuso. Define, também, o conceito de desvio de finalidade e confusão patrimonial e traz a possibilidade da desconsideração inversa da pessoa jurídica, ou seja, quando as pessoas naturais fraudulentamente desviam bens próprios para a pessoa jurídica.

A nova alteração estabelece, ainda, que a mera existência de grupo econômico, sem a presença dos requisitos legais, não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica e define, por fim, que a expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica não constitui o desvio de finalidade.

Quanto às relações interempresariais, a norma acrescentou os artigos 480-A e 480-B ao Código Civil, permitindo que as partes contratantes estabeleçam parâmetros objetivos para a revisão ou resolução do pacto contratual, presumindo a simetria dos contratos e observando a alocação de riscos.

A norma incluiu, também, o §7º ao artigo 980-A e o parágrafo único ao artigo 1.052 do Código Civil na parte que trata do Direito de Empresarial. O §7º inserido pela MP 881 cria exceção aplicável apenas às Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada - EIRELIs, restringindo a hipótese de desconsideração da personalidade jurídica apenas "aos casos de fraude". A inclusão de tal dispositivo nos parece inadequada, visto que contraria as alterações promovidas no artigo 50 referente à ampliação das hipóteses de desconsideração de personalidade jurídica.

Este dispositivo pode, ainda, ter reflexos nas lides trabalhistas, nas quais, muitas vezes, é necessário fazer uso do instituto para responsabilização de sócios e recebimentos de créditos desta natureza.

Já a inclusão do parágrafo único, do artigo 1.052, pretende inserir no sistema brasileiro a figura da "sociedade limitada unipessoal". O propósito desta figura seria viabilizar o exercício da atividade empresária por um único sujeito e com limitação de responsabilidade, em alternativa à figura do empresário individual, afastando também a necessidade de constituição de sociedades empresárias limitadas pro forma, ou seja, quando um dos sócios detém quase a totalidade das quotas representativas do capital social e o outro sócio com parcela mínima apenas para compor a regra da pluralidade de sócios.

Com relação aos fundos de investimentos, a norma permite aos fundos estabelecer a limitação da responsabilidade de cada condômino ao valor de suas cotas e ainda autoriza a limitação de responsabilidade dos prestadores de serviços fiduciários perante o condomínio e entre si.

No âmbito tributário, a MP 881 criou um comitê formado por integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, do Ministério da Economia e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional para a edição de enunciados de súmulas da Administração Tributária Federal que passarão a vincular todos os atos normativos e decisórios praticados pelos referidos órgãos.

Além disso, foram ampliadas as hipóteses em que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional está dispensada de contestar, de oferecer contrarrazões e de interpor ou desistir de recursos.

Entre as hipóteses previstas, estão os temas objeto de parecer aprovados pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional além de casos que sejam objeto de súmula ou parecer do Advogado-Geral da União que conclua no mesmo sentido do pleito do contribuinte e súmula da Administração Tributária Federal.

Do mesmo modo, em relação a temas julgados inconstitucionais pelo Superior Tribunal Federal em sede de controle concentrado e difuso com suspensão pelo Senado Federal ou com súmula vinculante.

Ainda, acabou trazendo a hipótese de dispensa em temas decididos pelo Superior Tribunal Federal, Supremo Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral ou pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, no âmbito de suas competências, quando não houver viabilidade de reversão da tese firmada em sentido desfavorável à Fazenda Nacional, respeitando os critérios definidos em ato da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.          

Dentre as novidades, a medida alterou e incluiu procedimentos com relação aos auditores da Receita Federal que não poderão constituir os créditos tributários aos temas acima expostos, sendo suas decisões vinculadas inclusive para fins de revisão de ofício do lançamento e de repetição de indébito administrativa.

Já na esfera trabalhista, o artigo 3º, inciso II, a MP garante a liberdade de dia e horário para produzir, empregar e gerar renda, fazendo genérica menção ao respeito à legislação trabalhista e de proteção ao meio ambiente.

No que pertine à liberdade para trabalho em qualquer dia e horário, a MP colide com a Constituição Federal e com a própria CLT, além de outras normas específicas, como a lei 10101/00, que regula o trabalho aos domingos, impondo condições indispensáveis para a sua realização, como a autorização para funcionamento. Não se pode desprezar, ainda, que trabalho aos domingos é, por definição, excepcional.

Na mesma linha da MP ora comentada, o trabalho aos domingos e feriados civis e religiosos, de que trata o artigo 68 da CLT, foi autorizado de forma permanente pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, por intermédio da portaria 604/19, editada em 18/6/19, às atividades por ela enumeradas, divididas em 7 ramos: indústria, comércio, transportes, comunicações e publicidade, educação e cultura, serviços funerários e agricultura/pecuária.

Os empresários que exercerem quaisquer das mais de 70 atividades citadas pela norma poderão decidir se abrirão, ou não, seus estabelecimentos nestes dias. As demais atividades econômicas não listadas na mencionada Portaria permanecem vinculadas às normas gerais em vigor.

Não se pode deixar, ainda, de destacar que a liberdade consagrada pela MP comentada não é irrestrita, devendo o empresário seguir respeitando as regras de segurança e medicina do trabalho vigentes, em especial aquelas contidas nas normas regulamentadoras e na CLT, de forma a que o ambiente de trabalho seja seguro e são, respeitadas, logicamente, as particularidades da atividade econômica desenvolvida. 

Embora a medida seja um avanço para as atividades empresariais na esfera do direito privado, devemos aguardar as regulamentações complementares e a própria tramitação da medida provisória no Congresso Nacional para conversão em lei. Ressaltarmos ainda que a medida poderá ainda ser alvo de críticas e discussões no Judiciário.

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*Patrícia Giacomin Pádua é sócia advogada do escritório Stüssi-Neves Advogados.

*Gabriela Liesenberg é advogada da área tributária do escritório Stüssi-Neves Advogados.

*Adolpho Smith de Vasconcellos Crippa é sócio do escritório Stüssi-Neves Advogados.

*Sabrina Francesconi é advogada da área societária do escritório Stüssi-Neves Advogados.

*Charles Wowk é sócio da área cível do escritório Stüssi-Neves Advogados.

*Maria Lúcia Menezes Gadotti é sócio da da área trabalhista do escritório Stüssi-Neves Advogados.

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