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Da legalidade dos arquivos da #vazajato: um efeito colateral da operação Spoofing

Gustavo Muniz Lágo

Frente às graves revelações publicadas pelo The Intercept Brasil houve apressada resposta institucional aos vazamentos por meio da operação Spoofing, que foi deflagrada pela Polícia Federal, agora sob o comando do ex-juiz titular da Lava Jato, atualmente ministro da Justiça.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Atualizado em 3 de fevereiro de 2021 13:15

Tratando acerca da banalidade do mal, Hannah Arendt, afirma que "[...] mesmo no tempo mais sombrio temos o direito de esperar alguma iluminação, e que tal iluminação pode bem provir, menos das teorias e conceitos, e mais da luz incerta, bruxuleante e frequentemente fraca que alguns homens e mulheres, nas suas vidas e obras, farão brilhar em quase todas as circunstâncias e irradiarão pelo tempo que lhes foi dado na terra (idem, ibidem)" (1987. P. 7).

Pois bem, o fato é que as publicações do The Intercept Brasil não tiveram o efeito de conduzir massas arrebatadoras às ruas, mas certamente causaram indignação e feriram profundamente tanto a redoma de "pureza" posta a cercar a Lava Jato quanto o orgulho de seus membros e até a imagem do então ministro da Justiça.

Logo, a chamada #vazajato, encabeçada pelo jornalista Glenn Greenwald, trouxe ao conhecimento do grande público uma série de dados constrangedores, os quais por si só foram capazes de ratificar o discurso do próprio sr. Luiz Inácio Lula da Silva e de sua defesa de que houve perseguição política, premeditação e articulação entre o Ministério Público e o então juiz responsável pela operação Lava Jato ao longo do processo penal.

As matérias publicadas pelo The Intercept Brasil apresentam mensagens do aplicativo Telegram para provar que o então magistrado teria atuado de forma coordenada com o Ministério Público para condenar criminalmente o sr. Luiz Inácio Lula da Silva e inviabilizar a candidatura do mesmo à presidência da República, o que teria aberto caminho para a eleição do sr. Jair Bolsonaro.

De outro norte, é consenso que uma operação policial deflagrada a partir de uma prévia investigação e com autorização judicial é lícita, bem como, em regra, as provas colhidas no curso das investigações são igualmente legais, nesse sentido, prevalece a máxima de que o "ordinário prescinde de provas e o extraordinário é que deve ser provado".

Portanto, frente às graves revelações publicadas pelo The Intercept Brasil houve apressada resposta institucional aos vazamentos por meio da operação Spoofing, que foi deflagrada pela Polícia Federal, agora sob o comando do ex-juiz titular da Lava Jato, atualmente ministro da Justiça, o que causa estranheza, uma vez que o ex-juiz está no centro das denúncias feitas pela #vazajato.

É provável que essa mesma pressa tenha sido a causa de um erro estratégico, isso porque a operação Spoofing tinha como objetivo a busca e apreensão, prisão e quebra de sigilo bancário e fiscal dos supostos cibercriminosos, e esse é o ponto!

Pois, a partir do momento que uma investigação policial foi deflagrada para apreender equipamentos, dados e prender pessoas, presume-se que todo o conteúdo apreendido é prova lícita, pois deriva de atividade policial que teve autorização judicial para ser levada a termo.

Por conseguinte, tais provas podem servir como documentos novos e provas emprestadas para outros processos, pois admitir o contrário seria reconhecer a ilegalidade da Spoofing e consequentemente seria necessário apurar as responsabilidades de quem a deflagrou. 

Assim, mesmo que o The Intecept Brasil tenha tido acesso aos dados, conteúdos e publicado antes da operação policial, isso é irrelevante processualmente, posto que no processo penal brasileiro busca-se a verdade real, dessa maneira, uma vez que houve inquérito policial posterior e o conteúdo e dados publicados jornalisticamente tenham sido igualmente apreendidos no âmbito da referida operação policial, operou-se o conglobamento e deve-se aplicar o in dubio pro reo.

Nesse sentido, seria impossível eleger apenas as normas mais benéficas de cada fonte do direito para sustentar a licitude das provas no âmbito da Spoofing e a ilegalidade das mesmas provas em qualquer outro processo crime.

O sr. Luiz Inácio Lula da Silva e sua defesa alegaram, inclusive publicamente, que o então magistrado titular da Lava Jato agia de forma a beneficiar os membros do Ministério Público e com propósitos nada republicanos na condução do processo penal, assim, frente à prova, ainda que fosse considerada ilícita, de que houve tal articulação, deve-se aplicar o princípio da autodeterminação coletiva, pois a sentença está viciada por nulidade absoluta.

E nem se confunda as prerrogativas dadas ao magistrado no art. 156 do CPP com o poder acusatório, pois este é restrito ao Parquet, enquanto as disposições do artigo acima se reservam ao dever de cautela facultado ao juiz apenas para buscar esclarecimentos quanto a pontos relevantes no curso do processo penal, seja em produção antecipada de provas, seja para dirimir dúvida, sempre visando a verdade real e não meros indícios, já que a condenação não poderia ser lastreada unicamente em indícios, por mais fortes ou robustos que fossem, isso porque o in dubio pro reo prevalece nesses casos.

É dizer, na senda de conter "vazamentos", acabou-se por legitimá-los, primeiro moralmente, depois legalmente.

Nesse caso, a cláusula constitucional do due process of law aplica-se de forma invertida, uma vez que há prova/indício de que o próprio Estado-Juiz é que violou os limites ético-jurídicos que restringem a atuação do Estado em sede de persecução penal, pois exigir o contrário atentaria contra o primado da paridade de armas, caracterizando verdadeiro venire contra facto proprium e consequentemente mitigando o contraditório e a ampla defesa.

Destarte, impossível rechaçar a eficácia da prova ilícita capaz de atestar a nulidade processual, especialmente frente à condição hipossuficiente do réu diante do arcabouço acusatório estatal, ainda mais se houver indícios ou provada a articulação entre o juiz e o Ministério Público, o que se revela de natureza ilegítima e pérfida.

Assim, mesmo que se considerasse ilícita a origem da prova, porque advinda da invasão ilegal de equipamentos eletrônicos, isso não tem o condão de afastar a realidade objetiva, que é a ocorrência ilícita consumada com o ato de articulação/coordenação entre um magistrado e o Ministério Público para condenar um réu, seja por qual motivação for, estaria caracterizada a violação do devido processo legal, o que se reveste em favor do réu.

Por fim, é inevitável a conclusão de que as provas colhidas na operação Spoofing são lícitas e que estas mesmas provas caso obtidas pela defesa de réus interessados podem ser utilizadas no exercício do contraditório e da ampla defesa em qualquer outro processo, independentemente da fonte de onde as retiraram, com a ressalva de que as provas usadas estejam contidas no inquérito policial não há dúvidas de sua licitude, pois derivam de operação policial autorizada judicialmente, embora também se admita que por força da realidade objetiva e da aplicação inversa da cláusula constitucional do due processo of law seja possível a utilização de prova ainda que ilícita pelo réu para atestar nulidades contidas na persecução penal, de acordo com a realidade de cada caso concreto. 

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*Gustavo Muniz Lágo é advogado.

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