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A comercialização de veículo zero-quilômetro e a teoria finalista do CDC

Daniel Masello

O veículo que for emplacado, porém, não transferido para o consumidor final, continua com o status de novo, de forma que a aparição de transferências para revendedoras no histórico do veículo não deveria incorrer na sua desvalorização perante o mercado, tratando-se de questão meramente administrativa.

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Atualizado às 11:37

Na visão da teoria finalista, uma vez um veículo automotor sendo emplacado, ele pode ser considerado "zero-quilômetro" ou não?

Antes de responder tal questionamento, se faz necessário esmiuçar alguns pontos, pois bem, sabe aquela velha história de que uma vez tendo sido o veículo automotor retirado da concessionária este sofreria desvalorização de 10, 15, 20 por cento? Então, não é bem assim!

No direito, além da relação de consumo também há o que denominados de relação de insumo.

Para melhor explicar, na relação de insumo o adquirente do bem tem como objetivo auferir lucro, já na relação de consumo, para o CDC e pela teoria finalista, o bem seria adquirido para plena utilização e gozo do consumidor, ou seja, seria o destino final do bem. Vejamos.

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Por exemplo, uma instituição de ensino quando adquire carteiras, tal aquisição é considerada como relação de consumo ou de insumo? Para teoria finalista tal aquisição seria configurada como uma relação de insumo, já que as carteiras fazem parte do negócio empresarial, seriam produtos adquiridos pela instituição de ensino a fim de obter lucro.

Faz parte da cadeia produtiva de bens e/ou serviços.

A mesma coisa ocorre quando versamos sobre a comercialização de veículos, este pode ser comercializado para um consumidor final ou para outro estabelecimento comercial que tenha como finalidade a sua revenda.

Logo, mesmo sendo o veículo faturado em uma concessionária oficial de certa marca de veículos, emplacado e transferido para uma revendedora, não significa que o automóvel tenha perdido a qualificação de "zero-quilômetro", já que a aquisição não fora realizada pelo seu destinatário final, ou seja, por um consumidor.

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A empresa adquirente não possui como objetivo o uso e gozo do bem.

Valendo esclarecer que há a possibilidade de a pessoa jurídica ser considerada como consumidora, haja vista a aplicação da teoria finalista Mitigada, ora pacificada pelo STJ. O que não condiz com a presente dissertação.

Contudo, a compra de insumo não caracteriza relação de consumo.

Nesse sentido, a Procuradoria da Fazenda Nacional por meio do Parecer PGFN/CAT 68/14, ratificado pelo Parecer PGFN/CAT 1.246, de 2014, assim se pronunciou sobre o tema:

23. A expressão "usado" é aplicada por toda jurisprudência, entendendo ser aquilo que teve algum uso, ou seja, a aplicação do veículo em uma finalidade diversa da venda o mesmo. Assim, podemos entender que o veículo é usado ou novo de acordo com a cadeia de transferência do mesmo, pois as transferências secundárias, ocorridas após a primeira transferência da fábrica para uma concessionária, não permitem que esse automóvel seja considerado usado na hipótese do veículo estar sendo transferido com o objetivo de venda. Nesse sentido ele é considerado usado por ter algum uso, ainda que mínimo, por consumidor final, seja para seu uso próprio, transporte, seja para uso impróprio, como colecionar, correr, publicidade, usar como objeto de arte, entre outros.
24. No caso de impossibilidade de utilização do critério acima, um aspecto que pode balizar a identificação de um automóvel usado é sua situação fática, o desgaste natural do tempo e do uso sobre o veículo. (...)
25. A concepção de veículo novo ou usado não sofre interferências em função do tipo ou modelo do veículo, seja ele motocicleta, barco, aeronave ou caminhão, razão pela qual entendemos que as mesmas diretrizes devem ser aplicadas a quaisquer veículos.
(...)
32. Dessa forma, entendemos que o veículo deverá ser considerado usado, seja ele de que tipo for, quando transferido de destinatário final para outro destinatário final, fato a ser verificado a partir da cadeia de transferência do veículo, contudo, quando não for possível ou existirem suspeitas de fraude, deve ser realizada a análise do estado físico do veículo por técnico especializado na área, como já previsto na IN SRF nº 680, de 2006.

Pelo parecer supracitado, nota-se que o veículo apenas seria considerado "usado/seminovo" quando a transferência ocorrer de destinatário final para outro destinatário final, de consumidor para consumidor.

Com objetivo de simplificar o entendimento, fica esclarecido que, tendo o veículo uma vez sido transferido para um destinatário final, este perde a qualificação de "zero quilômetro".

Ao meu entender, o parecer da Procuradoria da Fazenda Nacional encontra-se tecnicamente correto.

Contudo, tais considerações aqui abordadas são estritamente técnicas, de forma que nem todos os consumidores possuem tal conhecimento, sendo, ainda, tratados como vulneráveis pela legislação consumerista vigente.

Sendo assim, é imprescindível que o princípio da informação seja estritamente respeitado, devendo serem prestadas e esclarecidas todas e quaisquer dúvidas apresentadas, uma vez que o documento e histórico do veículo apresentará transferências, ficando a cargo do consumidor aceitar ou não aquele produto.

Inclusive, no ato da compra, se possível, seja realizada a elaboração de documento onde o consumidor possa demonstrar a ciência do bem que está adquirindo, demonstrando claramente todas as transferências, de modo a se afastar qualquer mal-entendido futuro ou mesmo ação judicial.

Desta feita, respondendo tecnicamente o questionamento inicial, o veículo que for emplacado, porém, não transferido para o consumidor final, continua com o status de novo, de forma que a aparição de transferências para revendedoras no histórico do veículo não deveria incorrer na sua desvalorização perante o mercado, tratando-se de questão meramente administrativa.

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*Daniel Masello é advogado do escritório MoselloLima Advocacia.

 

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