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Breve resenha crítica sobre o julgamento do STF nas ADCs 43, 44, 54. Prisão após o trânsito em julgado. Um passo atrás

Deve-se atentar, quando se advoga a tese que restou vencida, para os direitos das vítimas dos crimes.

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Atualizado em 25 de novembro de 2019 10:28

Por maioria apertada de 6 votos a 5 o STF rejeitou, nas ADCs em epígrafe, a tese da prisão após condenação em 2ª instância.

Formaram a corrente majoritária os ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli, a quem coube o voto de minerva. Ficaram vencidos os ministros Alexandre de Moraes, Luís  Roberto Barroso, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luiz Fux.

As precitadas ADCs visavam --  o que foi confirmado pelo plenário - a declaração de constitucionalidade do artigo 283 do CPP, à luz do artigo 5º, LVII, da Constituição da República,  de cujas interpretações decorre, segundo a maioria dos ministros,  a conclusão de que o cumprimento da pena de prisão somente pode ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

O ministro Marco Aurélio, em voto condutor, abraçou uma interpretação dogmática e literal do artigo 5º , LVII, da CF, no sentido do cumprimento da pena privativa de liberdade somente após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Afirmou o ministro Relator que até 2009 a prisão podia ser efetivada após condenação em segundo grau. A partir de 2009 até 2016, na esteira do voto do ministro Eros Grau no HC 84078, a prisão passou a ser autorizada após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Em 2016, a partir do HC 126.292, cujo Relator foi o saudoso ministro Teori Zavascki, o STF voltou a chancelar a prisão após condenação em 2ª instância.

O ministro Alexandre de Moraes, de seu turno, abriu a divergência sustentando a possibilidade de prisão após condenação em 2ª instância.

 Iniciou, o ministro Alexandre, advertindo que as súmulas 716 e 717 do STF já preveem a regulação da progressão do regime antes do trânsito em julgado, do que resultaria a conclusão de que é possível a prisão provisória após condenação em segunda instância.

Assinalou, por outro lado, que a presunção de inocência é juris tantum, sendo certo, segundo ele, que o cumprimento da pena antes do trânsito em julgado não provocou, de acordo com dados estatísticos, a alteração de nossa realidade carcerária, reveladora, já há algum tempo, de um estado de coisas inconstitucional.

Pontuou, ademais, que, para garantia da presunção de inocência, devem ser resguardados os princípios do devido processo legal, notadamente os do contraditório e ampla defesa, bem assim, de outro lado, a efetividade da tutela judicial e da jurisdição penal.

 Assentou, ademais, que os 1º e 2º graus é que analisam as provas, o que  o ministro Neri Da Silveira denominou de "juízo de consistência".(HC 72366/SP)

O que deve ser exigido sim, em atenção ao devido processo legal, é o duplo grau de jurisdição tendente a possibilitar a prisão após a confirmação pelo tribunal ordinário da sentença condenatória.

Concluiu então pela improcedência das ADCs em tela.

Já o ministro Roberto Barroso, em voto bastante analítico e emblemático, assinalou o seguinte, dentre outros aspectos: a) a CF exige que a prisão seja procedida em flagrante  ou  por ordem judicial escrita e fundamentada(art 5, LXI, da CF); b) a presunção de inocência é um princípio e não uma regra, devendo, bem por isso, ser ponderado ou sopesado com outros valores constitucionais; c) a presunção de inocência pode ir diminuindo com o desenrolar do processo, sobretudo após decisão condenatória em 2º grau, a partir da qual vai emergir e fazer prevalecer em relação a ela dois  valores constitucionais existentes em todo o ordenamento jurídico do mundo, a saber: os da efetividade e credibilidade da jurisdição penal; d) a efetividade da tutela penal reduz, consequentemente, a sensação de impunidade na sociedade, sobretudo de referência aos crimes de colarinho branco; e) ao seu ver, os recursos extraordinários e especiais ao mais das vezes são protelatórios , com baixíssimo grau de provimentos, menos de 1%, ainda mais no que toca à absolvição do réu; f) a interpretação do artigo 5º, LVII, da CF, não deve ser formalística, literal ou dogmática, mas sim cabe ao interprete buscar o seu alcance sentido em cotejo com o artigo 5º, LXI, da CF, a partir de uma interpretação sistemática , teleológica  e sociológica de tais dispositivos constitucionais, inclusive considerando, com peso sobranceiro, a efetividade e credibilidade da justiça penal; g)a interpretação da Constituição deve ser feita com base na escolha pelo intérprete, dentre as possiblidades normativas, daquela que melhor se afine com os valores constitucionais; h) na interpretação e aplicação das normas, de acordo com o artigo 5º da LINDB, o interprete e aplicador do direito deve atentar para os seus fins sociais, para a realidade a elas subjacente, o que atrai, segundo ele, a intelecção de que a sociedade não admite a impunidade, a corrupção, notadamente nos crimes de colarinho branco; i)atende, ademais, à interpretação por ele propugnada a prevenção geral da norma penal, vale dizer, infundir nas pessoas o temor da punição ;j) não se cuida, segundo Barroso, de se atribuir sentido unívoco ao artigo LVII, da CF, mesmo porque ao longo de todos esses anos a jurisprudência do STF tem variado; l) deve-se atentar para o que acontece no direito comparado, notadamente dos países desenvolvidos, onde não se exige, na maioria deles, para o cumprimento da pena, o trânsito em julgado da sentença penal condenatória; L) segundo ele, a prevalecer o entendimento que veio a ser encampado pela maioria, os pobres, como sempre acontece em nosso País, é que vão ser prejudicados, pois os ricos podem, a todo momento, se valer de bons e caros advogados que, fazendo uso de recursos ao mais das vezes protelatórios, adiam no tempo o cumprimento da pena privativa de liberdade imposta aos seus clientes, o que de um lado pode gerar a prescrição e, do outro , criar um fosso abissal entre a data do delito e o cumprimento da pena; m)as constituições, por serem tecidos vivos, estão sujeitas a mutações  constitucionais, decorrentes seja da mudança da realidade, seja da compreensão do direito; n) segundo ele, a CF não exige para o cumprimento da pena o trânsito em julgado, mas sim ordem escrita e fundamentada do juiz,  a teor do artigo 5º, LXI; o) a culpabilidade ou presunção de inocência não tem nada a ver com a prisão; p)a presunção de inocência, em nome do valor constitucional da efetiva tutela penal , pode ir perdendo peso no desenrolar do processo, em especial após condenação em 2ª instância; q)finalmente,  deve- se atentar também para os direitos das vítimas de crimes;

A ministra Rosa Weber, coerentemente com a sua posição anteriormente manifestada no sentido de acompanhar  o colegiado, votou pela procedência  das ADCs, aduzindo seu entendimento, também sob a perspectiva de emprestar uma interpretação literal ao artigo 5º, LVII, segundo o qual só é possível o cumprimento da pena de prisão após o trânsito em julgado .

Assim o fez assinalando basicamente que a única interpretação que se pode dar ao artigo 5º, da CF, é aquela que veda a prisão após condenação em 2ª instância. Olvida a ilustre Ministra, dizemos nós, que o direito, em grande medida, alberga interpretações plurais, desde que em conformidade com a Constituição, notadamente quando nos deparamos com conceitos abertos, indeterminados ou plurissignificativos , como sói acontecer com o termo culpa ou culpabilidade estampado no referido artigo 5º, LVII, da CF.

A ministra Cárme Lucia, de sua vez,  votou pela improcedência das ADCs em tela, asseverando, dentre outras considerações que: a) com o intenso e grande número de recursos são os pobres que sofrem, pois destituídos de bons e caros advogados; b)o importante para ela, citando Beccaria,  não é a gravidade da punição, mas sim a sua certeza; c) as convenções e tratados internacionais não são, segundo ela, incompatíveis com o cumprimento da prisão após condenação em 2ª instância; d)deve-se emprestar uma interpretação ao artigo 5º, LVII, da CF afeita ao princípio da proporcionalidade, evitando-se a proteção deficiente. Em outras palavras, é imperativo que se preserve, na interpretação do dispositivo constitucional em apreço, a efetividade da tutela penal, notadamente no que concerne aos crimes de colarinho branco.

O ministro Luiz Fux salientou em seu voto que os precedentes das cortes, na esteira do que dispõe o CPC , devem ser respeitados, não havendo, no caso em tela, motivos para a alteração da jurisprudência do STF concebida em 2016.

Discorreu também, da mesmo forma que o fez o ministro Barroso, sobre a necessidade das norma, inclusive a CF,  serem interpretadas de acordo com os seus fins sociais, trazendo à baila, nesse particular, o que dispões a LINDB, artigo 5º.

Votou, ao final, pela improcedência das ADCs, acompanhando a divergência inaugurada pelo ministro Alexandre de Moraes.

O ministro Edson Fachin principiou o seu voto citando o ministro Eros Grau, segundo o qual a Constituição não pode ser interpretada em tiras ou em pedaços, devendo, de revés, ser interpretada dentro do sistema, em cotejo com as demais normas nela inseridas, bem assim com tratados e convenções internacionais.

Ademais, asseverou que na interpretação do artigo 5º, LVII, da CF, deve ser levada em consideração, em grande medida, a efetividade e credibilidade da justiça penal.

Pontuou, também, que , em tema de jurisprudência, não se aplica o princípio da irretroatividade da lei, sendo certo para ele, de outro lado, que as normas processuais têm aplicação imediata.

Afasta, antes de concluir seguindo a minoria que se formava, a existência de contradição da sua posição com o estado de coisas inconstitucional, devendo este, sem prejuízo do seu voto na esteira do cumprimento da pena de prisão após a condenação em segundo grau, ser combatido através de políticas públicas eficazes.

O ministro Ricardo Lewandowski também se alinhou com o relator, ministro Marco Aurélio, emprestando uma interpretação literal e formalista ao artigo 5º, LVII, da CF, julgando procedente as ADCs.

O ministro Gilmar mendes, após fazer, como sempre o faz, a sua defesa quanto às suas decisões em casos rumorosos que culminaram, via de regra, com a soltura de réus em HCs, atacou fragorosamente atos e membros da operação lava jato, para concluir, também numa perspectiva dogmática e formalista de interpretação do artigo 5º, LVII, da CF, pela  procedência das  ADCs.

O decano, ministro Celso de Mello, coerentemente com a posição que sempre adotou na espécie, lavrou voto denso e substancioso, fazendo remissão ao princípio da presunção de inocência , sua historicidade e  aplicação' tanto no direito brasileiro como no comparado, bem assim de referência aos tratados e convenções internacionais , para, ao fim e ao cabo, julgar procedente as ADCs em comento.

Em conclusão do julgamento, o ministro Dias Toffoli exarou o voto de desempate no sentido da impossibilidade, salvo as prisões cautelares, de cumprimento da prisão após a condenação em segunda instância, não sem antes traçar um quadro crítico da impunidade no País e com relação ao estado de coisas inconstitucional. Ademais, ele sinalizou para o Congresso a possibilidade de alterações na Constituição e\ou na legislação ordinária tendentes a permitir a a prisão após condenação em segunda instância.      

Somos partidários, pelas razões que se seguem, do entendimento agasalhado pela minoria dos ministros.

A questão de mérito, vale salientar por oportuno, revela a seguinte dicotomia: a maioria do ministros, na interpretação do artigo 5º , LVII, da CF, adotou uma postura de exegese formalista, dogmática e literal, ao passo que a corrente minoritária encampou uma intelecção proativa, criativa e audaciosa do direito, baseando-se não só no método literal de interpretação, que bastante falível, mas também nos sistemático, teleológico e sociológico.

Com efeito, a maioria interpretou literalmente a Constituição, na medida em que, no citado preceito constitucional, atrelou o termo "culpado" ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Já a corrente minoritária, reconhecendo até mesmo a polissemia da palavra "culpabilidade", bem assim  a necessidade de diferenciá-la do termo prisão, apostou no método sistemático, ao interpretar conjugadamente os artigo 5º, LVII, LXI, CF, para concluir que para a prisão o que se exige é ordem escrita e fundamentada.

Ademais, a corrente derrotada abraçou também, na interpretação  dos referidos preceitos da CF, o método teleológico , para assentar o argumento segundo o qual a Constituição tem como finalidade estruturante a efetividade e credibilidade  da tutela e  jurisdição penais, que seriam, como de fato o foram, maltratados na interpretação meramente literal do artigo 5º, LVII, da CF.

O método sociológico de interpretação da Constituição também foi perfilhado pela minoria, na medida em que, na esteira dos votos dos ministros Fux e Roberto Barroso, assinalou, a minoria, que as normas jurídicas, inclusive  a CF, devem ser interpretadas de acordo com os seus fins sociais (artigo 5º da LINDB). Com efeito, não se pode descurar de interpretar o artigo 5º, LVII, da CF, de acordo com os seus fins sociais, que, com toda certeza, não se coadunam com a inefetividade e descrédito da jurisdição penal. Efetivamente, é por demais sabido que a sociedade , na sua grande maioria, não compactua com a corrupção, notadamente de referência aos crimes de colarinho branco, nem com a impunidade.

Acresce ao que vem de ser exposto a assertiva de que , segundo Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, 6ª edição, pags 469 a 473, a interpretação do direito é, mais do que um ato de conhecimento, um ato de vontade, no qual o intérprete, dentre as  possibilidades  hauridas nos modelos normativos, escolhe aquela que melhor se afina com  o direito posto e com a justiça, notadamente aquela que se mostra compatível com a Constituição. Tanto isso é verdade que a corrente minoritária, passando ao largo de uma interpretação puramente literal do artigo 5º, LVII, da CF, acolheu uma interpretação que é mais sintonizada com os valores constitucionais estruturantes e sobranceiros, a exemplo da efetividade e credibilidade da jurisdição penal.

Demais disso, compartilhamos do entendimento do ministro Barroso, que, através de robustos dados estatísticos, demonstrou que o índice de provimento dos REXs e RESPs, bem assim os de absolvição dos réus, são ínfimos, abaixo de 1%., não se podendo objetar com o argumento, nas pegadas da maioria, de que uma só absolvição já sustentaria a tese por ela, maioria, albergada, na medida em que, disse Barroso, se assim fosse não se justificaria a existência da aviação civil e de automóveis, onde também ocorrem mortes.

Não seduz também a afirmação do Relator das ADCs segundo a qual a liberdade perdida com a prisão após condenação em 2ª instância não pode ser recuperada, na medida em que também nos casos de prisões cautelares, mesmo que para fins diversos, a liberdade perdida também não pode ser restabelecida, mesmo que o réu venha a ser absolvido ao final.

Por outro lado, deve-se atentar, quando se advoga a tese que restou vencida, para os direitos das vítimas dos crimes.

De outra parte, é curioso notar que o mesmo STF que criminalizou, por maioria esmagadora, a homofobia e a trânsfobia, encetando interpretação da Constituição proativa, audaciosa  e criadora, passando ao largo da visão dogmática segundo a qual só a lei prévia pode criar e tipificar os crimes, é o que no presente caso protagoniza uma interpretação meramente literal do artigo 5º, LVII, da CF.

Por fim, cabe assinalar que a decisão em apreço do STF, somada às vozes das ruas, fizeram com que agora estejam sendo discutidas no Congresso Nacional PECs e leis vocacionadas para permitir a prisão após decisão condenatória de segunda instância.

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*Gustavo Hasselmann é advogado e procurados do município do Salvador.

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