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Lei 13.810/19 e as medidas constritivas extrapenais

A lei busca agilizar o cumprimento de "sanções impostas por resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas".

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Atualizado às 11:06

As medidas assecuratórias descritas no art. 12 da lei 13.260/16 não são suficientes para repressão global ao terrorismo uma vez que decretadas no âmbito da jurisdição brasileira, mediante a prática de crime que atraiam a aplicação da lei penal brasileira, seja porque praticados no território brasileiro, seja porque incidem as regras de extraterritorialidade da lei penal brasileira. Mas devido à facilidade de trânsito de pessoas e principalmente de ativos entre países, é comum que organizações terroristas utilizem pessoas físicas e jurídicas residentes e sediadas em lugares diversos do mundo para ocultar bens e valores utilizados para o financiamento de suas atividades, o que impede que aquelas medidas processuais penais alcancem essas pessoas, ainda que mantenham no Brasil ativos que possam ser remetidos ao exterior para beneficiar os componentes de algum grupo terrorista.

A lei 13.810, promulgada em 08 de março de 2019, busca assim agilizar o cumprimento de "sanções impostas por resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, incluída a indisponibilidade de ativos de pessoas naturais e jurídicas e de entidades, e a designação nacional de pessoas investigadas ou acusadas de terrorismo, de seu financiamento ou de atos a ele correlacionados".

Trata-se de medida constritiva extrapenal que independe de o crime ter sido cometido no Brasil, deflagrada pela emissão, pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, de resolução impondo sanções a determinados indivíduos pelo cometimento de atos de terrorismo. A lei prevê assim o cumprimento dessa medida constritiva pelo Brasil ainda que nenhuma conduta criminosa tenha sido praticada em seu território porque credita a resolução executoriedade imediata. Na verdade, a lei 13.810 prevê um tipo especial de cooperação internacional solicitadas diretamente à autoridade nacional, sem necessidade de se observar procedimento perante o Superior Tribunal de Justiça e sem necessidade de intermediação de órgãos jurisdicionais.

A principal nota característica desta inovação é a celeridade, tanto que a nova lei revogou a lei 13.170/15, que também dispunha sobre a indisponibilidade de bens, direitos ou valores em decorrência de resolução do Conselho de Segurança da ONU, mas estabelecia um procedimento de ação judicial de indisponibilidade de modo que a lei 13.810/19 dispensa esse procedimento judicial, nisso consistindo sua maior inovação. Por isso, no art. 6º a lei prevê que as resoluções sancionatórias têm efeito imediato no Brasil, dispensando inclusive o procedimento de internalização e homologação (procedimento que havia sido imposto no parágrafo único, mas que foi vetado por contrariar o propósito de conferir maior eficácia às sanções impostas).

A nova lei também prevê que os chamados sujeitos obrigados de que trata o art. 9º da lei 9.613/98 deverão cumprir a resolução sem demora e sem prévio aviso ao sancionado, seguindo a forma e as condições definidas por seu órgão regulador ou fiscalizador. Essas pessoas deverão informar, também sem demora, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, a existência de pessoas e ativos sujeitos à sanção e as razões pelas quais deixaram de cumpri-la (art. 12).

Ainda buscando a celeridade da medida constritiva, o art. 10 determina que, sem prejuízo da obrigação de cumprimento imediato, o Ministério da Justiça e Segurança Pública comunique, sem demora, as sanções de:

a) indisponibilidade de ativos aos órgãos reguladores ou fiscalizadores, para que comuniquem imediatamente às pessoas naturais ou jurídicas de que trata o art. 9º da lei 9.613/98. Esta comunicação deve ser também dirigida: às corregedorias de justiça dos Estados e do Distrito Federal; à Agência Nacional de Aviação Civil; ao Departamento Nacional de Trânsito do Ministério do Desenvolvimento Regional; às Capitanias dos Portos; à Agência Nacional de Telecomunicações; e a outros órgãos de registro público competentes.

b) restrições à entrada de pessoas no território nacional, ou à saída dele, à Polícia Federal, para que adote providências imediatas de comunicação às empresas de transporte internacional; e

c) restrições à importação ou à exportação de bens à Secretaria Especial da Receita Federal do Ministério da Economia, à Polícia Federal e às Capitanias dos Portos, para que adotem providências imediatas de comunicação às administrações aeroportuárias, às empresas aéreas e às autoridades e operadores portuários. 

Esta comunicação é importante porque dirigida a entidades incumbidas do controle específico do trânsito de ativos e pessoas, o que pode agregar maior eficácia ao procedimento de indisponibilidade. Anote-se, todavia, que em razão da redação deste dispositivo que dispõe que a comunicação sem prejuízo do imediato cumprimento da sanção, essas entidades devem dar cumprimento à resolução independentemente da comunicação feita pelo Ministério da Justiça.

O art. 11, por sua vez, dispõe que a indisponibilidade de ativos e as tentativas de sua transferência relacionadas às pessoas naturais, às pessoas jurídicas ou às entidades sancionadas por resolução do Conselho de Segurança da ONU serão comunicadas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, aos órgãos reguladores ou fiscalizadores das pessoas naturais ou das pessoas jurídicas de que trata o art. 9º da lei 9.613/98 e ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), que recentemente regulamentou os procedimentos a serem adotados no caso, por meio da resolução 31/19.

Caso a resolução sancionatória não seja cumprida, a União deverá ingressar, sem demora, com auxílio direto judicial, previsto no arts. 28 a 34 do CPC. Instruído este procedimento com as informações sobre a existência de ativos sujeitos à indisponibilidade, o juiz deve determinar, no prazo de vinte e quatro horas a partir do recebimento dos autos, e sem a oitiva do requerido, as medidas pertinentes para o cumprimento da sanção (art. 14). Observe-se que até aqui, a atuação é inaudita altera pars, quando então o requerido será citado para, no prazo de 15 dias, impugnar a medida alegando (I) homonímia; (II) erro na identificação do requerido ou dos ativos que sejam objeto de sanção; (III) exclusão da lista de sanções ou (IV) expiração do prazo de vigência do regime de sanções.

Caso o requerido seja excluído da sanção imposta pelo Conselho de Segurança, as partes poderão ingressar com ação revisional do que foi estatuído na sentença (art. 17).

É possível também que a União ingresse com pedido de auxílio direto judicial a requerimento de autoridade central estrangeira. Neste caso, a medida serve para assegurar o resultado de investigações administrativas ou criminais e ações em curso no exterior em virtude da prática de terrorismo, de seu financiamento ou de atos a ele correlacionados (art. 18).

Por fim, destaque-se que nos casos em que o juiz decreta medidas assecuratórias nos termos do art. 12 da lei 13.260/16 - ou seja, nas situações em que o Brasil exerce jurisdição sobre crimes de terrorismo -, a União deve ser intimada para que adote, caso seja necessário, as providências de designação nacional perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas ou seu comitê de sanções pertinente.

Cabe por fim ressaltar que com a entrada em vigor da lei 13.810/19 e do decreto 9.825/19, já não existe o risco de sanção ao Brasil por falha na implementação de recomendações do GAFI e de resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, relativas ao bloqueio automático de bens de terroristas e organizações terroristas. Com efeito, desde a resolução 1.373 da ONU, cuja execução é obrigatória no Brasil ante o decreto 3.976/01, o Brasil deveria: 

"a) Prevenir e reprimir o financiamento de atos terroristas;

b) Criminalizar o fornecimento ou captação deliberados de fundos por seus nacionais ou em seus territórios, por quaisquer meios, diretos ou indiretos, com a intenção de serem usados ou com o conhecimento de que serão usados para praticar atos terroristas;

c) Congelar, sem demora, fundos e outros ativos financeiros ou recursos econômicos de pessoas que perpetram, ou intentam perpetrar, atos terroristas, ou participam em ou facilitam o cometimento desses atos. Devem também ser congelados os ativos de entidades pertencentes ou controladas, direta ou indiretamente, por essas pessoas, bem como os ativos de pessoas e entidades atuando em seu nome ou sob seu comando, inclusive fundos advindos ou gerados por bens pertencentes ou controlados, direta ou indiretamente, por tais pessoas e por seus sócios e entidades;

d) Proibir seus nacionais ou quaisquer pessoas e entidades em seus territórios de disponibilizar quaisquer fundos, ativos financeiros ou recursos econômicos ou financeiros ou outros serviços financeiros correlatos, direta ou indiretamente, em benefício de pessoas que perpetram, ou intentam perpetrar, facilitam ou participam da execução desses atos; em benefício de entidades pertencentes ou controladas, direta ou indiretamente, por tais pessoas; em benefício de pessoas e entidades atuando em seu nome ou sob seu comando".

A nova lei é fruto deste compromisso internacional e atende as razões de celeridade no enfrentamento ao terrorismo.

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Resultado de imagem para Renee do Ó Souza*Renee do Ó Souza é mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília. Pós-graduado em Direito Constitucional, Direito Processual Civil, em Direito Civil, difusos e coletivos. Promotor de Justiça em Mato Grosso. Membro auxiliar da Unidade Nacional de Capacitação do Conselho Nacional do Ministério Público. Professor e autor de obras.

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