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Os recursos ao STF e o requisito de repercussão geral

Maria Eugênia Poletti

Antes de tudo, convém ressaltar o louvável esforço empreendido na reforma do Judiciário, com a Emenda Constitucional nº 45, no sentido de racionalizar o acesso aos tribunais superiores, ao estabelecer, no artigo 102, parágrafo 2º da Constituição Federal, que o "recorrente deverá demonstrar a repercussão geral a fim de que o STF examine a admissão do recurso", especialmente no que diz respeito aos processos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal (STF), que é, antes de tudo, órgão máximo do Poder Judiciário e que se faz presente, em um Estado democrático de direito como fiscal do ordenamento jurídico, tendo na Constituição Federal sua diretriz suprema.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

Atualizado em 11 de outubro de 2006 16:25


Os recursos ao STF e o requisito de repercussão geral*

 

Maria Eugênia Poletti**

 

Antes de tudo, convém ressaltar o louvável esforço empreendido na reforma do Judiciário, com a Emenda Constitucional nº 45 (clique aqui), no sentido de racionalizar o acesso aos tribunais superiores, ao estabelecer, no artigo 102, parágrafo 2º da Constituição Federal, que o "recorrente deverá demonstrar a repercussão geral a fim de que o STF examine a admissão do recurso", especialmente no que diz respeito aos processos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal (STF), que é, antes de tudo, órgão máximo do Poder Judiciário e que se faz presente, em um Estado democrático de direito como fiscal do ordenamento jurídico, tendo na Constituição Federal sua diretriz suprema.

 

No entanto, inegável se coloca a discussão acerca da questão sobre o novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário: a repercussão geral. Em um primeiro momento, é lógico e até intuitivo o questionamento acerca do próprio texto constitucional: é ele relevante? Agrega-se a ele somente matéria de ordem constitucional? E, principalmente, pergunta-se: se o legislador originário incluiu as matérias ali definidas, porque agora haveria restrição na análise de seu conteúdo por quem de direito, no caso o Supremo, tendo em vista o novo requisito de admissibilidade, que é a repercussão geral? E mais: a quem estaria, então, incumbida tal função, qual seja a de resguardar a ordem constitucional considerada como não relevante ou, melhor dizendo, que não tenha em seu conteúdo de repercussão geral? Adicione-se a todas essas perguntas a premissa de nos inserirmos em um sistema processual que prestigia e autoriza a interposição recursal ao Supremo porque dele é a competência constitucional para a guarda da Constituição Federal, segundo o artigo 102 da carta.

 

Sugiro que o leitor não tire conclusões precipitadas, já que a tentativa de restringir a apreciação, pelo Supremo, apenas das causas que revelem repercussão geral na nação não se revela de todo má. Não obstante, seria absurdo ignorar o próprio texto constitucional, referente às garantias e direitos fundamentais, que nem sempre se mostram dentro de um contexto de repercussão geral, mas que são inequivocamente tão importantes ou relevantes. Daí a preocupação com o novo requisito de admissibilidade dos recursos extraordinários pelo tribunal.

 

Pode-se dizer, nesse ponto, que as questões constitucionais não relevantes (do ponto de vista da repercussão geral) serão apreciadas na primeira e na segunda instâncias, sendo suficiente a manifestação dos Tribunais de Justiça (TJs) estaduais ou dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) a seu respeito. Parece-me, entretanto, que a questão merece mais debate, não por considerá-la, pessoalmente, importante, mas em razão da competência constitucional confiada ao Supremo.

 

A leitura das competências constitucionais há de ser feita de modo absolutamente rigoroso, já que é com base nelas que se sustentam a democracia e suas instituições. Mitigá-la, impondo-lhe restrições, não parece a melhor solução para resolver o problema do acesso racional aos tribunais superiores. A discricionariedade que se impõe com tal medida para, caso a caso, decidir-se pela relevância constitucional e interesse público, deve e há de ser realizada de forma cuidadosa pelos componentes do tribunal superior.

 

Como a Emenda Constitucional nº 45 determinou a necessidade de regulamentação legal para a questão colocada, resta-nos, nesse ponto, aguardar, tendo a expectativa de que a mera pretensão de acabar com o excesso dos processos não seja a mola propulsora para qualquer restrição referente às competências constitucionais. Mesmo porque, a isso acrescente-se a problemática sobre a competência para dizer e zelar pelas questões constitucionais consideradas como de não repercussão geral. Daí temos dois caminhos: ou se elege apenas a primeira e a segunda instâncias como guardiãs da Constituição Federal em seus aspectos não relevantes (sem repercussão geral) - o que parece incompatível com o sistema constitucional processual - ou, ainda, pode-se considerar como perspectiva - embora pouco provável - de tal competência passar a ser do Superior Tribunal de Justiça (STJ) conforme a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 358 (clique aqui), de 2005, que modifica o artigo 105, inciso III, alínea "a" da Constituição para incluir entre as hipóteses de admissão de recurso especial a decisão recorrida que "contrariar dispositivo desta Constituição".

 

Qualquer das soluções deve vir amparada pelos pressupostos e condicionantes constitucionais que tem nos direitos e garantias o único caminho para a reafirmação de todas as instituições democráticas.

 

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* Artigo publicado no jornal Valor Econômico

 

**Advogada sênior do setor de contencioso do escritório Franceschini e Miranda - Advogados











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