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MEI - A inconstitucional e ilegal exclusão de professores de música e outros

Embora o governo já tenha recuado da ideia (mas ainda não publicou), trago um debate jurídico para o imbróglio criado.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Atualizado às 14:46

O Comitê Gestor do Simples Nacional, em resolução assinada no dia 3 e publicada em 6 de dezembro de 2019, provocou uma verdadeira atrocidade: excluiu diversas atividades do regime de recolhimento de tributos conhecido como MEI, incluindo o professor de música, atividade que me é peculiarmente encantadora e apaixonante.

Um verdadeiro ato absurdo e desconectado com a realidade social brasileira. Pior: completamente inconstitucional e ilegal.

É inteiramente inconstitucional porque restringe um direito do MEI com base unicamente em interpretação literal que fez da lei, esquecendo-se que a Constituição assegura o princípio da interpretação mais favorável ao MEI como demonstraremos (a Constituição se refere à microempresa e o MEI é modalidade de microempresa conforme LC 123/06, com a redação dada pela LC 147/14).

É inconstitucional também porque produz efeitos a partir de 1º de janeiro de 2020, aumentando tributo em período menor que 90 dias. Isto porque a Constituição garante aos contribuintes o princípio da anterioridade em matéria tributária: nenhum tributo pode ser instituído ou aumentado "antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou", como determina o art. 150, III, c da Constituição.

E também é ilegal.

Veja-se: um mero Comitê, que não é formado por legisladores eleitos pelo povo, vem a público restringir um direito instituído por uma LC, que tramitou no Congresso Nacional, com deputados e senadores eleitos pelo povo. Lembrando-se que essa LC apenas veio dizer o que a Constituição já garantia: tratamento "diferenciado e favorecido para as microempresas".

Vejamos o que diz a LC:

Art. 18-A.  O Microempreendedor Individual - MEI poderá optar pelo recolhimento dos impostos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional em valores fixos mensais, independentemente da receita bruta por ele auferida no mês, na forma prevista neste artigo.

§ 1º  Para os efeitos desta LC, considera-se MEI o empresário individual que se enquadre na definição do art. 966 da lei 10.406/02 - CC, ou o empreendedor que exerça as atividades de industrialização, comercialização e prestação de serviços no âmbito rural, que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais), que seja optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar pela sistemática prevista neste artigo.

Assim, podem ser MEI:

a) o empresário individual que se enquadre na definição do art. 966 do CC pode ser empreendedor individual. Vejamos esse artigo:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

b) o empreendedor que exerça as atividades de industrialização;

c) o empreendedor que exerça as atividades de comercialização e

d) o empreendedor que exerça as atividades de prestação de serviços no âmbito rural.

Já sabemos que as principais atividades excluídas não estão nas letras "b", "c" e "d" acima, já que não se trata de industrialização, comercialização ou prestação de serviços no âmbito rural.

Vejamos a letra "a". É uma pena, mas a LC não estabelece a possibilidade de prestador de serviços de natureza intelectual, artística se tornar MEI a menos que o exercício da profissão constitua elemento de empresa.

Aqui, portanto, a primeira ilegalidade: e se os prestadores de serviços que estejam cadastrados nos CNAEs excluídos do regime do MEI constituírem elemento de empresa? Essa situação está inteiramente permitida no regime do MEI pela Lei Complementar. E uma mera Resolução a exclui sem qualquer consideração a essa exceção.

É o caso, por exemplo, dos professores de música que alugam um espaço, organizam salas e bens móveis para prestar serviços, como é o caso dos Centros Suzuki. Há evidente elemento de empresa: atividade econômica organizada para a circulação de serviços.

Mas, mesmo para quem não tenha esse "elemento de empresa" deveria valer o regime do MEI. Isto porque havia uma Resolução anterior do Conselho Gestor do Simples Nacional que permitiu a inclusão dessa atividade! Isso evidentemente demonstra o espírito pelo qual deve ser interpretada a legislação do MEI: de forma favorável ao contribuinte, ao pequeno empreendedor.

Tudo pode estar de alguma forma conectado à questão da Previdência. Publicou-se uma emenda constitucional para definir diversos pontos que eram necessários para o equilíbrio da Previdência. Não entrarei no mérito de ser devida ou não, uma vez que respeitados economistas e a sociedade como um todo entendiam ser necessária para reduzir o déficit. Mas vejam que interessante: a sociedade, por meio de seus representantes eleitos (deputados e senadores) debateram cada ponto da Reforma da Previdência.

Hoje, não estamos tratando de reforma da Previdência: temos o comitê gestor do Simples Nacional editando normas na calada da noite, às vésperas do Ano Novo, trazendo uma novidade que nada tem de espírito natalino. Ao contrário, sem qualquer participação e discussão da sociedade, altera um direito fundamental do contribuinte: o direito de participar e debater.

Os professores de arte e demais profissionais cujos CNAEs foram extirpados do regime de MEI aceitam debater a previdência de forma democrática. E isso já foi feito por intermédio do Congresso Nacional, que publicou a Reforma da Previdência neste ano.

Na realidade, o Comitê Gestor do Simples Nacional deveria pensar em ampliar o empreendedorismo brasileiro, apostando no futuro e garantindo o direito ao desenvolvimento, previsto no preâmbulo da Constituição:

"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL."

Assim, listo aqui alguns caminhos são possíveis:

i) buscar reverter, junto ao comitê gestor do Simples Nacional, para que publique uma outra Resolução revogando a atual; podemos fazer isso de várias formas, inclusive enviando correspondências ao sr. Presidente da República, que, durante a campanha e na posse, assegurou e jurou respeitar a Constituição;

ii) pressionar o Congresso Nacional para editar a) um decreto Legislativo para sustar o ato do Poder Executivo que excedeu sua competência regulamentar ou b) outra LC que inclua expressamente as atividades excluídas, evitando-se que uma futura norma inferior (resolução) altere esse direito; deputados federais e senadores devem ser impulsionados a agir em favor dos excluídos;

iii) buscar em juízo, por meio de atividades representativas da classe, medida liminar que busque anular os efeitos dessa resolução.

Explicar nosso regime para estrangeiros é muito difícil, com surpresas a todo momento para os contribuintes. Esperamos que definitivamente o Executivo, o Legislativo e o Judiciário comandem o efetivo respeito ao Estado Democrático de Direito assegurado pela Constituição.

Felizmente há notícias de que o governo reconheceu e recuou da ideia. Esperamos que publique efetivamente outra resolução revogando a referida resolução.

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*Marcos Osaki é advogado, professor e sócio de Osaki Advogados.

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