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O novo procedimento de avaliação de interesse público em defesa comercial no Brasil - Avanços e sensibilidades

Júlia Marssola e Celso Figueiredo

A consolidação dos textos finais da Portaria e dos Guias Material e Processual pode ser uma excelente oportunidade para que sejam dirimidos, apesar de que, somente com a resolução prática dos casos é que será possível estabelecer um maior nível de previsibilidade diante dos precedentes gerados.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Atualizado em 15 de agosto de 2019 15:03

No início deste ano, em meio às mudanças ocorridas no Ministério da Economia, diversas foram as alterações observadas na estrutura então vigente do antigo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), promovendo o que se pode chamar verdadeiramente de nova governança do comércio exterior. Entre as principais mudanças, destaca-se a nova política de defesa comercial brasileira, hoje conduzida pela Subsecretaria de Defesa Comercial e Interesse Público (Sdcom), outrora Departamento de Defesa Comercial (DECOM). Atualmente, a Sdcom é responsável não só pela condução de investigações relativas à aplicação de medidas de defesa comercial, mas também pela condução de avaliações de interesse público em relação a eventuais aplicações das referidas medidas de defesa comercial  

Antes de adentramos à avalição dessas mudanças, recuperemos alguns conceitos introdutórios. As medidas de defesa comercial, quais sejam, direitos antidumping e medidas compensatórias, têm por objetivo neutralizar os danos decorrentes de exportações a preço de dumping e exportações subsidiadas, respectivamente. São impostas na forma de alíquotas específicas ou ad valorem às importações de determinadas origens quando presentes os requisitos previstos pela OMC. No caso das medidas antidumping e compensatórias (relativas a subsídios), deve ser caracterizado além do dumping ou subsídio, o dano à indústria doméstica e nexo causal entre a prática desleal e o dano apurado.  

A despeito dos diversos efeitos positivos observados ao produtor doméstico e à indústria nacional, em decorrência da aplicação de medidas de defesa comercial, há uma série de outras consequências colaterais observadas. Essas medidas frequentemente afetam as cadeias a jusante e a montante do produto, seus consumidores finais, entre outros.  

Na tentativa de balizar os impactos benéficos e deletérios da aplicação de uma medida de defesa comercial é que o Brasil aperfeiçoou a avaliação de interesse público que, em poucas palavras, busca responder à pergunta: os efeitos negativos da imposição de direito antidumping/medida compensatória são maiores que os efeitos positivos?

Neste sentido, cumpre ressaltar que a avaliação de interesse público, que é decorrente do conceito de interesse nacional (previamente previstos no decreto 1602, de 1998 e decreto 1.751, de 1995), foi primeiramente regulamentada mediante a resolução CAMEX 13, de 2012 que instituiu o Grupo Técnico de Avaliação de Interesse Público - GTIP, sendo o termo "interesse público" de fato adotado na legislação brasileira a partir decreto 8.058 de 2013. 

Ato contínuo, a avaliação de interesse pública sofreu mais alterações em virtude da já mencionada nova estrutura do Ministério da Economia. Em decorrência, um novo decreto, portaria e dois guias de conduta1 dessas investigações já foram publicados. 

A principal mudança foi a inclusão de um procedimento de avaliação de interesse público obrigatório para investigações antidumping originais, sendo facultativo nos processos de revisão. A avaliação é conduzida concomitantemente à investigação de dumping ou subsídios, em coordenações distintas, mas sob o "guarda-chuva" da Sdcom, e se divide em duas etapas: intermediária e final. Para cada uma das etapas, a Sdcom discriminou diversos critérios de análise, obtidos a partir de uma consolidação de benchmarking, na tentativa de conferir maior transparência ao processo. Todas as partes interessadas respondem à um único questionário comum.

 A etapa intermediária se encerra com uma determinação preliminar de interesse público, que poderá ser negativa, e resultará no encerramento precoce da própria avaliação de interesse público; ou positiva, a qual dará aval para continuidade da avaliação até o final da investigação de defesa comercial e, além disso, poderá recomendar pela alteração ou não aplicação de eventual direito antidumping ou medida compensatória provisória. 

Em relação à etapa final da avaliação de interesse público, esta se encerra pari passu com a investigação de defesa comercial, por meio de uma determinação final, e poderá ensejar nas seguintes recomendações em relação à medida de defesa comercial (i) aplicação/manutenção, (ii) suspensão ou (iii) alteração da medida.  

O posicionamento do novo governo que ancorou as mudanças na estrutura organizacional dos antigos MDIC e Decom é de abertura comercial. A nova estrutura representa uma resposta às críticas à forma com que as medidas tde defesa comercial vinham sendo aplicadas até os dias de hoje. O atual Secretário de Comércio Exterior, Lucas Ferraz, já disse, em diversas oportunidades, acreditar que um alto número de medidas de defesa comercial prejudique a indústria, sua competitividade e seu desenvolvimento. É natural, nesse sentido, que novos mecanismos de promoção da concorrência sejam de alguma maneira inseridos nos processos de defesa comercial. 

A nova legislação e o caráter obrigatório do procedimento de avaliação de interesse público foram recebidos com espanto e preocupação pela indústria nacional. Questiona-se o caráter ex officio e obrigatório das avaliações de interesse público, diferente do procedimento que vigorava anteriormente, quando o processo seria movido mediante solicitação dos interessados. 

Outra problemática do caráter obrigatório dessas avaliações é o ônus imposto à indústria nacional no fornecimento de informações nem sempre facilmente disponíveis e também à Administração Pública, com pouco recurso de pessoal para processas todos os dados apresentados. 

Além disso, resta ainda pouco claro quais metodologias de fato serão aplicadas para sopesar os efeitos de uma medida de defesa comercial. Ou seja, qual o cálculo será realizado para equilibrar os seguintes fatores: a margem antidumping/compensatória apurada, eventual lesser duty e o nível do interesse público sobre os valores anteriores. 

Em resumo, a nova política de defesa comercial brasileira, ao sistematizar e incluir a avaliação de interesse público dentro do rol de competências da mesma entidade que conduz as investigações de dumping e subsídios, acertou na tentativa de conferir previsibilidade a um procedimento que já acontecia desde 2013. Entretanto, há diversos pontos sensíveis que precisaram ser administrados com muita técnica e cautela pelo corpo técnico da Sdcom. A consolidação dos textos finais da portaria e dos Guias Material e Processual pode ser uma excelente oportunidade para que sejam dirimidos, apesar de que, somente com a resolução prática dos casos é que será possível estabelecer um maior nível de previsibilidade diante dos precedentes gerados.

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1 A portaria Secex 08/19, o Guia Material e o Guia Processual estiveram em consulta pública até dia 31/05. Os textos finais consolidados após as manifestações da consulta ainda não foram publicados, de modo que pode haver alterações no processo descrito nesse texto. A Subsecretaria de Defesa Comercial e Interesse Público Amanda Athayde informou que os textos finais serão disponibilizados em breve. 

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*Júlia Marssola é consultora do BMJ Consultores Associados.

*Celso Figueiredo é consultor do BMJ Consultores Associados.

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